O Estado de São Paulo, n. 45844, 22/04/2019. Política, p. A6

 

Defesa de Lula prepara novo recurso

Rafael Moraes Moura

Ricardo Galhardo

24/04/2019

 

 

 Recorte capturado

 

 

Advogado do ex-presidente, Cristiano Zanin vê sentença como ‘um passo para debelar abusos’, mas diz que STJ se prendeu a ‘formalidades’

O advogado de Luiz Inácio Lula da Silva, Cristiano Zanin Martins, disse ontem que vai recorrer da decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que manteve a condenação do ex-presidente no caso do triplex de Guarujá (SP). Segundo ele, a defesa vai aguardar a publicação do acórdão referente ao julgamento para definir qual estratégia será adotada.

“Precisamos aguardar a publicação do acórdão para definir o recurso que será interposto. Certamente, vamos apresentar todos os recursos previstos em lei para buscar o resultado cabível nesse caso. O único resultado compatível com o caso concreto é a absolvição do ex-presidente. Ele não praticou qualquer crime”, afirmou Zanin, ao deixar a sessão da Quinta Turma do tribunal.

Em tese, um recurso poderá ser apresentado ao próprio STJ ou ao Supremo Tribunal Federal. Apesar de reduzir o tempo de prisão do ex-presidente, os ministros não aceitaram nenhuma das alegações apresentadas pela defesa para tentar anular o processo – como remeter o caso à Justiça Eleitoral, depois que o plenário do Supremo decidiu que processos de corrupção associada a caixa 2 não são mais atribuição da Justiça Federal.

“Respeitamos o posicionamento exposto hoje (ontem) pelos ministros do STJ, mas expressamos a inconformidade da defesa em relação ao resultado”, afirmou Zanin. Em nota, ele acrescentou que o tribunal “recorreu a formalidades inaplicáveis ao caso concreto e deixou de fazer um exame efetivo do mérito, como buscado pelo recurso”. Na mesma nota, porém, ele diz que “pelo menos um passo foi dado para debelar os abusos praticados”. “Pela primeira vez, um tribunal reconheceu que as penas aplicadas pelo ex-juiz Sérgio Moro e pelo TRF-4 foram abusivas.”

Questionado sobre a possibilidade de progressão de pena a partir da nova sentença, respondeu que “não fez o cálculo”.

‘Sinal’. Pessoas próximas a Lula esperavam que o STJ o absolvesse do crime de lavagem de dinheiro. Ainda assim, viram na decisão um sinal de que a situação do ex-presidente pode mudar quando o caso chegar ao STF. “A partir da perspectiva de que ele é inocente e nunca foi dono do apartamento, como pode ser condenado? Ninguém que é inocente aceita uma redução de pena. Mas as coisas estão se movimentando”, disse o advogado José Roberto Batochio, que integra a defesa de Lula.

A pessoas que o visitaram nos últimos dias, Lula demonstrou ceticismo em relação ao julgamento. Segundo relato do deputado estadual Emídio de Souza (PT), que acompanhou a sessão do STJ ontem ao lado do ex-presidente, Lula não esperava nada do julgamento.

Segundo Emídio, Lula voltou a repetir a avaliação de que é um preso político e só vai sair da cadeia quando mudarem as circunstâncias políticas. Ainda segundo relato de Emídio, o expresidente disse que iria ser libertado politicamente pela luta do povo brasileiro.

O deputado, que integra a equipe de defesa de Lula, criticou a decisão do STJ que, de acordo com ele, seguiu a linha da 13.ª Vara Federal de Curitiba e do TRF-4. “Essa turma do STJ se colocou na linha do que já foi julgado até hoje. Apesar da redução da pena, eles podem apressar outros julgamentos”, afirmou. Há a avaliação de que o resultado deve apressar o julgamento no TRF-4 da ação sobre o sítio de Atibaia, na qual Lula foi condenado em 1.ª instância a 12 anos e 11 meses de prisão, o que pode impedir o ex-presidente de progredir para o regime semiaberto ainda este ano.

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Supremo aumentará combustão ao julgar segunda instância

Carlos Melo

24/04/2019

 

 

Dado o personagem, a decisão do Superior Tribunal de Justiça agitará a opinião pública. Mas é bom lembrar que a Justiça que condenou e prendeu o ex-presidente Lula é a mesma que agora revê sua pena. Argumentos que no passado defenderam a prisão deveriam servir para revalidar a soberania da decisão judicial.

Contudo, o STJ de fato bota lenha na tumultuada fogueira da política brasileira. E mais combustão pode haver quando o STF deliberar sobre a “segunda instância”. Tudo ao seu tempo. Desde já ficam especulações sobre os efeitos políticos da decisão. Lula terá papel determinante nos destinos da política brasileira?

Ainda que vetos a manifestações políticas possam lhe ser impostos, é fato que Lula estará melhor posicionado para acompanhar a conjuntura e melhor condição terá de diálogo com companheiros e eleitores. Obviamente, para si e para seu partido, é melhor tê-lo por perto do que trancafiado em Curitiba. Mas, sob muitos aspectos, é necessário não esquecer que o mundo de Lula desvaneceu.

Dos 83% de aprovação ao deixar o governo em 2010 à mais controversa figura da história política do País, Lula já não possui os recursos do passado. Sua imagem foi abalada e estruturalmente foram atingidos, por mudanças na economia e na sociedade, os sindicatos e movimentos sociais. Seus aparelhos perderam vigor. O próprio PT é sombra do que foi, com terrível escassez de quadros, lideranças e perda de capilaridade social.

A legenda se burocratizou e envelheceu; carece de visão e discurso de futuro; sua bancada é menor e menos experiente. As Caravanas da Cidadania, de sucesso no passado, nem contarão com o ex-presidente nem encontrarão o mesmo ambiente de outrora, transformado também pela ação dos governos petistas.

Objetivamente, o que mais pode colaborar para o fortalecimento político de Lula não será sua prisão atenuada, seus aliados ou a sociedade ao seu redor, mas o governo Bolsonaro: nos erros e confusões cotidianos, na falta de projeto e direção, na descoordenação, nas trapalhadas ideológicas, na incapacidade de formar maioria e na atávica tendência de fazer oposição a si mesmo. A força não estará em Lula, mas na fragilidade de seu maior adversário.