Título: Brasileiros já devem R$ 1 trilhão
Autor: Martins, Victor
Fonte: Correio Braziliense, 27/09/2012, Economia, p. 10

Crédito deve crescer 24% neste ano em bancos estatais. Mesmo com juro baixo, inadimplência segue alta: 7,9%

VICTOR MARTINS

O brasileiro já deve mais de R$ 1,042 trilhão e, se depender da agressividade na concessão de empréstimos assumida pelos bancos públicos, a cifra pode crescer ainda mais. Pelas previsões do Banco Central (BC), enquanto nas instituições privadas o crédito deve avançar entre 10% e 13% em 2012, nas estatais o incremento será de 24% — antes a projeção era de 21%. Para especialistas, a diferença entre os bancos é "gritante", mas também é coerente com a ordem do Ministério da Fazenda de impulsionar a economia por meio de financiamentos baratos. A preocupação de analistas, no entanto, é com a inadimplência, que, mesmo com a queda dos juros em quase 10 pontos percentuais entre fevereiro e agosto, persiste em nível elevado: 7,9%.

Segundo o BC, os indícios são de que o calote das famílias deve diminuir nos próximos meses. "Nosso cenário é de acomodação e recuo até o fim do ano", disse Túlio Maciel, chefe do Departamento Econômico da instituição. "Com o emprego e a renda em alta, temos as condições que ajudam a reduzir essa inadimplência." Maciel destacou que a queda dos juros para os consumidores — que foram de 45,4% ao ano em fevereiro para 35,6% em agosto —, deve contribuir também para a melhora dos níveis de inadimplência. Pelos números da instituição, porém, os calotes permanecem estáveis há dois meses.

A taxa de juros para as famílias, ainda de acordo com o economista, é a menor desde 1994. Recuou 0,6 ponto percentual em agosto e, no acumulado em 12 meses, 10,6 pontos. "Essa redução dos juros, nessa magnitude, nunca aconteceu antes. A inadimplência está em patamar elevado, mas temos indícios de que renegociações têm ocorrido em função dessas taxas mais baixas e contribuído para a moderação do indicador", argumentou Maciel. Entre as operações de crédito, a que tem maior saldo e concentra a maior parte das dívidas dos brasileiros é a de financiamento imobiliário. O segmento acumulou R$ 250 bilhões em empréstimos até agosto. Isso não preocupa o governo, porém, pelas características de longo prazo e custos, que estão entre os menores.

Cartão de crédito A preocupação da equipe econômica da presidente Dilma Rousseff está em outras operações, com custos que os especialistas consideram "exorbitantes". No cartão de crédito, por exemplo, que chega a cobrar mais de 200% de juros ao ano, as famílias deviam, até agosto, R$ 37,4 bilhões. No cheque especial, que tem taxa de 148% ao ano, a fatura total é de R$ 21 bilhões. Com modalidades de crédito tão caras, tornou-se comum ao brasileiro, principalmente o que ingressou mais recentemente ao mercado de consumo, ter o nome nos cadastros negativos em bancos de dados. Segundo um estudo divulgado ontem pelo Serviço de Proteção ao Crédito (SPC), quase metade da população, 41%, já teve o "nome sujo", pela inclusão nessas listas.

"Em casos como o do cartão de crédito e dos juros do cheque especial, os custos cobrados ao final superam em muito os do principal utilizado. Um conhecimento efetivo sobre esses juros evitaria que as famílias se tornassem inadimplentes pelo uso inadvertido desses instrumentos de crédito", ponderou o economista Nelson Barrizzelli, do SPC.

» Maiores restrições João Augusto Salles, economista da consultoria Lopes Filho, avalia que os bancos ficaram mais restritivos na concessão de crédito, e isso deve ajudar também na melhora das taxas de inadimplência. "Enquanto os bancos públicos estão puxando o crédito, os privados estão preocupados com a falta de pujança da economia e com a inadimplência. Por ceticismo, não aceleram suas operações", observou. Para Luiz Miguel Santacreu, analista da gestora de risco Austin Rating, o efeito da aceleração dos bancos públicos só poderá ser medido do ponto de vista da inadimplência ao fim do ano. "Essas coisas demoram para fazer efeito. Porém, os dados dos bancos públicos mostram que eles têm inadimplência menor que os privados", explicou.