O Estado de São Paulo, n. 45844, 24/04/2019. Economia, p. B3

 

Placar 'com folga' é comemorado pelo governo

Adriana Fernandes

Idiana Tomazelli

Camila Turtelli

24/04/2019

 

 

REFORMA PREVIDENCIÁRIA/ Proposta da Previdência teve 48 votos a favor e 18 contrários; para aval na primeira etapa de tramitação eram necessários 34 votos

Depois de 62 dias do envio da reforma da Previdência, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) aprovou ontem a proposta do governo, que segue agora para análise de conteúdo na Comissão Especial. A tramitação na CCJ, que analisa se o texto respeita princípios constitucionais, durou mais tempo do que o governo esperava, o que obrigou a equipe econômica a ceder pontos já na largada.

Apesar das negociações, a proposta ainda preserva a economia de R$ 1,1 trilhão estimada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, com a aprovação do texto que foi enviado ao Congresso no dia 20 de fevereiro. Na CCJ, o placar ficou em 48 votos a favor e 18 contrários. O aval nessa primeira etapa dependia de 34 votos favoráveis. “Foi muito mais do que a gente esperava”, afirmou o presidente da CCJ, Felipe Francischini (PSL-PR). O deputado lembrou que a proposta de reforma do ex-presidente Michel Temer foi aprovada com 31 votos a favor.

Deputados da oposição afirmaram que vão buscar na Justiça a anulação da votação.

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), acompanhou o fim da sessão e discutiu as próximas etapas do texto com deputados do DEM, PRB e PP. Ele disse que vai pedir indicações para os líderes partidários para instalar a Comissão Especial na quinta-feira. Maia afirmou que o relator do texto na Comissão Especial vai ser “alinhado” com Guedes e o secretário de Previdência e Trabalho, Rogério Marinho. O presidente da Casa cobrou ainda que o governo trabalhe para montar uma base aliada na Câmara. “Hoje governo não tem voto para aprovar nem essa matéria nem nenhuma outra matéria polêmica. O governo tem de pôr ar dentro do peito e dizer que a reforma é importante para os brasileiros. O presidente (Jair Bolsonaro) precisa ter clareza de que aprovação é boa para o Brasil”, disse Maia.

Temer levou 10 dias para passar a sua proposta na CCJ. A reforma do presidente Jair Bolsonaro chega à Comissão Especial sob pressão dos partidos do Centrão para novas mudanças. Foram as lideranças do Centrão que conseguiram negociar as quatro alterações no texto , ameaçando barrar a votação.

Oposição. A batalha da votação durou quase nove horas com uma sequência de pedidos de requerimento dos deputados da oposição para protelar a discussão. A líder da minoria, Jandira Feghali (PC do B-RJ), chegou a apresentar requerimento ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), com assinaturas para suspender por 20 dias a votação alegando a necessidade de o governo enviar os números do impacto da proposta.

A estratégia dos oposicionistas foi a mesma usada nas outras sessões, marcadas por tumultos e gritarias. Dessa vez, porém, Francischini foi bem mais duro na condução dos trabalhos e impediu que a votação fosse suspensa. Apesar dos apelos da oposição, Francischini continuou a votação sem levar em conta os pedidos.

“Não apontem o dedo para mim que não sou moleque!”, reagiu Francischini, no momento mais tenso, à ação das deputadas Maria do Rosário (PT-RS), Gleisi Hoffmann (PT-PR), Erika Kokay (PT-DF) e Taliria Petrone (PSOL-RJ), que o cercaram na mesa da CCJ. Um novo tumulto se formou, mas Francischini conseguiu segurar a pressão com uma posição combativa.

No plenário, governistas gritavam: “Não se deixe intimidar, senhor presidente. Reaja com o regimento”. A líder do governo no Congresso, Joice Hasselmann (PSL-SP), aos gritos, dizia para o presidente da CCJ: “Chame a polícia”.

Estratégia. Para garantir a aprovação da reforma, alguns titulares contrários ao texto do governo Jair Bolsonaro foram substituídos por outros correligionários a favor da proposta. Um deles foi o deputado Reinhold Stephanes (PSD-PR), que estava como suplente e foi colocado como titular.

Em meio à votação na CCJ, o presidente Bolsonaro foi cobrado a renunciar à aposentadoria especial da Câmara a que tem direito. Bolsonaro, que foi deputado por 28 anos, tem direito à aposentadoria, mas ainda não fez o pedido. Ele poderia acumular o benefício com o salário de presidente da República. A cobrança foi feita pela deputada Clarissa Garotinho (PROS-RJ).

O QUE SAIU DA PROPOSTA ORIGINAL

FGTS de aposentados

Proposta retirava a obrigatoriedade de recolhimento de FGTS do trabalhador que já for aposentado e do pagamento da multa de 40% no caso de demissão desses trabalhadores.

Aposentadoria compulsória

Dispositivo permitiria definir a idade máxima para aposentadoria compulsória dos servidores públicos por lei complementar. Recentemente, a idade máxima foi elevada de 70 para 75 anos. A brecha facilitaria uma mudança na composição dos tribunais superiores pretendida por aliados do governo para aumentar a influência sobre o Judiciário.

Justiça contra a reforma

Pela proposta, as ações contra a reforma da Previdência poderiam ser feitas apenas nas seções judiciárias em que o autor tivesse domicílio ou que houvesse ocorrido "ato ou fato" que tivesse dado origem à tal demanda. Com a retirada desse item, as ações contra a União continuam podendo ser feitas na Justiça Federal.

Exclusividade do Executivo

Dispositivo que deixaria apenas nas mãos do Executivo federal a possibilidade de apresentar projeto de lei complementar para alterar as regras da Previdência. Com isso, o Legislativo também fazer proposições.