O globo, n. 31350, 07/06/2019. País, p. 8

 

Delator admite à PGR que mentiu para proteger a Hypermarcas

Aguirre Talento

André de Souza

07/06/2019

 

 

Nelson Mello foi alvo de pedido de cancelamento do seu acordo de colaboração com Lava-Jato

O ex-diretor da Hypermarcas (atual Hypera Pharma) Nelson Mello admitiu à Procuradoria-Geral da República (PGR) que omitiu fatos em sua delação premiada com o objetivo de tentar proteger a empresa e seu acionista majoritário, João Alves de Queiroz Filho, o Júnior.

Por causa dessas omissões e de mentiras em seus depoimentos, a PGR pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF) o cancelamento da delação. É o segundo caso na Lava-Jato de pedido de rescisão de uma colaboração — o primeiro foi dos executivos da J&F, que ainda está sob análise do STF.

Segundo a PGR, Nelson Mello omitiu que o grupo Hypermarcas atuou para obter vantagens em uma medida provisória no Congresso e também mentiu ao dizer que não sabia quais eram os parlamentares beneficiados por seus pagamentos de propina feitos por intermédio de um lobista. As provas apontam repasses para os senadores Eduardo Braga (MDB-AM) e Renan Calheiros (MDB-AL) e aos ex-senadores Eunício Oliveira (MDBCE) e Paulo Bauer (PSDB-SC), que atualmente ocupa o cargo de secretário especial para o Senado Federal na Casa Civil da Presidência da República.

“Constatando que o avançado estágio das investigações tornava inverossímil a tese de que desconhecia as tratativas relacionadas à MP 627, Nelson Mello reconheceu que, buscando proteger o grupo Hypermarcas, omitiu do Ministério Público que João Alves Queiroz Filho, acionista majoritário da empresa, também participava dos atos ilícitos praticados por Mello e deles tinha pleno conhecimento”, escreveu a PGR no pedido de rescisão da delação. No depoimento, o ex-diretor afirmou que “omitiu a participação do acionista majoritário (João Alves)” e justificou sob o argumento que “fez isto com a intenção de não prejudicar o grupo”.

As investigações sobre as mentiras da delação começaram depois que o doleiro Lúcio Funaro assinou delação com a PGR e revelou a participação do então dono da Hypermarcas nos fatos criminosos.

Para a PGR, Nelson Mello também omitiu fatos relacionados à atuação de senadores do MDB em defesa dos interesses da empresa. Em seu depoimento inicial, o ex-diretor havia afirmado que fez pagamentos ao lobista Milton Lyra para obter boa relação com senadores do MDB, mas não detalhou se esses senadores receberam propina e se houve contrapartida na atuação deles no Congresso Nacional.

Ao cumprir mandados de busca e apreensão contra o delator, porém, a Polícia Federal encontrou provas de que Nelson Mello sabia exatamente quais parlamentares se beneficiaram com os pagamentos. Tabelas internas usadas pelo delator listavam contratos fictícios firmados com empresas destinadas a repassar propinas a esses emedebistas e projetos fictícios, que serviriam para se referir a cada um dos políticos.

De acordo com a PGR, o delator também omitiu uma série de contratos fictícios da Hypermarcas no valor de R$ 11,5 milhões que teriam beneficiado o ex-senador Paulo Bauer (PSDB-SC). Nos primeiros depoimentos, ao ser questionado sobre esses contratos, ele disse não se recordar deles. Somente depois, em novo depoimento, Mello esclareceu que eles diziam respeito a Bauer.

A decisão de rescindir ou não a delação será do ministro Edson Fachin, relator dos processos da Operação Lava-Jato no STF. Por enquanto, ele fez apenas um despacho abrindo prazo de dez dias para que Nelson Mello se manifeste.

Outros lados

A defesa de Mello afirma que só vai se manifestar nos autos e diz que ele “tem dado demonstrações concretas e sucessivas de seu compromisso de colaborador”. Em nota, a Hypera Pharma diz que “continua colaborando com as autoridades” e que “foi eleito Comitê Independente em andamento desde junho/2018 para apuração interna do fato”. Até o fechamento desta edição, a empresa não se manifestou sobre João Alves de Queiroz Filho, acionista majoritário da companhia.

Em depoimento feito em janeiro deste ano, Bauer disse não ter pedido recursos à empresa e negou ter atuado em defesa dos seus interesses no Congresso. Procurada, sua defesa não respondeu. As assessorias de Eunício e Eduardo Braga informaram que eles não iriam se manifestar. A assessoria de Renan não retornou.