O Estado de São Paulo, n. 45822, 02/04/2019. Política, p. A6

 

'Corrupção traz impacto negativo para a economia'

Altamiro Silva Junior

André Italo Rocha

Carla Bridi

Daniel Weterman

Mateus Fagundes

Matheus Lara

Paulo Beraldo

Pedro Venceslau

02/04/2019

 

 

 Recorte capturado

Estadão Discute Corrupção / Em debate no ‘Estado’, participantes defendem Lava Jato e afirmam que desvios de recursos públicos prejudicam crescimento do País

Eventuais retrocessos na Operação Lava Jato e no combate à corrupção resultarão em impacto negativo na economia do País. A análise é dos participantes do debate Estadão Discute Corrupção, realizado ontem na sede do Estado, em São Paulo, em parceria com o Centro de Debates de Políticas Públicas (CDPP).

Participaram do evento o ministro do Supremo Tribunal Federal Luís Roberto Barroso, o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, o procurador da República e coordenador da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba, Deltan Dallagnol, e a economista Maria Cristina Pinotti, que lançou o livro Corrupção: Lava Jato e Mãos Limpas (mais informações abaixo).

“Combate à corrupção e desenvolvimento econômico andam juntos”, afirmou Maria Cristina. “Se o Brasil quer acabar com a Lava Jato, tem de estar preparado para o custo disso.” Ela disse ainda que a Itália “pagou caro por abafar a Operação Mãos Limpas” – naquele país, os índices de corrupção voltaram a níveis anteriores aos do início das investigações, há 25 anos, e, para ex-procuradores italianos, o combate a crimes retrocedeu.

O Estado mostrou que, em cinco anos de Lava Jato, a operação soma 2.252 anos de condenações para 159 réus e 11% de seus denunciados estão na cadeia – líderes do “núcleo político” permanecem presos.

“Há muitas semelhanças entre as operações (Mãos Limpas e Lava Jato), temos de trabalhar com o sistema político para que não tenhamos retrocessos. Um avanço vai gerar ganhos para a economia e para a qualidade da nossa democracia”, disse Moro. “O sistema de corrupção impede a eficiência econômica.”

Ex-juiz da Lava Jato, Moro enviou ao Congresso um pacote anticrime e anticorrupção – entre as propostas, o texto estabelece prisão como regra para condenados em segunda instância, punição mais rigorosa para condenados por corrupção, maior restrição no uso dos embargos infringentes e o “plea bargain”, quando o acusado confessa o crime e escolhe o caminho do acordo para diminuir sua pena.

“Não vai ser no meu turno como ministro que esforços anticorrupção serão perdidos”, afirma Moro. Ele e o presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), já acertaram a tramitação do projeto, que será debatido em meio às discussões da reforma da Previdência. “Não precisamos só do ‘pacote do Guedes’”, afirmou Maria Cristina, em referência ao ministro da Economia, Paulo Guedes .“O pacote do Guedes precisa estar acompanhado do pacote do Moro.”

Barroso afirmou que o livro lançado por Maria Cristina ajuda a entender corrupção, economia e desenvolvimento. O ministro do Supremo falou em “custos sociais” da corrupção. “É o dinheiro que não vai em quantidade suficiente para a educação, para a saúde, para consertar estradas. Corrupção mata.”

‘Contra-ataque’. O procurador da República Deltan Dallagnol defendeu a “renovação das práticas políticas” para que a operação continue. “O trabalho da Lava Jato pode ser, em grande medida, em vão”, disse. “É possível, sim, o triunfo do retrocesso. A corrupção sempre contra-ataca”, disse o procurador.

Para o ex-ministro do Trabalho durante governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB) Paulo Paiva, a corrupção afeta a eficiência da economia e, consequentemente, o crescimento. “E nós já temos uma história de um baixo crescimento da produtividade”, afirmou Paiva.

‘Eficiência’

“O sistema de corrupção impede a eficiência econômica.”

Sérgio Moro

MINISTRO DA JUSTIÇA

REPERCUSSÃO

“É importante olhar para o ministro Moro para ver o que ele propõe no âmbito do sistema penal e nas medidas necessárias na economia e no campo administrativo para prevenir a corrupção.”

Theodomiro Dias Neto

ADVOGADO

“Houve um protesto contra a cooptação política, ao eleger Bolsonaro. Agora, abrir frentes políticas e dividir a responsabilidade de tocar o País é uma obrigação do governo.”

Affonso Celso Pastore

ECONOMISTA

“Achei muito interessante o quanto a questão da corrupção atinge a questão econômica. Acho que esse é um olhar ao qual a sociedade deveria ficar atenta.”

José Luiz de Oliveira Lima

ADVOGADO

“Temos que ver, como disse Barroso, dentro das interpretações da Constituição, aquela que atinge seu objetivo de proteger a sociedade como um todo. Cristina (Pinotti) foi muito adequada, a corrupção atrapalha a economia.”

Liz Coli

ADVOGADA

“O ponto alto foi o conhecimento do custo que isso representa para o Brasil. Os excluídos têm que ser incluídos, temos que dar ênfase à educação. Há uma consciência maior do cidadão de que a corrupção é um mau caminho.”

Maria Inês Dolci

ADVOGADA

“Precisamos discutir mais o País, como falaram os ministros, e que se use o que é legal e constitucional cada vez mais. Deve haver isonomia. A população tem direitos e deve acionar isso.”

Sileni de Arruda Rolla

SOCIÓLOGA

“Gostei do posicionamento dos palestrantes sobre a necessidade de aperfeiçoar as normas sobre repressão ao crime organizado, lavagem de dinheiro, corrupção. Há a necessidade de fortalecer as instituições de combate ao crime.”

Tânia Prado

DELEGADA DA POLÍCIA FEDERAL

“Ministro Luís Roberto Barroso apontou com muita propriedade que o País não precisa ter sócios, mas, sim, manter sua população com os mesmos direitos e as mesmas oportunidades.”

Paulo Paiva

EX-MINISTRO

“Sem dúvida, houve uma convergência de ideias no evento, dos pontos de vista jurídico e político. Estão todos no mesmo compasso. Concordo que a corrupção é de natureza institucional.”

Vera Chemin

JURISTA

“É um assunto fundamental para o País, nesse momento em que se busca a superação definitiva de um paradigma da impunidade de poderosos. A Lava Jato deu uma contribuição relevante para que isso acontecesse.”

Gustavo Ungaro

ADVOGADO

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Economista faz alerta contra 'voos de galinha'

02/04/2019

 

 

A economista Maria Cristina Pinotti, autora do livro Corrupção: Lava Jato e Mãos Limpas, afirmou ontem que o Brasil tem de reduzir “sistematicamente” a corrupção sob risco de “a economia continuar tendo voos de galinha até o fim da vida”.

Essa é uma das razões pela qual ela defende que os projetos dos ministro da Economia, Paulo Guedes, e da Justiça, Sérgio Moro, tramitem juntos no Congresso. “Os dois pacotes são imprescindíveis”, afirmou ela durante o evento Estadão Discute Corrupção.

Usando o exemplo da dissolução da Operação Mãos Limpas, da Itália, ela defendeu que houve um processo de “abafa e esquecimento geral” dos escândalos de corrupção revelados pelas investigações, a partir de meados da década de 1990. “A descrença no Judiciário fez a corrupção ficar mais forte na Itália. É isso que queremos para o Brasil?”, questionou.

A economista apresentou dados econômicos após a dissolução da Mãos Limpas e afirmou que esse processo de “fragilização das instituições” fez com que a economia da Itália tivesse um dos piores desempenhos do mundo desenvolvido. Segundo ela, isso foi determinante para que houvesse alterações nas leis “altamente profundas”. “Os instrumentos de combate à corrupção ou foram reduzidos ou simplesmente foram eliminados”, disse Maria Cristina.

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3 perguntas para... Elena Landau

02/04/2019

 

 

Elena Landau, economista e advogada

1. Acredita que a Operação Lava Jato corre algum tipo de risco por causa de uma reação da classe política?

Acho que a reação da classe política era esperada. Como o ministro Barroso falou, “o trem já saiu da estação”. Algumas medidas mais radicais no início, para consolidar a Lava Jato, agora estão mais controladas. Tenho algumas restrições em relação a excessos de condução coercitiva e prisão preventiva, que talvez tenham sido necessárias no início para deslanchar.

2. O pacote anticrime do ministro Sérgio Moro e a reforma da Previdência interferem um no outro?

Sou a favor que o projeto anticrime corra no Congresso independentemente da reforma da Previdência. São tempos fundamentais distintos. Não tem por que esperar a Previdência para depois fazer o pacote anticrime. Tem uma promessa e uma expectativa da população. Como tenho viés de privatização, outra questão fundamental para gerar impacto é a redução do Estado.

3. Existe algum impacto econômico decorrente da aprovação do pacote anticrime do governo?

Tem uma coisa que achei importantíssima que finalmente o ministro Barroso citou: a educação. Não vai se melhorar a qualidade institucional, os índices de produtividade, se não fortalecer a educação. Tudo está junto. Tanto a reforma da Previdência quanto o pacote do Moro são impactos a médio prazo. Educação, então, é mais tempo ainda. Tem de juntar as três coisas./

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Moro fala em mandato para diretor da PF

02/04/2019

 

 

Em debate, ministro da Justiça critica a gestão do Coaf no governo Michel Temer: ‘Estava um pouco negligenciado’

O ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, afirmou ontem que uma das propostas para diminuir interferências externas e garantir a independência das investigações sobre casos de corrupção e crimes correlatos é instituir mandatos para o cargo de diretor-geral da Polícia Federal. Segundo Moro, esta é uma ideia que pode ser discutida “seriamente” no futuro no Congresso.

“Fala-se muito em mandato para diretor da Polícia Federal. Acho que é uma proposta que tem de ser pensada seriamente, mas não agora neste primeiro momento, no início do governo”, disse o ministro, que tem como prioridade a aprovação do projeto anticrime em tramitação no Congresso.

A afirmação foi feita durante o debate Estadão Discute Corrupção. Em entrevista após a palestra, Moro disse se tratar de “opinião pessoal que não foi discutida no âmbito do governo, mas é algo que pode ser trabalhado no futuro”. Uma proposta de emenda à Constituição (n.º 101, de 2015) propondo mandato de três anos para o diretor da PF chegou a tramitar no Senado, mas foi arquivada no fim da última legislatura.

Moro declarou que, quando chegou ao Ministério da Justiça, deu total liberdade para a corporação. “A orientação que foi dada à Polícia Federal e a todos que trabalham para mim: cumpram bem seu trabalho”, disse ele, em resposta a questionamento feito por Tânia Prado, diretora da seção paulista da Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal, sobre como blindar a corporação de interferências políticas.

“Não existe nenhuma intenção, ideia, e o ministro estaria traindo o seu juramento de fidelidade à lei e à Constituição, caso tentasse interferir em investigações em um ou outro sentido. O que foi dado à Polícia Federal foi mão livre para fazer seu trabalho”, disse o ministro.

Moro afirmou que “foi constatado o esvaziamento de algumas forças-tarefa da Lava Jato”, e que um dos seus primeiros atos no ministério foi “o restabelecimento do efetivo dessas forças-tarefa”. “Reforçamos todas ou estamos em vias de reforçar mais, recrutando pessoas para trabalhar de maneira efetiva. Adiante, quem sabe, possamos pensar em alternativas normativas para se garantir maior independência e autonomia”, afirmou.

Coaf. Moro criticou a gestão do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) durante o governo de Michel Temer. “Na nossa avaliação, no governo anterior o Coaf estava um pouquinho negligenciado”, disse. O órgão era subordinado ao Ministério da Fazenda e foi transferido para o da Justiça no início deste ano.

O ministro afirmou também que, sob sua gestão, o Coaf “não será um órgão policial”. “O Coaf vai permanecer fazendo o que ele faz: atuar como um órgão de inteligência e prevenção à lavagem de dinheiro. Só mudamos de local porque achamos apropriada maior integração dele com órgãos encarregados também da investigação criminal. Integração em matéria de investigação é tudo.”

Questionado sobre as solenidades que lembraram o aniversário do golpe militar de 1964, orientadas pelo presidente Jair Bolsonaro (mais informações na pág. A8), Moro não quis responder e encerrou a entrevista que concedia após o debate. O Planalto distribuiu vídeo em que fez a defesa do movimento militar que levou à deposição de João Goulart.

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Fundo não é da Lava Jato nem do ministério Público, afirma Deltan

02/04/2019

 

 

O coordenador da força-tarefa da Operação Lava Jato no Paraná, Deltan Dallagnol, afirmou ontem que o fundo que receberia parte da multa de R$ 2,5 bilhões da Petrobrás em ações nos Estados Unidos “não é do Ministério Público nem da Lava Jato”. Ele disse que a Procuradoria da República do Paraná pediu a suspensão do acordo com a estatal apenas para maior diálogo com outras instituições.

Pelo acordo, a Petrobrás se comprometeu a repassar às autoridades brasileiras US$ 682,5 milhões, cerca de R$ 2,5 bilhões. O valor equivale a uma parcela do que a empresa foi condenada a pagar por ter causado prejuízos a investidores americanos. Pelo acerto com a força-tarefa em Curitiba, o montante seria gerido por uma fundação.

Deltan afirmou durante evento do Estado que “a autorização para que 80% dos recursos ficassem no Brasil não é uma mera liberalidade”. “Esse recurso não poderia ser transferido para a União, ficar com a Petrobrás, não poderia ser transferido para o Ministério Público. Em nenhuma das hipóteses, o dinheiro ficaria no Brasil.”

O fato de constar no acordo que parte dos valores seria destinada à entidade a ser constituída provocou reações negativas. “O que existiu, sim, foi uma autorização condicionada à política oficial norte-americana”, disse Deltan. “Os Estados Unidos frisaram que o dinheiro não poderia ficar com a União federal porque a União é controladora da Petrobrás.”

‘Equívoco’. Para o procurador, houve divulgação de informações equivocadas sobre o fundo. “Essa fundação seria da sociedade civil, teria uma cadeira do Ministério Público lá. O modelo foi o Fundo de Defesa dos Direitos Difusos, que tem uma cadeira do Ministério Público. O objetivo dessa cadeira era permitir uma fiscalização maior e esperar uma estrutura de gestão desse fundo”, declarou.

Deltan disse ainda que a cadeira do Ministério Público seria uma entre “dez, 20 pessoas que teriam no conselho curador”. “Essa fundação não é do Ministério Público, não é da Lava Jato, não seria administrada pela Lava Jato. Os recursos não iriam para o Ministério Público, ao contrário do que originalmente se colocou.”

Após ser questionado pela procuradora-geral da República, Raquel Dodge, no Supremo Tribunal Federal, o acordo com a Petrobrás acabou sendo suspenso pelo ministro do tribunal Alexandre de Moraes.

“Não é procedente, esse dinheiro não ficaria nem com o Ministério Público nem com a Lava Jato. Como ele seria gerido? Entidades da sociedade civil tocariam projetos. Esse conselho curador decidiria para quais projetos seriam destinados (os recursos)”, afirmou Deltan. “Existe uma série de regras de governança, boa gestão e fiscalização, inclusive com auditorias externas e independentes. Do mesmo modo que aconteceria com o fundo de interesses difusos”, afirmou.