O Estado de São Paulo, n. 45837, 17/04/2019. Política, p. A6

 

Saída honrosa

Vera Magalhães

17/04/2019

 

 

Diante do impasse institucional entre o Supremo Tribunal Federal (STF) e a Procuradoria-Geral da República em razão do “inquérito multiuso” instaurado na Corte e comandado pelo ministro Alexandre de Moraes, integrantes das duas instituições e observadores externos, inclusive dos demais Poderes, se preocupam em tentar enxergar uma “saída honrosa”.

A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, deverá recorrer da decisão de Moraes, que, por sua vez, decidiu ignorar o arquivamento do inquérito determinado por ela. O recurso deverá ser apresentado ao plenário do STF, forçando os demais ministros da Corte a se posicionarem quanto ao mérito do inquérito e de algumas das medidas

polêmicas tomadas nele – como a censura à revista Crusoé e ao site O Antagonista e as buscas e apreensões e restrições ao uso de redes sociais de pessoas aleatórias por declarações ou postagens contra o Supremo ou seus ministros.

Outro caminho seria o ministro do STF Edson Fachin conceder uma cautelar na Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental impetrada pela Rede Sustentabilidade, algo considerado menos provável pelo potencial de mal-estar entre integrantes da Corte.

Por fim, expoentes do Congresso e do governo já discutem a possibilidade de apresentação de alguma emenda à Constituição resguardando de maneira mais clara o direito à opinião e rechaçando iniciativas que resvalem para censura ou restrição a liberdades individuais.

PODERES EM TRANSE

STF agrava seu desgaste e tira Bolsonaro do foco

A escalada de decisões controversas tomadas nesta semana pela dupla Dias Toffoli-Alexandre de Moraes tirou o foco do governo numa semana de más notícias na economia, como a projeção negativa do PIB do primeiro trimestre, o anúncio de que não haverá aumento real do salário mínimo e o impasse provocado pela intervenção no preço do diesel. De quebra, a censura determinada pelo STF à imprensa deu a Jair Bolsonaro a chance de, corretamente, se colocar como defensor da liberdade de expressão.

PREVIDÊNCIA

Governo vê PR, PRB e PP como ‘núcleo duro’ da resistência

O governo mapeou aquele que seria o “núcleo duro” que atrapalha a tramitação da reforma da Previdência fora da oposição. Embora seja creditada genericamente ao “Centrão”, a resistência ao projeto estaria concentrada na trinca PP, PR e PRB. Os demais seriam satélites, com queixas mais pontuais e fáceis de equacionar. Esses são os partidos que gostariam, segundo os negociadores da reforma, de forçar Jair Bolsonaro a definir uma “regra do jogo” para a sua participação no governo – algo que não se dará “na marra”, alertam os mesmos articuladores. “Os outros partidos entendem que o momento de discutir as divergências é na Comissão Especial”, diferenciou para a Coluna um dos responsáveis pela interlocução. O trabalho de impedir o caminho da PEC, observam integrantes do governo, é facilitado pelo “desastre” dos líderes do governo e do PSL que, a despeito das patentes de major e delegado, não têm autoridade alguma sobre as bancadas.

_____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

General e mais 6 suspeitos são alvo de buscas da PF

Fausto Macedo

Julia Affonso

Tânia Monteiro

17/04/2016

 

 

Segundo Moraes, investigados postaram ‘conteúdo de ódio e subversão da ordem’ nas redes


Laptop. ‘Reação é achar graça’, disse o general Paulo Chagas, que teve equipamento apreendido

Por ordem do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, a Polícia Federal cumpriu ontem mandados de busca e apreensão em dez endereços em São Paulo, Goiás e Brasília. Moraes também ordenou o bloqueio das contas dos investigados no Facebook, no WhatsApp, no Twitter e no Instagram. As decisões foram no âmbito do inquérito, aberto pelo Supremo, que investiga ameaças a integrantes da Corte.

Pelo menos dois alvos da ação foram candidatos a cargos eletivos em 2018: o general da reserva Paulo Chagas, que disputou o governo do Distrito Federal pelo PRP, e Isabella Trevisani, que tentou uma vaga na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo pelo PRTB. Os demais foram Omar Rocha Fagundes, Carlos Antonio dos Santos, Erminio Aparecido Nadini, Gustavo de Carvalho e Silva e Sergio Barbosa de Barros.

Na decisão, Moraes afirmou que documentos e informações coletados pela investigação apontam “sérios indícios da prática de crimes”. Segundo o ministro, as postagens em redes sociais dos investigados contêm “graves ofensas a esta Corte e seus integrantes, com conteúdo de ódio e de subversão da ordem” (mais informações nesta página).

O ministro argumentou no despacho que as mensagens escritas por Chagas são “propaganda de processos violentos ou ilegais para alteração da ordem política e social com grande repercussão entre seguidores”. Moraes afirmou que “em pelo menos uma ocasião, o investigado defendeu a criação de um tribunal de exceção para julgamento dos ministros do STF ou mesmo para substituí-los”.

Ontem, após ter seu laptop apreendido pela PF, Chagas disse achar graça da operação. “Escrevo sobre o STF há muito tempo. Evito falar mal da Corte, mas não de atos de pessoas da Corte. Minha reação é de achar graça”, disse ele ao Estado.

‘Ovos’. O ministro do Supremo mencionou também uma postagem feita por Isabella Trevisani em 23 de março. “STF vergonha nacional! A vez de vocês está chegando”, escreveu ela. A mensagem é ilustrada por uma foto em que Isabella exibe uma caixa de ovos. Já em um vídeo de 1 minuto e 30 segundos, ela prega o fechamento do Supremo. “O STF vai cair.”

Ontem, Isabella reagiu à decisão do ministro do Supremo. Afirmou que não vai se intimidar e fez novas ameaças. “Eu só tenho um recado a vocês. Ministro Alexandre de Moraes, ministros do STF brasileiro, a hora de vocês está chegando. Vou tacar mais ovos nos carros, nos prédios, onde eu conseguir”, postou em sua conta no Facebook, após a ordem de bloqueio de sua página na rede social.

Carlos Antonio dos Santos, segundo Moraes, incitou a população a impedir o livre exercício dos Poderes da União, ao escrever que é “desanimador o fato de tantos brasileiros ficarem alheios ao que a quadrilha STF vem fazendo contra a Nação”.

De acordo com o ministro, Erminio Aparecido Nadin também propagou “alteração da ordem política e social”, compartilhando publicações como “Não tem negociação com quem se vendeu para o mecanismo. Destituição e prisão. Fora STF”.

Em ofício no qual arquivou o inquérito – medida indeferida por Moraes –, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, disse que as diligências determinadas na investigação aberta em março pelo presidente do Supremo, ministro Dias Toffoli, ferem “o sistema penal acusatório e a Constituição”.

“Considero necessário observar que a portaria que instaura o inquérito não especifica objetivamente os fatos criminosos a apurar, tampouco quais seriam as “notícias fraudulentas (fake news), denunciações caluniosas, ameaças e infrações revestidas de animus calumniandi, diffamandi e injuriandi, que atingem a honorabilidade e a segurança do Supremo Tribunal Federal, de seus membros e familiares”, escreveu a procuradora-geral da República no documento.

Desdobramentos. A ação de ontem foi a segunda operação deflagrada após a abertura do inquérito pelo presidente do Supremo para apurar fake news. Em 21 de março, Moraes determinou que a PF fizesse buscas e apreensões de equipamentos em endereços em São Paulo e em Alagoas. Os alvos foram um guarda civil metropolitano de Indaiatuba, cidade no interior paulista, e um advogado que mora em Alagoas.

Anteontem, no mesmo inquérito, Moraes determinou à revista Crusoé e ao site O Antagonista que retirassem do ar a reportagem intitulada “Amigo do amigo de meu pai”, que cita Toffoli. A revista repudiou a decisão e denunciou o caso como censura.

INVESTIGAÇÃO

• Inquérito aberto no STF apura fake news e ameaças à Corte.

PRIMEIRAS DILIGÊNCIAS

21 de março

Por ordem de Alexandre de Moraes, PF faz buscas em endereços em São Paulo e Alagoas.

REPORTAGEM 1

5 de abril

Moraes ordena que texto que cita Toffoli seja tirado do ar.

REDES SOCIAIS BLOQUEADAS

Ontem

Alvos têm redes bloqueadas; inquérito cita mensagens postadas pelos suspeitos.

1. Erminio Aparecido Nadin.

“Não tem negociação com quem se vendeu para o mecanismo. Destituição e prisão. Fora, STF.”

2. Omar Rocha Fagundes.

“O nosso STF é bolivariano, todos alinhados com os narcotraficantes e corruptos do País. Vai ser a fórceps.”

3. Isabella Sanches de Souza Trevisani.

“STF vergonha nacional! A vez de vocês está chegando! (...) Esta é a recepção para ministro ladrão de toga (exibindo uma cesta com ovos).”

4. Carlos Antonio Dos Santos.

“STF soltou até traficante (...) É desanimador o fato de tantos brasileiros ficarem alheios ao que a quadrilha STF vem fazendo contra a Nação.”

5. Paulo Chagas.

Segundo o inquérito, “defendeu a criação de um tribunal de exceção para julgamento de ministros do STF ou mesmo substituí-los”.

6. Gustavo de Carvalho e Silva.

Inquérito diz que investigado foi um dos que fizeram “postagem reiterada contendo graves ofensas” à Corte.

7. Sergio Barbosa de Barros.

Postagens feitas pelo investigado, de acordo com inquérito, contêm “ofensas” ao STF e teor de “ódio e subversão da ordem”.

______________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

4 perguntas para... Paulo Chagas

Marcelo Godoy

17/04/2019

 

 

Paulo Chagas, general da reserva

1. Anteontem, ação foi contra o site Antagonista, ontem o senhor. Como o senhor vê essas ações do STF?

Isso não me preocupa. Isso não é problema meu; tem de preocupar quem se sente atingido. Eu tenho consciência do que estou fazendo, que é uma crítica ao desempenho dos ministros da Suprema Corte. Não faço críticas à Corte. Eu considero que a Corte é um instrumento da democracia. Sem ela não temos democracia. Uma coisa que fica evidente é a preocupação com a impunidade. Falam em preocupação com a liberdade, mas eu pergunto, como uma mensagem ao ministro (Dias) Toffoli: pode conceder liberdade para quem? Para corrupto, para bandido, para ladrão, para estuprador? Para quem é a liberdade? Para o cidadão de bem é que não é. Eu como cidadão penso assim.

2. O senhor não se preocupa então?

Preocupo-me não por mim; ao mesmo tempo fico feliz de ver o que eu estou falando, escrevendo está preocupando a eles.

3. O senhor poderia me descrever como foi a ação em sua casa?

Só levaram um laptop, aliás, só tenho um mesmo. Levaram todos os que eu tenho. Entre chegarem e saírem demorou 40 minutos. Eu não estava em casa. A minha filha que estava em casa, ela mora em São Paulo e por acaso estava em casa.

4. O senhor acha que a proximidade do senhor com o presidente Jair Bolsonaro pode ter influenciado a decisão de realizar as buscas?

Olha, se foi é um tiro no pé, pois desde que terminou a eleição não tive contato com o presidente, não faço parte do governo e, por uma questão de formação, não vou procurar o presidente. Ele tem mais o que fazer do que ficar atendendo amigos para bater papo. Deve ficar 24 horas por dia, à disposição da sociedade trabalhando; não tem hora para bater papo.