O Estado de São Paulo, n. 45837, 17/04/2019. Política, p. A4

 

Inquérito causa confronto entre Supremo e PGR

Breno Pires

Rafael Moraes Moura

17/04/2019

 

 

 Recorte capturado

 

 

Queda de braço. Ministros da Corte e procuradora-geral da República medem forças e investigação fica sob impasse; Raquel arquiva procedimento, mas Moraes indefere medida

O Supremo Tribunal Federal e a Procuradoria-Geral da República mediram forças ontem por causa do inquérito aberto pela Corte com o pretexto de apurar fake news e divulgação de mensagens nas redes sociais que atentem contra a honra dos ministros. A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, mandou arquivar a investigação. Quatro horas depois, porém, ela foi desautorizada pelo relator, ministro Alexandre de Moraes, e pelo presidente da Corte, Dias Toffoli, que prorrogou o inquérito por mais 90 dias.

O impasse institucional foi parar nos autos do processo. Raquel acusou o Supremo de atuar como no antigo sistema penal inquisitório, quando o juiz tinha poderes para julgar, investigar e acusar ao mesmo tempo. A Constituição de 1988 separou essas atribuições. Moraes, por sua vez, chamou o documento de sete páginas que promoveu o arquivamento de “genérico”, sem “qualquer respaldo legal”, “intempestivo” e baseado “em premissas absolutamente equivocadas”.

O inquérito é polêmico desde o início. O comum é que a Corte abra investigação quando provocada por outros órgãos. Mas, nesse caso, o presidente do Supremo determinou a instauração por conta própria. Toffoli ainda tomou duas outras medidas fora do padrão, embora respaldadas no Regimento Interno da Corte: não pediu providências ao Ministério Público e escalou Moraes relator sem fazer sorteio ou consultar colegas.

Essas atipicidades foram ressaltadas na manifestação da procuradora-geral como motivos para determinar o arquivamento. Além de Moraes, o entendimento de outros colegas dele na Corte é de que Raquel não tem poderes para arquivar o inquérito aberto de ofício (sem ser provocado) pelo Supremo.

Ministros também ironizaram a ameaça de que, se seguirem adiante com o inquérito, o Ministério Público não vai apresentar denúncia, o que tornará a investigação inócua. Dizem que, até a conclusão das investigações, Raquel não deverá mais ocupar o cargo. Além disso, possivelmente o resultado do inquérito irá para a primeira instância do Ministério Público.

Os magistrados dizem ainda que, se o inquérito reunir provas, o Ministério Público não tem como ignorá-lo, sob risco de ser acusado de prevaricação. Caso insista, é possível que as pessoas atingidas, no caso os ministros, apresentem uma ação penal subsidiária.

A reação de Raquel ao inquérito do Supremo levou em conta o ambiente conflagrado na Procuradoria por causa da disputa pela sua sucessão. O mandato dela termina em setembro e não há indicativo de que será reconduzida pelo presidente Jair Bolsonaro ao posto.

Pré-candidatos cobraram de Raquel uma posição diante de decisões tomadas no âmbito do inquérito que impuseram, anteontem, censura à revista Crusoé e ao site O Antagonista por reportagem que menciona o ministro Dias Toffoli e, ontem, o cumprimento de buscas e apreensões na casa de investigados, sem que o Ministério Público tivesse acesso aos autos.

O Estado apurou que um dos focos do inquérito é apurar se a revista foi usada por procuradores da Lava Jato para atingir Toffoli no momento em que o tribunal toma medidas que contrariam a força-tarefa de Curitiba – o que, diz um ministro, tornaria a publicação coautora do crime de vazamento de informação sigilosa. Ou se apenas cumpriu seu papel de informar.

Plenário. A PGR deve voltar a se manifestar no processo nos próximos dias. Uma das alternativas em estudo é recorrer para que a determinação pelo arquivamento seja analisada pelos 11 ministros. O resultado é considerado incerto. A Rede tem uma ação nesse sentido.

Ontem, a Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) entrou com habeas corpus preventivo para impedir que seus associados sejam obrigados a prestar depoimentos no âmbito do inquérito instaurado por Toffoli.

PERGUNTAS & RESPOSTAS

1. É prerrogativa do STF abrir inquérito policial de ofício?

Todos os tribunais possuem, em regimento interno, a viabilidade de prender em flagrante quem cometer delito e iniciar investigação por crime cometido em suas dependências. O STF fez uso de um desses artigos de seu regimento. No entendimento do STF, tomando-se por base a plena comunicação por parte de dispositivos eletrônicos, crimes contra a honra dos ministros e do STF, além de ameaças, chegaram à Corte. Logo, atingiram o recinto do tribunal.

2. Isso pode ser feito sem passar pela Procuradoria?

O ideal seria agir, por meio da PGR, solicitando a abertura de inquérito e providências. Mas o regimento do STF permite que um dos ministros seja o instrutor desse inquérito, opção tomada pelo presidente do STF.

3. A Procuradoria pode, unilateralmente, arquivar o inquérito do Supremo?

O Ministério Público, pelo sistema do Brasil, não determina arquivamento de inquérito. Deve solicitar ao Judiciário. Se o juiz discordar, pode enviar os autos ao chefe do MP. Se o chefe do MP concordar com o arquivamento, mesmo assim não determina, mas insiste no arquivamento. Nessa hipótese, o juiz deve mandar arquivar.

4. O Supremo pode desconsiderar a decisão da PGR?

Sim. Estando a investigação na mais elevada Corte do País, não cabe à PGR promover o arquivamento. Não surte efeito algum, até porque nem se sabe ao certo qual a competência para apurar e processar os crimes eventualmente descobertos.

5. Quais os próximos passos?

O STF pode continuar investigando, mas não poderá propor ação penal contra ninguém. Terminando a investigação, pode até remeter partes para um Estado e partes para outro, ou seja, caindo em mãos do MP estadual.