O Estado de São Paulo, n. 45826, 06/04/2019. Política, p. A6
Receita pede que PF apure acesso a dados de Bolsonaro
Lorenna Rodriuges
06/04/2019
Órgão abre sindicância e aciona Polícia Federal para apurar caso que envolve presidente e familiares; dois servidores foram ouvidos
Superintendência.Fachada da Receita Federal em Brasília; órgão abriu sindicância interna
A Receita Federal identificou que dois servidores do órgão acessaram de maneira irregular dados fiscais do presidente Jair Bolsonaro e de integrantes de sua família. O órgão abriu sindicância para apurar o ocorrido e acionou a Polícia Federal, que fez, anteontem, operação em escritórios da Receita em Cachoeiro do Itapemirim (ES) e em Campinas (SP).
O presidente disse, no Twitter, que, “desde o início do ano passado”, dois funcionários da Receita acessaram “ilegalmente informações fiscais de minha pessoa e familiares”. Segundo ele, os servidores procuravam informações para incriminá-lo na eleição.
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), afirmou ao Estado que a violação dos dados fiscais de Bolsonaro e de seus familiares é ato “gravíssimo”. “A Receita deveria abrir logo procedimento para afastálos do serviço público”, disse.
Os dois servidores foram levados pela PF para depor. No Espírito Santo, foi ouvido o agente administrativo Odilon Ayub Alves, irmão da deputada federal Norma Ayub (DEM-ES).
A Receita e a PF não divulgaram os nomes dos servidores. Também não informaram quais integrantes da família Bolsonaro, além do presidente, tiveram dados acessados. Em nota divulgada ontem, o órgão afirmou que abriu sindicância para apurar as circunstâncias e concluiu que não havia motivação legal para o acesso feito pelos servidores no sistema.
Os dois funcionários responderão a processo administrativo. Eles não foram afastados de suas funções, mas foi retirada a permissão para entrar em sistemas da Receita. Os servidores podem ter cometido, segundo a legislação, delitos como abuso de autoridade, quebra de sigilo funcional e crime contra a Segurança Nacional. Como resultado do processo administrativo aberto pelo órgão, podem ser demitidos.
Criado em 2010 depois de vazamentos de dados de parentes do então candidato à Presidência da República, José Serra, o sistema registra todos os acessos feitos a dados de políticos, autoridades e parentes – as chamadas pessoas politicamente expostas. Ficam registrados o tempo de cada consulta e até se cada documento é impresso e, imediatamente, o superior imediato do servidor é avisado.
A deputada federal Norma Ayub afirmou que os dados de Bolsonaro foram consultados em outubro, antes do segundo turno da eleição – a sindicância, no entanto, foi aberta em janeiro, depois de o Fisco identificar os acessos irregulares. Ela considerou o ato do irmão como “uma brincadeira”, um momento de “infantilidade”.
A parlamentar alegou que o irmão é “eleitor doente” de Bolsonaro e não teria a intenção de prejudicá-lo. “Foi um ato de infantilidade, sem maldade.” Segundo ela, o irmão acessou os dados para descobrir a idade do então candidato a presidente.
Os líderes do PSDB, Carlos Sampaio (SP), e do DEM, Elmar Nascimento (BA), afirmaram que o acesso irregular a dados fiscais de Bolsonaro e de seus familiares é “muito grave” e precisa ser investigado com seriedade pela PF. “Se até o presidente da República sofre abuso de poder, imagina o que acontece com o cidadão comum no dia a dia”, disse Elmar.
Crise. Desde o início de fevereiro, a Receita passa por uma crise causada pelo vazamento de dados fiscais do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, e da mulher de Dias Toffoli, presidente da Corte. Toffoli abriu inquérito para investigar ofensas a integrantes do STF e os vazamentos sobre ministros e familiares na Receita. O Tribunal de Contas da União também instaurou procedimento.
Assim como no caso do acesso aos dados do presidente, o secretário especial da Receita, Marcos Cintra, acionou a PF para que os vazamentos fossem investigados. Logo após o Estado revelar a citação à mulher de Toffoli em investigação preliminar da Receita, Cintra afirmou que o Fisco estava sofrendo um ataque. “Os meliantes vazaram meias-verdades para gerar intrigas e dissidia no governo.”