O Estado de São Paulo, n. 45822, 02/04/2019. Internacional, p. A10

 

Hamas critica visita e prega união árabe

Reuters

02/04/2019

 

 

Movimento que controla Gaza disse que ‘essa política não ajuda segurança na região’

Em Israel. Bolsonaro divulgou imagem em sua conta no Instagram para defender acesso mais amplo da população a armas

O Hamas, movimento palestino que controla a Faixa de Gaza, condenou ontem a visita do presidente Jair Bolsonaro a Israel. Em nota, o grupo afirmou que a visita não apenas contradiz a histórica atitude do povo brasileiro de apoio à causa palestina, mas também viola leis internacionais. Após a reação de descontentamento dos palestinos, o presidente Jair Bolsonaro afirmou que “é direito deles reclamar”.

“A gente não quer ofender ninguém. Agora, queremos que respeitem a nossa autonomia”, disse Bolsonaro. Na nota do grupo palestino, apontado como uma entidade terrorista por Estados Unidos e Israel, há um pedido para que o Brasil reverta sua política para a região e a Liga árabe pressione o governo brasileiro a pôr fim ao apoio à ocupação israelense dos territórios palestinos.

“Em particular, o Hamas denuncia a visita do presidente brasileiro à Cidade Sagrada de Jerusalém acompanhado do primeiro-ministro de Israel”, diz o texto. “O Hamas também condena os planos de abertura de um escritório de negócios do Brasil em Jerusalém. Essa política não ajuda a estabilidade e a segurança da região e ameaça os laços do Brasil com países árabes e muçulmanos”, conclui o texto.

A Autoridade Palestina (AP) também teria ficado insatisfeita com a visita e os anúncios.

O Ministério das Relações Exteriores da Autoridade Palestina considerou a decisão uma “flagrante violação da legitimidade internacional e suas resoluções; uma agressão direta ao nosso povo e a seus direitos e uma resposta afirmativa para a pressão israelense-americana que visa reforçar a ocupação e a construção de assentamentos na área ocupada em Jerusalém”. Segundo o jornal Jerusalem Post, a Autoridade Palestina abriu consulta com países árabes para determinar uma posição árabe unificada em relação à decisão brasileira.

A abertura da representação brasileira em Jerusalém surgiu como uma solução para a controvérsia causada por Bolsonaro, que durante a campanha eleitoral prometeu transferir a embaixada brasileira para a cidade disputada por palestinos e israelenses como sua legítima capital.

O plano causou atritos diplomáticos com os países árabes. Após resistência do setor militar do governo e de ruralistas, que temiam dificuldades nas relações comerciais e diplomáticas com esses países, o governo reviu sua posição. Em meio ao impasse em Brasília, o governo israelense acenou que aceitaria que o Brasil cancelasse os planos de transferir sua embaixada e se contentaria com a abertura de uma representação comercial./ AFP e REUTERS

Resposta

“Essa política não ajuda a estabilidade e segurança da região e ameaça laços do Brasil com países árabes e muçulmanos”

Hamas

EM NOTA OFICIAL, AO ‘DENUNCIAR’ VISITA DE BOLSONARO

“É direito deles reclamar. A gente não quer ofender ninguém. Agora, queremos que respeitem nossa autonomia”

Jair Bolsonaro

PRESIDENTE DO BRASIL

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Embaixador nega que Brasil seja inimigo

Julia Lindner

02/04/2019

 

 

Para Ibrahim Alzeben, não existem ameaças ou retaliações contra o Brasil, e diplomacia deve ser usada para resolver crise

O embaixador palestino no Brasil, Ibrahim Alzeben, minimizou ontem as críticas do grupo Hamas, que controla a Faixa de Gaza, à visita do presidente Jair Bolsonaro a Israel. Ele também negou que a manifestação coloque o Brasil entre os inimigos do Hamas e defendeu que os canais diplomáticos sejam usados para esclarecimentos.

“É só uma posição política de um grupo palestino. Neste caso, a posição do nosso governo, que já foi anunciada e ratificada, é que estamos aguardando ordens para ver desdobramentos”, disse ao Estado. Ele foi questionado se o Brasil poderia entrar na lista de inimigos do Hamas.

Para o embaixador, não existam ameaças ou retaliações contra o governo brasileiro. “Os canais diplomáticos é que vão resolver e esclarecer essa situação”, declarou. Alzeben disse que vai reforçar o pedido de reunião, feito há mais de duas semanas, entre Bolsonaro, o chanceler Ernesto Araújo e embaixadores de países árabes no Brasil, para o qual não obteve resposta até o momento.

O objetivo, disse ele, é “preservar e cuidar das relações entre o Brasil e o mundo árabe”, que classificou como sendo “de uma importância sem igual”. Ele é decano do grupo de embaixadores e confirma que vai “reiterar” o pedido esta semana.

A Autoridade Palestina – que governa partes da Cisjordânia e à qual a embaixada no Brasil está subordinada – anunciou ontem que contactaria seu representante em Brasília para “consultas”.

Segundo Alzeben, ele não deve deixar o Brasil antes da volta do presidente Jair Bolsonaro de Israel. “Ainda não recebi ordens concretas para voltar (à Palestina)”, disse o embaixador ao Estado.

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3 perguntas para... Salem Nasser

Luiz Raatz

02/04/2019

 

 

Salem Nasser, doutor em Direito Internacional e professor da Fundação Getúlio Vargas

1. Qual o significado de ser o primeiro líder a visitar o Muro com Netanyahu?

Quebra o protocolo que os chefes de Estado seguiam. Você não vai a um território ocupado ao lado do chefe de Estado do ocupante. Mas isso não vai mudar o status da região, porque Bolsonaro não tem poder de influenciar a história internacional.

2. O que cada um deles ganha e perde com a foto?

Bolsonaro só ganha com o grupo no entorno dele, que vai aplaudir: parte da comunidade judaica e a comunidade evangélica que não está tão contente com ele. Mas perde porque isso é má política internacional e má política para o Brasil. Para Netanyahu, Bolsonaro é só um instrumento. Ele tem tudo a ganhar, principalmente no plano do simbólico.

3. Por que dar um passo que nem Trump deu?

Tem duas linhas de análise. É uma coisa de compensação. Mal por não transferir a embaixada e por sentir que a ideia do escritório de negócios não era convincente, Bolsonaro tenta compensar com a visita ao Muro. A explicação mais profunda é que nos anos 90 a diplomacia brasileira era um pouco modesta. Nos governos do PT, fomos mais ambiciosos, e a crítica veio pelo excesso. Se fosse resumir o Bolsonaro agora, seria uma espécie de superação na subserviência.