Correio braziliense, n. 20455, 23/05/2019. Política, p. 4

 

Setor produtivo tem pressa

Hamilton Ferrari

Renato Souza

Beatriz Roscoe

23/05/2019

 

 

Reforma » Diretores da CNI, da CNA e do Sebrae confirmam a importância das mudanças nas regras previdenciárias, principalmente por corrigir injustiças e resolver o ajuste fiscal nos próximos 10 anos. Porém, outros esforços precisam ser feitos

Representantes dos setores produtivos são favoráveis à aprovação, no Congresso, da proposta do governo de reforma da Previdência. O vice-presidente executivo da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Paulo Afonso Ferreira, disse que a população tem apoiado as mudanças na legislação previdenciária. Ele considera que o texto está bem-elaborado e corrige injustiças, além de resolver o problema fiscal na próxima década.

“Num conjunto de normas e restrições fiscais e dificuldades da economia real, a reforma é essencial para o Brasil voltar a crescer”, afirmou. Para ele, a reforma passa pelo Congresso sem muitas alterações. De acordo com uma pesquisa da CNI, divulgada no início do mês, 59% dos entrevistados disseram ver necessidade de mudança nas regras de aposentadoria, enquanto 36% se declararam contra.

Segundo Ferreira, o ritmo lento da economia está relacionado a problemas estruturais e fiscais. “Desde 2014, o endividamento público vem aumentando. Na visão da indústria nacional, precisamos começar pela reforma da Previdência. O modelo atual é desalinhado com o extraordinário crescimento da expectativa de vida da população brasileira”, frisou.

O presidente do Instituto CNA (da Confederação Nacional da Agricultura), Roberto Brant, afirma ser possível as mudanças não serem aprovadas ou sofrerem grandes alterações. “Ainda existe uma hipótese de que a reforma não passe no parlamento ou que não tenha uma mudança minimamente eficiente, como se excluir os estados da reforma”, ressaltou. Na opinião dele, serão necessárias outras reformas para mudar a maneira como ocorrem os gastos públicos.

Para Brant, o governo foca no impacto fiscal da reforma, e não na necessidade de reformular o sistema financeiro. “Preocupa-me o viés exclusivamente fiscal. A reforma propõe mais do que isso: propõe mudar a forma como ocorre o gasto público”, completou. Ele afirmou que, diante da recessão econômica e da estagnação das últimas décadas, é necessário realizar transformações profundas. “Mesmo se a reforma passar, não será suficiente. Se o Brasil crescer 0,5% ou 1% não será o necessário. O país corre muito risco de se tornar ingovernável se a economia não crescer”, emendou.

Envelhecimento

O diretor-presidente do Sebrae, Carlos Melles, acredita que o maior desafio é o envelhecimento da população. “Traz a consequência da aposentadoria e da perda da força de trabalho.” Na visão dele, o crescimento dos microempreendedores individuais (MEI) representa uma oportunidade de modernização para o Brasil. “Talvez o MEI seja uma libertação, a Lei Áurea da lei trabalhista de inclusão das pessoas”, destacou.

Na opinião do diretor-técnico do Sebrae, Bruno Quick, a reforma vai restaurar a confiança dos consumidores e dos empresários na economia, principalmente para as pequenas empresas, que geram postos de trabalho. Ele disse que elas geraram 147 mil empregos no primeiro trimestre, quando as grandes companhias reduziram o número de vagas. “A queda na confiança, tanto do empresário quanto do consumidor e da pequena empresa, está se elevando e precisamos fazer algo para frear isso”, disse. Ele vê a reforma da Previdência como capaz de elevar a confiança e aumentar o consumo das famílias.

59%

Entrevistados que disseram ver necessidade de mudanças nas regras de aposentadoria, segundo pesquisa da CNI

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Brasil vive um "suicídio em slow motion"

Claudia Dianni

Ingrid Soares

Rodolfo Costa

Thaís Moura

23/05/2019

 

 

Os investimentos públicos estão cada vez mais escassos no país, e a reforma da Previdência é essencial para reverter esse quadro. É o que defende o secretário especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia, Rogério Marinho, que participou ontem do seminário Por que a reforma é crucial para o futuro do país? O evento foi realizado no auditório do Correio, numa organização com o Estado de Minas, em parceria com a Confederação Nacional da Indústria (CNI), a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) e o Sebrae.

De acordo com Marinho, em 2014, o governo federal aplicou pouco mais de R$ 80 bilhões em infraestrutura, enquanto a expectativa para este ano é de R$ 35 bilhões em recursos. Com as contas apertadas, gestores precisarão fazer malabarismos frente aos contingenciamentos e às dificuldades de cumprir o orçamento.

E, mesmo em condições alarmantes, a situação do governo federal ainda é melhor do que as dos estados e municípios, porque a União tem uma vantagem de poder se endividar vendendo títulos da dívida pública para se financiar. Tanto é que Fábio Giambiagi — mestre em economia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e economista do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) —, também presente no evento, afirmou que o Brasil parece viver uma espécie de “suicídio em slow motion (câmera lenta)”, em que há uma exaustão do setor público em atender a população.

Giambiagi citou situações que ocorreram nos últimos dois anos, como a greve de policiais no Espírito Santo, as rebeliões prisionais, a suspensão temporária da emissão de passaportes, a queda do viaduto em São Paulo e outros episódios que têm um denominador comum: “A exaustão do Estado”. “Os elementos presentes mostram um quadro de deterioração contínua e ausência de perspectivas”, ressaltou Giambiagi. “Teremos que ter uma safra de reformas para tirar o Brasil dessa crise fiscal. A reforma da Previdência, provavelmente, será aprovada por injetar otimismo econômico, mas é o primeiro passo de uma longa caminhada.”

Os problemas no serviço público estão associados à situação crítica das contas públicas, que não têm espaço para ampliação de despesas. Cada criança que nasce hoje no Brasil já possui uma dívida de R$ 70 mil, se for considerado o deficit per capita da Previdência Social, de acordo com o consultor legislativo do Senado Federal Pedro Nery. O analista calculou que o rombo previdenciário cresce R$ 50 bilhões por ano. Até 2060, faltarão R$ 15 trilhões para fechar as contas das aposentadorias dos brasileiros. “Isso pode significar menos investimentos públicos, mais impostos e mais dívida”, alertou.

Instabilidade

A economista Selene Peres Nunes, uma das autoras da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), lembrou que, desde 2014, as contas do governo federal estão no vermelho, em pleno “abismo fiscal”, e as da Previdência apresentam deficit desde 1995. “A reforma é crucial, porque o país não tem futuro sem a reforma. Tivemos uma série de resultados primários positivos e depois mergulhamos em 2014 no que alguns estão chamando de abismo fiscal. Ninguém que olhe para esse cenário de contas públicas vai ter uma expectativa positiva”, frisou. “Se o governo não equacionar as contas públicas, empresários não vão investir no país, porque eles estão enxergando a instabilidade desse modelo.”

O presidente do Fundo Paraná de Previdência Multipatrocinada, Renato Follador, criticou, porém, a complexidade da PEC enviada pelo governo ao Congresso. Para ele, a reforma tem de ser longeva e compreendida pela sociedade. “Como o povo vai apoiar uma reforma que não entende?”, questionou. Ele sugere uma proposta limitada às mudanças que considera essenciais. Uma delas é elevar a idade da aposentadoria para 65 anos, sendo que homens teriam que acumular cinco anos a mais de contribuição. “Temos de ser justo com as mulheres pela dupla jornada”, disse. Ele propõe igualar o teto do benefício para o setor público e o privado e reduzir gradualmente o valor máximo das aposentadorias para três salários mínimos. Para mitigar o custo de transição da reforma, segundo ele, todos têm de pagar “um pedágio” de 50% no tempo que falta para a aposentadoria.

Mesmo assim, a economista-chefe da ARX Investimentos, Solange Srour, defendeu que, ainda que reforma da Previdência seja aprovada, o país não conseguirá resolver os problemas estruturais. “Para tocar essa agenda pós-Previdência, precisamos fazer mais, como criar uma abertura comercial, estudar e implantar a reforma tributária e melhorar o ambiente de negócios. A proposta da Previdência será efetiva para futuras reformas e para que o Brasil saia da estagnação financeira”, disse. “As medidas de uma agenda liberal, que tornam o Brasil mais competitivo e produtivo, reduzem a desigualdade de renda no médio a longo prazo. Um exemplo disso é a abertura comercial. As propostas da Previdência que estabelecem novas idades mínimas de aposentadoria deixam os trabalhadores mais educados e preparados para o ambiente de trabalho. Assim, geram competitividade.”