O Estado de São Paulo, n. 45822, 02/04/2019. Internacional, p. A9

 

Com visita inédita a Muro, Bolsonaro mira evangélicos e Netanyahu, reeleição

Cristiano Dias

Célia Froufe

02/04/2019

 

 

 Recorte capturado

 

 

Em Israel. Presidente brasileiro torna-se primeiro líder mundial a ir com um chefe de Estado israelense ao Muro das Lamentações, local sagrado para o judaísmo e situado em território palestino ocupado; gesto e apoio explícito a “Bibi”, que disputa eleição no domingo

O presidente Jair Bolsonaro fez ontem uma visita histórica ao Muro das Lamentações, um dos locais mais sagrados do judaísmo. Em seu segundo dia de viagem a Israel, ele se tornou o primeiro líder a conhecer o lugar acompanhado de um chefe de governo israelense, o primeiro-ministro, Binyamin Netanyahu.

Foi uma decisão ousada. O Muro das Lamentações, localizado na parte oriental de Jerusalém, é reivindicado pelos palestinos e cercado de simbolismo. Os americanos Barack Obama e Donald Trump, por exemplo, visitaram o muro de maneira privada, para evitar confusão.

A ousadia serve tanto a Bolsonaro quanto a Netanyahu, que quiseram passar mensagens diferentes. O israelense busca votos. No domingo, ele coloca o cargo em jogo nas eleições parlamentares, até agora disputadas palmo a palmo contra o excomandante das Forças Armadas, o general Benny Gantz. Há dez anos no poder, ele pode se tornar o premiê a governar Israel por mais tempo.

Envolvido em casos de suborno, fraude e corrupção, correndo o risco de ser indiciado e preso, Netanyahu precisa passar uma imagem positiva na reta final da campanha. Segundo Emmanuel Navon, cientista político da Universidade de Tel-Aviv, Bolsonaro se transformou em uma plataforma política do premiê. “Netanyahu está sabendo usar bem o presidente brasileiro”, disse Navon ao Estado.

Já Bolsonaro precisa do apoio da bancada evangélica para avançar sua agenda no Congresso. Parte dela achou pouco a abertura de um escritório de negócios, sem status diplomático, em Jerusalém, e queria a transferência definitiva da embaixada de Tel-Aviv para a cidade, uma promessa de campanha do presidente. Ontem, Bolsonaro indicou que ainda pretende fazer a mudança. Ele afirmou que tem tempo, pois seu mandato vai até 2022.

Em entrevista à TV Record, Bolsonaro admitiu que não acreditava ser tão difícil transferir a embaixada para Jerusalém e disse que foi alvo de críticas na ONU e no Brasil.

Para representantes da bancada evangélica, Bolsonaro ainda vai cumprir a promessa. “É uma questão de prazo. Não tenho dúvida de que ele vai cumprir com sua palavra”, afirmou o deputado Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ). Ele acredita que o presidente tenha encontrado uma solução temporária para lidar com pressões que recebeu em relação à mudança.

O deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) escreveu no Twitter que os jornais “tentam emplacar a retórica” de que o presidente não vai mudar a embaixada para Jerusalém com o objetivo de “desgastá-lo” com os cristãos. “No mundo real, o presidente afirma que vai mudar e muito antes do final de seu mandato”, escreveu o filho de Bolsonaro.

Apesar do desejo dos evangélicos, é notória a pressão de países árabes, que representam um dos principais importadores da produção de proteína animal brasileira. Além disso, a chancelaria palestina afirmou que contactaria o enviado ao Brasil, Ibrahim Mohamed Khalil Alzeben, por considerar uma “flagrante violação internacional” a abertura do escritório de negócios em Jerusalém.

Na parte final da visita ao Muro das Lamentações, as duas comitivas entraram em uma sinagoga construída recentemente nos subterrâneos do Muro das Lamentações. Bolsonaro ouviu as explicações de Netanyahu e dos rabinos sobre as tradições judaicas – embora parecesse um pouco desatento. Depois que o presidente assinou o livro de visitantes, ministros e congressistas aproveitaram para tirar uma última selfie.

Mais reza. Na volta ao Hotel Rei David, Bolsonaro foi surpreendido por um grupo de católicos, que rezaram e cantaram para o presidente. Eram cerca de 30 pessoas que mudaram a rotina de um dos mais tradicionais e luxuosos hotéis de Jerusalém, entoando “Derrama senhor, derrama senhor o seu amor”. Bolsonaro chorou ao agradecer o apoio e subiu para o quarto.

Na manhã de hoje, o presidente tem um encontro com empresários brasileiros e israelenses. À tarde, visita o Museu do Holocausto e planta uma árvore no Bosque das Nações – um gesto simbólico repetido por mais de uma centena de chefes de Estado que visitam Israel. Desta vez, estará sem Netanyahu./  COLABOROU CAMILA TURTELLI

VISITAS

● Bolsonaro visitou a Igreja do Santo Sepulcro, e depois foi com Netanyahu ao Muro das Lamentações

Questão religiosa

● O Muro das Lamentações é considerado um dos lugares mais sagrados para os judeus, pois é o que restou do Segundo Templo (ou Templo de Herodes), construído no lugar do Templo de Salomão

Pontos políticos

● Judeus reivindicam a cidade como sua capital histórica porque foi capital do reino de Israel do rei David (século X a.C.)

● Palestinos, 37% da população de Jerusalém, reivindicam a cidade como a capital de um futuro Estado

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'Deus, olhe pelo Brasil', pede líder

02/04/2019

 

 

 Recorte capturado
 

Bolsonaro põe pedido no Muro das Lamentações

Yitzhak Rabin, então comandante das Forças Armadas de Israel, descreveu a chegada de seus soldados ao Muro das Lamentações como o episódio mais emocionante da Guerra dos Seis Dias, em 1967. “Nunca houve e nunca haverá um momento como esse”, disse. As

preces dos judeus, segundo ele, poderiam ser ouvidas de novo, após 19 anos.

Desde então, o Muro das Lamentações entrou na lista de razões para palestinos e israelenses se estranharem. Por isso, a visita de ontem de Jair Bolsonaro, acompanhado do chefe de governo de Israel, Binyamin Netanyahu, teve peso religioso, mas também político. Ao todo, a comitiva esteve por menos de duas horas no local, enfrentou chuva, frio e até granizo.

Quando saiu de uma tenda armada pela comitiva do premiê para rezar e depositar uma mensagem na parede – “Deus, olhe pelo Brasil”, segundo Bolsonaro –, não ficou mais que dez minutos do lado de fora. Sempre ao seu lado, Netanyahu buscava as câmeras e tentava virar o brasileiro para que os fotógrafos tivessem um melhor ângulo.