O globo, n. 31350, 07/06/2019. País, p. 4

 

De revés em revés

Natália Portinari

Eduardo Bresciani

07/06/2019

 

 

Congresso indica que governo perderá em propostas sobre armas e trânsito

Depois de acumular derrotas durante a semana no Congresso, o governo Jair Bolsonaro já pode vislumbrar novos problemas no horizonte. No Senado, a tendência é de rejeição, na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e até no plenário, dos dois últimos decretos editados pelo presidente flexibilizando os critérios para obter o porte e a posse de armas.

Na Câmara, um revés que começa a se desenhar é na proposta enviada por Bolsonaro para fazer alterações no Código de Trânsito. O presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), afirmou ontem, ao G1, que não deve prevalecer ao menos um dos pontos, o que acaba com a multa para motorista que levar crianças sem cadeirinhas. A bancada do trânsito pretende fazer uma ampla discussão sobre o tema, defendendo alterações também de outras partes do texto.

Na última semana, o governo sofreu pelo menos três derrotas no Congresso. O Orçamento da União se tornou impositivo para emendas de bancadas estaduais; a Câmara aprovou novo rito de tramitação para as medidas provisórias (MPs), o que exigirá mais negociação por parte do Executivo; e o Congresso não votou crédito emergencial de R$ 248 bilhões.

Procurados pelo GLOBO, os líderes do PSDB, PDT, PSB, PPS e MDB defenderam abertamente os projetos de decretos legislativos para cancelar a flexibilização das regras para armas de fogo. Os argumentos são de que o texto extrapolou a competência constitucional de um decreto e diminui a segurança da população.

A votação de um requerimento na CCJ sobre o decreto anteontem evidenciou a dificuldade que o governo terá. Os senadores do PSL Major Olímpio (SP) e Selma Arruda (MT) tentaram adiar a votação dos projetos que pretendem derrubar o decreto presidencial. Para isso, propuseram a realização de uma audiência pública. O pedido de ambos foi negado, porém, por 16 votos a 4.

Líder do PSD, Otto Alencar (BA), disse acreditar que o presidente “não ouviu a maioria da população nesse aspecto”. Pesquisa do Ibope mostrou, nesta semana, que 73% são contra a flexibilização do porte de armas.

—Devemos ir no caminho de dar mais segurança às pessoas. A maioria é contra o decreto do presidente. Eu votarei contra e vou encaminhar a orientação do PSD contra a posição do presidente nessa matéria.

O líder do MDB, Eduardo Braga (AM), também afirmou que votará contra:

— Acho que (o decreto) será derrotado. O MDB vai liberar a bancada para cada um votar como quiser, mas eu votarei contra o decreto, porque acho que esse tipo de autorização armará apenas a classe média e, ao contrário de proporcionar segurança, vai aumentar a insegurança.

O líder do PSDB, Roberto Rocha (MA), foi na mesma linha:

— O partido acha que houve um exagero. Não estamos tratando do mérito, e sim de que, na forma, não deveria ter sido feito por um decreto presidencial.

Caso os projetos nesse sentido passem na CCJ na sessão da próxima quarta feira, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), já se comprometeu a levar o assunto ao plenário no mesmo dia. A proposta, então, seguiria para a Câmara, onde a bancada da bala deve ter mais força para lutar contra a derrubada do decreto.

Pacote anticrime

O pacote anticrime proposto pelo ministro Sergio Moro (Justiça) também deve sofrer alterações. O debate ainda está em um grupo de trabalho, formado por Maia para analisar a proposta junto com outro texto, do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF). Aliado do governo e coordenador do grupo, o deputado Capitão Augusto (PR-SP) reconhece que haverá dificuldades para aprovar o excludente de ilicitude e a prisão em segunda instância (em vigor hoje por decisão do STF). Ele vem adiando há duas semanas a reunião em que seu relatório, ainda não apresentado, deve ser votado.

A crise de confiança entre os Poderes foi escancarada com um bate-boca do líder do PSL no Senado, Major Olímpio (SP), com a líder do governo no Congresso, deputada Joice Hasselmann (PSL-PR).

Olímpio acusou os articuladores do Planalto de não cumprir um acordo de derrubar um veto à participação de agentes penitenciários no Sistema Único de Segurança Pública (SUSP), o que abriria possibilidades futuras de ganhos salariais para essa categoria.

— Palavra dada não é palavra cumprida aqui — esbravejou o líder do partido do próprio presidente em relação ao governo.

Cenário adverso para o planalto

Orçamento impositivo

A Câmara aprovou, em votação final, Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que engessa ainda mais o Orçamento da União. O texto obriga o governo a liberar emendas das bancadas estaduais, reduzindo a quantidade de recursos que os técnicos podem manejar livremente.

Prazo de medidas provisórias

PEC aprovada pela Câmara exige mais negociação do governo para aprovar medidas provisórias (MPs) no Congresso. A proposta estabelece quatro fases de tramitação com prazos próprios de votação. Hoje Câmara e Senado têm até 120 dias para votar o texto editado pelo Executivo antes que perca a validade.

Regra de ouro

O governo não conseguiu votar ainda, nem na Comissão Mista de Orçamento, projeto que libera crédito emergencial de R$ 248 bilhões. A medida precisa ser aprovada até semana que vem para garantir o pagamento de benefícios como aposentadorias e o Bolsa Família.

Cadeirinha

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), disse acreditar que não será aprovado na Casa o fim da multa para motorista que levar criança sem cadeirinha.

Decreto das armas

A Comissão de Constituição e Justiça do Senado deve derrubar, na próxima semana, decretos do presidente Jair Bolsonaro que flexibilizaram o porte e a posse de armas. O tema seguirá para o plenário em um ambiente desfavorável ao Planalto, mas ainda precisa ser votado pela Câmara.

Pacote anticrime

Grupo de trabalho da Câmara deve propor alterações em dois pontos centrais do pacote anticrime apresentado pelo ministro Sergio Moro (Justiça): retirar do texto o excludente de ilicitude e a prisão em segunda instância.

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Presidente do Senado critica ‘trapalhadas’ do Executivo.

07/06/2019

 

 

Além de apontar falhas na articulação, Alcolumbre repetiu presidente da Câmara ao dizer que gestão Bolsonaro não tem agenda

Eleito para o cargo com o apoio do Palácio do Planalto, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), não mediu palavras para criticar, em entrevista à Globo News na noite da última quarta-feira, a articulação política do governo Jair Bolsonaro.

Em coro com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), ele também afirmou que o Planalto “não tem agenda para o país”.

— O governo comete, todos os dias, algum tipo de trapalhada na coordenação política, na gestão e na relação política. É muito desencontro ao mesmo tempo, em uma mesma semana —disse ele.

Alcolumbre citou a carta que recebeu de Bolsonaro, na qual o presidente pedia que o Senado não tentasse devolver o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf ) para o ministro Sergio Moro (Justiça). O presidente queria evitar assim que a medida provisória que implementou a reforma administrativa do governo voltasse para a Câmara e perdesse a validade.

— Imagina só o presidente da República ser obrigado a assinar um documento apelando ao presidente do Senado, coma assina turados ministros da Casa Civil, da Justiça, da Economia, dizendo ‘por favor, eu peço ao Senado que aprove paranã ocorrermos o risco deperdera reestruturação do governo. Foram obrigados afaze risso porque o Senado precisava de um sinal do governo de que ele confia na política —afirmou o presidente do Senado.

Afinado com o presidente da Câmara, Alcolumbre afirmou que o Congresso pretende investir em uma agenda própria:

— Se o governo não tem agenda, e parece que não tem, nós vamos fazer a nossa. A cobrança está sendo em cima do Parlamento.

Para o presidente do Senado, o decreto de Bolsonaro que amplia a permissão para o porte de armas de fogo “extrapolou os limites dos poderes do Executivo federal”. Ele citou o parecer contrário da área técnica do Senado que classificou o decreto como “incostitucional”.

Alcolumbre cobrou de Bolsonaro gestos de aproximação com o Congresso, até como forma de desestimular ataques à classe política feitas por seus simpatizantes nas redes sociais.

— A reciprocidade no tratamento é fundamental na política. A gente precisa que o governo faça gestos ao Parlamento. O parlamento está fazendo gestos todos os dias.