O globo, n. 31349, 06/06/2019. País, p. 5

 

Estudo expõe risco de flexibilização de armas

João Paulo Saconi

Marlen Couto

Sérgio Roxo

06/06/2019

 

 

Enquanto governo Bolsonaro facilita posse e porte no país, Atlas da Violência afirma que difusão dos equipamentos faz aumentar a insegurança pública e que Estatuto do Desarmamento freou alta de mortes

Após o governo Jair Bolsonaro flexibilizar o acesso a armas de fogo no país, o estudo “Atlas da Violência”, divulgado ontem pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), afirma que a difusão de armas faz aumentar a insegurança pública. Para pesquisadores ouvidos pelo GLOBO, o relatório aponta o risco que o aumento da circulação de armas provocado pelas mudanças pode trazer.

Os decretos editados por Bolsonaro afrouxaram regras para a compra de armas e ampliaram o número de categorias com direito ao porte sem necessidade de apresentar justificativa. Para o técnico de Planejamento e Pesquisa do instituto, Daniel Cerqueira, as mudanças promovidas pelo governo são “uma senha para a tragédia”.

— O Supremo Tribunal Federal deve revogar (os decretos) e eu espero que aconteça. Devemos prestar atenção nisso, porque as pessoas se sentem empoderadas com uma arma em mãos. Entre 20% e 25% dos homicídios acontecem por conflitos interpessoais,não por latrocínios. E estamos num paí sem que as pessoas estão muito raivosas.

A conclusão do estudo, porém, foi motivo de divergência no Ipea. Nomeado por Bolsonaro, o presidente do instituto, o economista Carlos Von Doellinger, criticou ontem a relação estabelecida entre o número de armas em circulação e o aumento da criminalidade.

— Como cidadão, me incomoda a impossibilidade do cidadão de bem, sem antecedentes, ter uma forma de defender a integridade física, de sua propriedade e da sua família—disse Von Doellinger.

Estatuo freou alta

Segundo o relatório, o Estatuto do Desarmamento, implantado em 2003, freou a velocidade com que vinham crescendo as mortes causadas por arma de fogo no Brasil. Embora a taxa de homicídios tenha continuado a subir, o Ipea pontua que o índice teria crescido ainda mais sem a mudança. Isso porque a taxa média anual de alta dos homicídios por arma de fogo antes do Estatuto do Desarmamento era de 5,44% e, entre 2003 e 2017, caiu para 0,85%, número seis vezes menor.

— Existe uma série de estudos que dizem que a flexibilização de armas gera uma casualidade de aumento da violência. Há um consenso — afirma Bruno Paes Manso, pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência da USP.

O coronel José Vicente, consultor da área de segurança, concorda com o raciocínio de que mais armas em circulação vão elevar as taxas:

— Havia uma facilidade muito grande para ter o porte de arma e uma expansão muito grande. Isso foi contido a partir do estatuto.

Para Vicente, com a implantação das medidas do governo Bolsonaro, o total de armas em circulação deve crescer 30% em cinco anos e os homicídios podem saltar para mais de 70 mil.

Em um parecer enviado ao STF, a Advocacia-Geral da União (AGU) argumenta que a eleição do ano passado, que levou Bolsonaro ao poder, juntamente com o referendo de 2005 contrário à proibição do comércio de armas, mostra que há respaldo popular para a edição dos decretos.