Título: Discurso da razão
Autor: Tranches, Renata
Fonte: Correio Braziliense, 27/09/2012, Mundo, p. 16

Estreante na Assembleia Geral, o presidente islamita do Egito exalta a democracia e a liberdade de expressão, mas exige respeito aos valores do islã. Presidente iraniano se diz vítima das potências

"O moderno Estado civil egípcio é baseado nas leis, no respeito aos direitos humanos, na democracia, na dignidade e na justiça social" Mohamed Morsy, presidente do Egito

"Voltaram a prevalecer a corrida armamentista e a intimidação por meio de armas nucleares por parte dos poderes hegemônicos" Mahmud Ahmadinejad, presidente do Irã

No primeiro discurso de um presidente egípcio eleito democraticamente perante a Assembleia Geral das Nações Unidas, Mohamed Morsy defendeu ontem a legitimidade da revolução que o levou ao poder e exaltou a liberdade de expressão, mas criticou aqueles que a usam para "promover o ódio" contra algumas religiões. Líder islamita de uma potência diplomática regional, Morsy exigiu respeito às "particularidades culturais e referências religiosas" do mundo islâmico. "O que os muçulmanos estão passando em várias regiões do mundo, hoje, é uma inaceitável campanha contra o que é sagrado para eles", declarou, sem mencionar diretamente o polêmico filme A inocência dos muçulmanos, produzido por um egípcio copta (cristão) nos EUA. A exibição de um trailer na internet desencadeou uma onda de protestos com dezenas de mortos, entre eles o embaixador americano na Líbia.

"Essas práticas tornaram-se evidentes o bastante para receber um nome: islamofobia", seguiu o governante egípcio, repetindo o termo usado na véspera pela colega brasileira, Dilma Rousseff, no discurso que abriu a assembleia. Morsy, chamou a atenção global para o papel diplomático de seu país, em especial depois da queda do ditador Hosni Mubarak, em fevereiro de 2011. "O novo Egito está determinado a reconquistar sua posição entre as nações e a assumir um papel efetivo nas questões globais", afirmou. "O moderno Estado civil egípcio é baseado nas leis, no respeito aos direitos humanos, na democracia, na dignidade e na justiça social."

Presidente do primeiro país árabe a reconhecer Israel — e o único, além da Jordânia—, Morsy declarou apoio ao estabelecimento de "um Estado palestino independente e soberano", nos marcos de uma iniciativa pacífica e "fundada na legitimidade internacional". O tema promete ser o principal dos debates de hoje, em Nova York, com o pedido que o presidente da Autoridade Palestina (AP), Mahmud Abbas, fará para elevar o status da entidade para Estado-observador. A demanda pelo reconhecimento pleno como o 194º país-membro da ONU, apresentada um ano atrás, ficou congelada na instância máxima da organização, o Conselho de Segurança. O discurso foi acompanhado atentamente por líderes mundiais e enviou ainda um recado para israelenses e iranianos, ao defender um Oriente Médio livre de armas nucleares.

Se Morsy fez seu primeiro discurso na ONU, o presidente do Irã, Mahmud Ahmadinejad, que deixa o poder ano que vem, fez a sua despedida em tom mais brando que o habitual e o esperado. Disse que seu país sofre uma "intimidação nuclear" das grandes potências, que acusam o regime islâmico de desenvolver secretamente a bomba atômica, e reiterou o compromisso do Irã como signatário do Tratado de Não Proliferação (TNP). "Voltaram a prevalecer a corrida armamentista e a intimidação por meio de armas nucleares ou de destruição em massa por parte dos poderes hegemônicos", acusou.

Ahmadinejad chegou a Nova York no início da semana e logo provocou polêmica, ao declarar que o Estado israelense "não tem raízes no Oriente Médio". Ontem, ele adotou um tom mais brando, comparado a seus discursos anteriores perante a Assembleia Geral. Em 35 minutos, fez acusações à mídia internacional, que "não escreve a verdade sobre o sionismo", e criticou a vultosa soma gasta nas eleições presidenciais norte-americanas. O residente iraniano afirmou ainda que seu país tem sofrido uma "constante ameaça militar" dos "sionistas incivilizados" e disse que a ONU tem suas ações cerceadas por "um limitado número de governos".

Antes mesmo de o presidente iraniano iniciar sua fala, as delegações dos Estados Unidos e de Israel já haviam deixado o plenário da ONU, enquanto milhares de manifestantes, do lado de fora do edifício, gritavam "Ahmadinejad, não, não, não". A escolha do dia do discurso foi criticada pelos israelenses, por coincidir com o Yom Kippur (Dia do Perdão), principal celebração do calendário judaico. Ainda ontem, antes de embarcar para Nova York, o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, prometeu que em seu discurso de hoje enviaria uma "resposta firme" ao que chamou de "novo ataque verbal" do iraniano.

Pressionado por Netanyahu a fixar um prazo para que o impasse com Teerã seja solucionado pela via diplomática, o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, afirmou em seu pronunciamento, na terça-feira, que não há data para uma opção militar, mas advertiu que a espera não será "ilimitada". Contrariando a expectativa de que respondesse com a habitual rigidez, Ahmadinejad fez um discurso considerado brando pela mídia e pelos analistas. Basicamente, o presidente iranino limitou-se a criticar o "hegemonismo" das grandes potências. "A situação abismal e os incidentes amargos da história se devem, principalmente, à gestão errada do mundo pelos autoproclamados centros de poder", afirmou.

Duelo no metrô de Nova York A ativista egípcia-americana Mona Eltahawy foi detida ontem por algumas horas, depois de pichar um controverso cartaz pró-Israel afixado em uma estação de metrô de Nova York. Ela enfrentará acusações criminais, como afirmou em sua conta no Twitter. Os cartazes trazem a frase "apoie Israel, enfrente a Jihad" e classifica os extremistas islâmicos como "selvagens". O anúncio foi condenado pela Autoridade Metropolitana de Nova York, que o considerou "degradante", mas a Justiça determinou que os cartazes não podem ser removidos, em nome da liberdade de expressão.