O Estado de São Paulo, n. 45826, 06/04/2019. Política, p. A4

 

Bolsonaro indica demissão de ministro da Educação

João Caminoto

Anne Warth

Lígia Formenti

Adriana Fernandes

Vera Rosa

Julia Lindner

Pedro Venceslau 

06/04/2019

 

 

Executivo. Presidente diz que ‘está faltando gestão’ na pasta de Vélez Rodríguez e sugere que a definição será na segunda-feira; impasse provoca paralisia e atrasos no ministério

O presidente Jair Bolsonaro sinalizou ontem que o ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodríguez, deixará o cargo na segunda-feira. Com menos de 100 dias à frente da pasta, o ministro enfrenta uma série de problemas e foi obrigado pelo Palácio do Planalto a demitir 18 pessoas, entre elas três secretários executivos, o equivalente a seu sub. A crise provocou paralisia no ministério e prejudica o andamento dos principais programas da pasta.

“Está bem claro que não está dando certo. É uma pessoa bacana, honesta, mas está faltando gestão, que é uma coisa importantíssima. Vamos tirar a aliança da mão direita e pôr na mão esquerda ou na gaveta”, afirmou Bolsonaro, em café da manhã que reuniu diretores de jornais e repórteres de TV, no Palácio do Planalto. O Estado estava entre os convidados.

A crise afetou programas do MEC. O Programa Nacional do Livro Didático para o Ensino Médio está paralisado. Além disso, o cronograma do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) e do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) está comprometido. A crise na pasta se arrasta desde meados de fevereiro. A troca do ministro vem sendo cogitada dentro do governo há pelo menos três semanas. A substituição esbarra na dificuldade de se encontrar um nome de consenso.

Bolsonaro admitiu que Vélez poderá ser reaproveitado em outra pasta, mas disse não ter definido onde. “Quem decide sou eu. Segunda é o dia do fico ou não fico. A situação da Educação será resolvida”, afirmou ele. Questionado sobre a influência do escritor Olavo de Carvalho no governo – e, especialmente, no Ministério da Educação –, Bolsonaro disse que isso não existe. “Tem pouca gente do Olavo na Educação.” Mais tarde, em outro evento no Planalto, Bolsonaro minimizou. “Não está decidido ainda, tudo pode acontecer.”

A crise no Ministério da Educação é mais um episódio da guerra entre “olavistas” e militares dentro do governo que o presidente nega existir. Guru ideológico da família Bolsonaro, Olavo de Carvalho indicou Vélez para o cargo. Ontem, porém, o escritor rifou o colombiano, por meio de uma publicação na rede social Facebook. Ele chamou Vélez de “traiçoeiro”. “Não vou fazer nada contra ele, mas garanto que não vou lamentar se o botarem para fora do ministério”, escreveu Olavo.

‘Fritura’. A situação de Vélez mostra um aspecto errático da personalidade de Bolsonaro na hora de demitir aliados. Assim como fez com Gustavo Bebianno, ex-ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República, o presidente deixou Vélez “fritar” em praça pública. Alvo de críticas do vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ), Bebianno ficou dias no “limbo”, sem ser recebido pelo presidente. Bolsonaro chegou a oferecer uma diretoria de Itaipu, cargo que Bebianno recusou, até que finalmente foi demitido do cargo.

A tática dos presidentes para demitir ministros pouco mudou ao longo da história do Planalto. Os ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff também demoravam a exonerar seus subordinados.

Há dez dias, em audiência pública na Câmara, a deputada Tabata Amaral (PDT-SP), de 25 anos, expôs Vélez ao questionar seu preparo para o cargo. A apresentação levada pelo ministro aos deputados não continha nem mesmo metas e projetos para sua gestão no ministério.

Em meio a polêmicas como o pedido para que escolas filmassem e enviassem para o MEC vídeos com alunos cantando o Hino Nacional, revelado pelo Estado, e possibilidade de mudanças na abordagem do golpe e da ditadura militar em livros didáticos, o governo foi surpreendido pela falência da gráfica RR Donnelley – que imprime as provas do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) desde 2009. Marcado para novembro, o exame precisa estar com as provas impressas até maio para que seja realizado.

Natural de Bogotá, capital da Colômbia, o ministro também acusou os brasileiros de se comportarem como canibais em viagens no exterior. Entre os hábitos dos brasileiros, ele mencionou o roubo de objetos em hotéis e do assento salva-vidas dos aviões. “Esse é o tipo de coisa que tem de ser revertido na escola”, disse o ministro.

A exemplo de Bebianno, Vélez Rodríguez não foi informado sobre sua possível demissão. “Pergunta a quem de direito, a quem falou isso”, respondeu. Em Campos do Jordão (SP), onde participou do fórum do Grupo de Líderes Empresariais (Lide), ele disse que não iria entregar o cargo. Ao ser questionado sobre se sua permanência teria ficado insustentável, ele respondeu que apenas a morte tem essa característica.

Na semana passada, o governo sondou o nome do senador Izalci Lucas (PSDB-DF) e do presidente do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), Carlos Alberto Decotelli. Outro nome cotado é o do deputado João Roma (PRB-BA). / JOÃO CAMINOTO, ANNE WARTH, LÍGIA FORMENTI, ADRIANA FERNANDES, VERA ROSA, JULIA LINDNER e PEDRO VENCESLAU

'Dia do fico'

“Está bem claro que não está dando certo. (Ricardo Vélez) É uma pessoa bacana, honesta, mas está faltando gestão, que é uma coisa importantíssima. Vamos tirar a aliança da mão direita e pôr na mão esquerda ou na gaveta (...) Segunda é o dia do fico ou não fico. A situação da Educação será resolvida.”

Jair Bolsonaro

PRESIDENTE DA REPÚBLICA

“Não vou fazer nada contra ele (Vélez), mas garanto que não vou lamentar se o botarem para fora do ministério.”

Olavo de Carvalho

‘GURU’ BOLSONARISTA

“Não vou entregar o cargo (...) Insustentável por quê? A única coisa insustentável é a morte.”

Ricardo Vélez Rodríguez

MINISTRO DA EDUCAÇÃO

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'Eu não nasci para ser presidente'

06/04/2019

 

 

Só problema / Bolsonaro brinca que sua vocação é ser militar

Foi um dia de desabafos. Seis horas antes de dizer, em tom de brincadeira, que não “nasceu para ser presidente”, mas, sim, “para ser militar”, Jair Bolsonaro abriu um sorriso quando o ministro da Justiça, Sérgio Moro, afirmou não ter planos políticos.

Ao lado de Bolsonaro no café da manhã, ontem, com diretores de jornais e repórteres de TV, Moro foi questionado sobre seu interesse em disputar a Presidência, em 2022. Diante da negativa, Bolsonaro lembrou que, bem antes de ser eleito, no ano passado, um amigo lhe perguntou sobre os seus projetos para a próxima temporada. “Ou eu vou ser eleito ou vou para a praia”, respondeu o então candidato do PSL ao Planalto. Bem-humorado e sob o olhar atento de Moro, Bolsonaro continuou, rindo: “Me dei mal. Pode pegar o meu lugar”.

No café, o presidente disse entender as queixas de parlamentares e contou ter passado 28 anos “dando caneladas”, em referência aos tempos de deputado federal. “Faz 28 anos que dou caneladas”, afirmou. “Eu fazia xixi na cama até os cinco anos. Vou ter de me arrepender disso também?”, perguntou, em tom de brincadeira.

Mais tarde, na inauguração do Espaço de Atendimento de Ouvidoria da Presidência, no Planalto, o presidente voltou a fazer piada. “Às vezes me pergunto: meu Deus, o que fiz para merecer isso? É só problema”, disse, antes de se despedir.