O Estado de São Paulo, n. 45837, 17/04/2019. Notas e informações, p. A3

 

O STF decreta censura

17/04/2019

 

 

Uma coisa é a instauração de um inquérito criminal para investigar ameaças veiculadas na internet envolvendo ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Outra coisa bem diferente é um ministro do STF determinar, no âmbito desse inquérito, o que pode e o que não pode ser publicado por um veículo de comunicação a respeito do presidente do Supremo, ministro Dias Toffoli. Isto é censura e, no Brasil, a Constituição de 1988 veda explicitamente a censura.

Não há outras palavras para descrever a decisão do ministro Alexandre de Moraes. Ao determinar “que o site O Antagonista e a revista Crusoé retirem, imediatamente, dos respectivos ambientes virtuais a matéria intitulada ‘O amigo do amigo de meu pai’ e todas as postagens subsequentes que tratem sobre o assunto, sob pena de multa diária de R$ 100.000”, o relator do inquérito ordenou a censura de dois veículos de comunicação. O assunto tem especial gravidade tendo em vista que a missão doST Fé precisamente protegera Carta Magna.

Num Estado Democrático de Direito, ainformaçãoé livre. Não cabeà Justiça determinar oqueéeo que não é verdadeiro, ordenando retirar – ordenando censurar, repita-se – o que considera que não corresponde aos fatos. Na decisão, o ministro Alexandre de Moraes alega que o conteúdo publicado pelos dois veículos de comunicação foi desmentido pela Procuradoria-Geral da República (PGR) e, portanto, não caberia sua publicação – raciocínio que ofende a liberdade de expressão e de imprensa.

“O esclarecimento feito pela PGR tornam falsas as afirmações veiculadas na matéria ‘O amigo do amigo de meu pai’, em típico exemplo de fake news – o que exige a intervenção do Poder Judiciário, pois, repita-se, a plena proteção constitucional da exteriorização da opinião (aspecto positivo) não constitui cláusula de isenção de eventual responsabilidade por publicações injuriosas e difamatórias, que, contudo, deverão ser analisadas sempre a posteriori, jamais como restrição prévia e genérica à liberdade de manifestação”, escreveu o relator do inquérito.

Não cabe à Justiça determinar o queéeo quen ãoéfakenews.N uma sociedade livre, o Estado não tem autoridade para arbitrar oqueéverd adeiro eoqueé falso. Além disso, por mais que se possa qualificar com segurança que uma notícia não corresponde inteiramente aos fatos, isso não significa autorização para que a Justiça a censure. A ideia de que uma fake news “exige a intervenção do Poder Judiciário”, como disse Alexandre de Moraes, não tem respaldo na Constituição.

Vale lembrar que, no período eleitoral, vigem regras específicas sobre propaganda eleitoral, cabendo à Justiça Eleitoral averiguar se o material produzido por um candidato guarda correspondência com os fatos. Dependendo do caso, um conteúdo considerado ofensivo pode ter sua veiculação proibida e dar direito à resposta do candidato ofendido. Essa atuação da Justiça Eleitoral, específica do período eleitoral, não guarda nenhuma correspondência, no entanto, com a iniciativa do Judiciário de assumir a função de árbitro da veracidade das informações que circulam na sociedade.

Todo cidadão tem o direito de recorrer à Justiça para a proteção de sua honra para postular direito de resposta, bem como exigir as correspondentes consequências cíveis e penais. No entanto, isso não significa entender que uma notícia supostamente equivocada sobre o presidente do STF é uma agressão às instituições nacionais e mereça ser censurada.

A Justiça deve atuar com rigor contra as ameaças proferidas contra ministros do Supremo e seus familiares. Essas agressões representam uma grave violação das garantias do Estado Democrático de Direito, na medida em que tentam subjugar a independência do STF. A difusão de notícias mentirosas também pode representar uma forma de ameaça contra o Poder Judiciário. Nada disso, no entanto, é justificativa para esquecer a Constituição e decretar a censura de meios de comunicação.

Nesses tempos revoltos, é de especial importância o respeito às garantias e às liberdades fundamentais. A resposta do Estado a quem deseja subverter a ordem deve ser a mais plena fidelidade à lei e ao Direito. Não há outro caminho de liberdade.

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LDO mostra governo inseguro

17/04/2019

 

 

O Brasil continua mal no quarto mês de governo e assim continuará até 2022, fim do mandato do presidente Jair Bolsonaro, se os fatos confirmarem as projeções divulgadas com a proposta da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). Naquele ano ainda haverá buraco nas contas primárias do governo central, segundo o cenário desenhado pela equipe econômica. Portanto, ainda faltará dinheiro até para cobrir os juros vencidos, e por isso a dívida pública federal continuará em rápido crescimento, segundo as expectativas oficiais. O projeto revela uma equipe tão insegura quanto os analistas do mercado e até perplexa diante da piora da arrecadação tributária, apesar da recuperação – lenta, mas inegável – da atividade nos últimos dois anos.

Segundo o projeto, no próximo ano o déficit primário do governo central poderá chegar até o limite de R$ 124,1 bilhões. O governo, portanto, está disposto a aceitar um déficit primário maior que o estimado há um ano, quando as expectativas indicavam um saldo negativo (sem juros) de R$ 110 bilhões em 2020. Segundo a equipe de governo, a piora das projeções está associada principalmente à evolução da receita.

A arrecadação tem caído e, se nenhuma grande mudança ocorrer, o ingresso de recursos no Tesouro deverá continuar abaixo dos padrões observados

até há alguns anos. O secretário do Tesouro Nacional, Mansueto Almeida, chegou a usar a palavra “anomalia” para descrever o problema. Quando a economia se recuperava de uma recessão, a arrecadação acompanhava ou até superava o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), mas desta vez tem ocorrido o contrário. Cortar benefícios fiscais pode ser parte da solução. Mais dinheiro poderá vir também do aumento de lucro das estatais e do pagamento de dividendos à União.

“Os números são conservadores”, disse o secretário especial da Fazenda, Waldery Rodrigues, e deverão melhorar, segundo ele, com medidas de impacto, como a reforma da Previdência. Enquanto se esperam essas medidas, a equipe econômica tenta apertar os gastos onde encontra espaço político para isso.

Eliminar o aumento real do salário mínimo é uma dessas providências. Para o próximo ano está prevista, por enquanto, apenas uma correção de valor com base na inflação, medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), calculado para as famílias com rendimento entre um e cinco salários mínimos. Em outros anos, algum ganho real foi garantido acrescentando-se à conta a variação do PIB de dois anos antes.

Pelo novo critério, o mínimo deverá chegar a cerca de R$ 1.040. Pelo critério anterior, seguido por vários anos, poderia haver um ganho de cerca de R$ 11. De toda forma, a proposta definitiva sobre o novo mínimo só será apresentada pelo Executivo mais perto do fim do ano. Por enquanto, vale a estimativa de simples correção monetária para inclusão na LDO, referência para a elaboração, no segundo semestre, do Orçamento-Geral da União.

Projeções de crescimento econômico, inflação, taxa de câmbio e salário mínimo, para citar as mais importantes, acompanham normalmente as propostas de lei das finanças públicas. Servem como referências para os cálculos de receita e despesa. O salário mínimo, por exemplo, afeta os gastos com a Previdência e com os salários do funcionalismo.

Desta vez, os parâmetros indicados na proposta da LDO revelam enorme insegurança quanto à atividade e às contas federais. A meta de resultado primário evolui de um déficit de R$ 139 bilhões neste ano para um saldo negativo de R$ 31 bilhões em 2022. O crescimento previsto para o PIB é de 2,2% neste ano, 2,7% em 2020, 2,6% em 2021 e 2,5% em 2022. No mercado, as projeções estão abaixo de 2% para 2019 e em torno de 2,5% para os três anos seguintes. Para todos, o potencial de crescimento continuará medíocre, ou abaixo disso, por falta de investimento e de ganho de produtividade. O mercado espera sinais do governo para melhorar sua disposição de investir e produzir. O governo espera sinais de quem para elevar sua aposta?