O Estado de São Paulo, n. 45821, 01/04/2019. Política, p. A6

 

Em vídeo, planalto faz defesa do golpe de 64

Luci Ribeiro

01/04/2019

 

 

São Paulo. Manifestantes exibem fotos de mortos e de desaparecidos políticos durante protesto no Parque do Ibirapuera

 

O Palácio do Planalto distribuiu ontem um vídeo em defesa do golpe de 1964. A narrativa do material usa a mesma definição adotada pelo presidente Jair Bolsonaro e alguns de seus ministros militares para classificar o fato histórico. Para eles, a derrubada de João Goulart do poder, que marcou o início de um período de 21 anos de ditadura militar no Brasil, foi um movimento para conter o avanço do comunismo no País.

“O Exército nos salvou. O Exército nos salvou. Não há como negar. E tudo isso aconteceu num dia comum de hoje, um 31 de março. Não dá para mudar a história”, diz o apresentador do vídeo. Ontem, o golpe completou 55 anos, e a data gerou manifestações em pelo menos dez capitais, além do Distrito Federal (mais informações nesta página).

O aniversário de 55 anos virou pano de fundo para mais uma polêmica na gestão Jair Bolsonaro, após o presidente recomendar aos quartéis comemorarem a “data histórica”. Em entrevista ao programa Brasil Urgente, da TV Bandeirantes, ele também minimizou o fechamento do Congresso Nacional, ao comparar a edição de decretos-leis e a edição de medidas provisórias pelo governos pósditadura. “Entre os probleminhas que nós tivemos e que outros países tiveram, olha a Venezuela a que ponto chegou?” Diante das reações, Bolsonaro mudou o discurso e passou a falar em “rememorar” o golpe.

 

WhatsApp. O vídeo exibido ontem tem aproximadamente dois minutos, não traz a indicação de quem seria seu autor e foi distribuído por um número oficial de WhatsApp do Palácio do Planalto, usado pela Secretaria de Comunicação da Presidência para o envio de mensagens de utilidade pública, notícias e serviços do governo federal. Para receber os conteúdos, os jornalistas precisam ser cadastrados no sistema.

A assessoria de imprensa do Planalto foi procurada e, como resposta, disse que não iria se pronunciar. A equipe também confirmou que o canal usado para disparar o vídeo é mesmo oficial. “Sobre o vídeo a respeito do dia 31 de março, ele foi divulgado por meio de nosso canal oficial do governo federal no WhatsApp. O Palácio do Planalto não irá se pronunciar.”

O mesmo vídeo foi compartilhado no Twitter pelo deputado federal e filho do presidente, Eduardo Bolsonaro (PSL-SP). “Num dia como o de hoje o Brasil foi liberto. Obrigado militares de 64! Duvida? Pergunte aos seus pais ou avós que viveram aquela época como foi?”, escreveu, no post em que anuncia o vídeo.

Um dos trechos do material afirma que “era, sim, um tempo de medo e ameaças, ameaças daquilo que os comunistas faziam onde era imposto sem exceção, prendiam e matavam seus próprios compatriotas” e “que havia, sim, muito medo no ar, greve nas fábricas, insegurança em todos os lugares”.

Diante disso, conta o apresentador, o Exército foi “conclamado” pelo povo e precisou agir. “Foi aí que, conclamado por jornais, rádios, TVs e, principalmente, pelo povo na rua, povo de verdade, pais, mães, igreja, que o Brasil lembrou que possuía um Exército Nacional e apelou a ele.”

Na parte final, o vídeo é concluído ao som do Hino Nacional e um outro narrador, agora apenas com voz e sem imagem, diz: “O Exército não quer palmas nem homenagens. O Exército apenas cumpriu o seu papel”.

 

Justiça. As discussões em torno da data foram parar na Justiça. Anteontem, uma juíza de plantão no Tribunal Regional Federal da 1.ª Região cassou liminar que proibia o governo de promover os eventos alusivos ao golpe de 1964. Apesar de “reconhecer a sensibilidade do tema em análise”, Maria do Carmo Cardoso decidiu que a recomendação do presidente Bolsonaro para comemorar a data se insere no âmbito do poder administrador.

Antecipando-se à data, o Exército realizou, na semana passada, no Comando Militar do Planalto, em Brasília, cerimônia para relembrar o 31 de março. Na solenidade, em que esteve presente o comandante da Força, general Edson Leal Pujol, o episódio foi tratado como “movimento cívico-militar”.

 

'Dia comum'

“O Exército nos salvou. Não há como negar. E tudo isso aconteceu num dia comum de hoje, um 31 de março. Não dá para mudar a história.”

TRECHO DO VÍDEO DISTRIBUÍDO PELO PALÁCIO DO PLANALTO