Título: Franceses contra a austeridade
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Fonte: Correio Braziliense, 01/10/2012, Economia, p. 9
Marcha de partidos de esquerda foi a primeira manifestação pública de insatisfação com o presidente François Hollande
Milhares de pessoas se manifestaram ontem, nas ruas da capital francesa, por uma "Europa solidária" e contra as políticas de austeridade, na primeira grande exibição de insatisfação pública com o presidente socialista, François Hollande, desde sua eleição, em maio passado. A marcha, convocada pela Frente de Esquerda, que reúne vários partidos, teve o apoio de organizações sindicais e ocorreu dois dias antes de o parlamento começar a avaliação do pacto orçamentário europeu, um tratado de disciplina fiscal que tem por objetivo impedir a desorganização das contas públicas dos países da Zona do Euro.
Com a presença de 80 mil pessoas, segundo os organizadores, o protesto marcou também uma fratura na coalizão governista, com os aliados de extrema esquerda e os verdes planejando votar contra o projeto, desafiando a autoridade de Hollande, cuja impopularidade é cada vez maior. Na avaliação dos especialistas, contudo, o pacto fiscal deve ser aprovado com os votos dos socialistas e dos oposicionistas de centro-direita.
Eleito com a promessa de ser uma alternativa à liderança conservadora da chanceler alemã, Ângela Merkel, e de abandonar os ajustes econômicos recessivos no tratamento da crise que abala a França e os demais países europeus, ao assumir a presidência o líder socialista acabou endossando várias medidas que criticava durante a campanha. O projeto de orçamento francês para o próximo ano, por exemplo, apresentado na semana passada, prevê um esforço de R$ 36,9 bilhões de euros em aumento de impostos e corte de gastos com o objetivo de reduzir o deficit público para 3 % do Produto Interno Bruto (PIB).
"Nós votamos pela mudança, não pela continuidade", disse um dos participantes da manifestação, ex-funcionário de uma fábrica que parou de produzir há 15 meses. Sob os gritos de "resistência", a marcha começou às 14h na Praça da Nação e terminou na Praça Itália. Atrás do cortejo, uma bandeira proclamava: "Por uma Europa solidária, não ao tratado de austeridade".
Engano
"Essa manifestação significa a entrada no movimento do povo francês, ao lado de outros povos que protestam contra a austeridade", comentou Jean-Luc Melenchon, copresidente do Partido de Esquerda. Ex-candidato à presidência, ele negou tratar-se de um movimento contra o governo. "É uma manifestação de oposição às políticas de austeridade", disse.
Além dos membros e partidários da Frente de Esquerda e do Novo Partido Anticapitalista, o protesto foi apoiado por entidades como a União Sindical Solidários, a Federação Sindical Unitária e a Confederação Geral do Trabalho. Entre as pessoas que saíram às ruas, havia muitas militantes feministas que exibiam cartazes com os dizeres "mulheres em luta contra a austeridade e a precariedade por uma Europa solidária".
Em entrevista a uma emissora de rádio, o ex-ministro da Agricultura no governo de Nicolas Sarkozy, Bruno Le Maire, considerou a marcha "lógica e compreensível". "A Frente de Esquerda foi enganada do começo ao fim", disse ele. "François Hollande disse várias vezes que modificaria o tratado, que iria se encontrar com Merkel e o resultado: zero modificação", afirmou.
"Aqueles que reclamam cometem um erro fundamental", disse, por sua vez, o ministro do Orçamento do atual governo, Jérôme Cahuzac, na emissora Europa 1. Segundo ele, ratificar o tratado da União Europeia e incorporar na legislação a chamada "regra de ouro" orçamentária, que impede a formação de deficits, "é necessário para reforçar a voz da França enfraquecida" durante os últimos cinco anos.
Protesto belga Cerca de 1.500 pessoas se reuniram ontem, em Bruxelas, para protestar contra as políticas de austeridade que, segundo afirmam, aumentam as desigualdades sociais. Os manifestantes reclamaram por decisões políticas mais justas, na Bélgica e no resto da Europa, "que permitam lutar contra a pobreza e repartir equitativamente a prosperidade entre todos", indicou a Confederação Sindical Cristã (CSC), uma das organizações que convocaram a manifestação.
"François Hollande repetiu várias vezes que modificaria o tratado, que iria se encontrar com Merkel e o resultado: zero modificação" Bruno Le Maire, ex-ministro da Agricultura