O Estado de São Paulo, n. 45837, 17/04/2019. Política, p. A10

 

Em reação a STF, entidades pedem livre expressão

Breno Pires

Rafael Moraes Moura

Carla Bridi

Paulo Beraldo

17/04/219

 

 

Ordem dos Advogados do Brasil cobra ‘pleno respeito’ às normas da Constituição e afirma que a ‘liberdade de imprensa é inegociável’

Liberdade. Felipe Santa Cruz, presidente da OAB, que divulgou nota com críticas ao STF

Entidades e especialistas saíram ontem em defesa da liberdade de expressão e de imprensa, como reação ao desdobramento de inquérito do Supremo Tribunal Federal (STF) que investiga supostas ofensas e ameaças a ministros da Corte. À frente da investigação, o ministro Alexandre de Moraes determinou anteontem à revista Crusoé e ao site O Antagonista a retirada do ar de reportagem que cita o presidente do Supremo, Dias Toffoli. Ontem, em nova decisão, Moraes mandou bloquear o acesso a redes sociais de sete investigados de espalhar mensagens com ataques aos ministros. Os sete também foram alvo de operação de busca e apreensão.

Em nota, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) disse ver com “preocupação” as decisões do Supremo e cobrou “o pleno respeito à Constituição Federal e a defesa da plena liberdade de imprensa e de expressão”. “Nenhuma nação pode atingir desenvolvimento civilizatório desejado quando não estão garantidas as liberdades individuais e entre elas a liberdade de imprensa e de opinião, corolário de uma nação que deseja ser democrática e independente”, afirma a entidade, que é presidida por Felipe Santa Cruz.

A entidade afirmou na sequência que nenhum risco de dano à imagem de qualquer órgão ou agente público, através de uma imprensa livre, “pode ser maior que o risco de criarmos uma imprensa sem liberdade, pois a censura prévia de conteúdos jornalísticos e dos meios de comunicação já foi há muito tempo afastada do ordenamento jurídico nacional”. Ainda em referência à obrigação imposta a Crusoé e O Antagonista, a OAB disse que a “liberdade de imprensa é inegociável”.

A reportagem em questão tem como base um documento nos autos da Operação Lava Jato. O empresário Marcelo Odebrecht encaminhou à Polícia Federal informações sobre codinomes citados nos e-mails apreendidos em seu computador, em que afirma que o apelido “amigo do amigo do meu pai” se refere a Toffoli.

O inquérito em que foram determinadas as medidas foi aberto por determinação do ministro Dias Toffoli, em 14 de março. Naquela data, houve um contraataque do Supremo ao que o ministro considerou como ameaças à segurança e ataques à honra dos integrantes da Corte.

‘Paradoxal’. A advogada constitucionalista Vera Chemin classificou a situação como “paradoxal”. “O STF veio na contramão do princípio de guardião da Constituição, a partir do momento em que determina por meio de um ministro (Alexandre de Moraes) não só a busca e apreensão em domicílio, como a questão da liberdade de imprensa.” Ela lembra que a Constituição garante que é “livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”. Chemin afirma ainda que, “justamente em razão dessa garantia de a imprensa poder falar o que quiser, que se trata de uma questão de transparência e interesse público”.

Na avaliação do jurista Roberto Dias, professor de direito constitucional da FGV-SP, além da inconstitucionalidade na decisão, a iniciativa vai contra entendimentos importantes do próprio Supremo. Ele ressalta que a Constituição proíbe “toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística”.

Cientista político e professor do Insper, Fernando Schüler viu nas decisões de Alexandre de Moraes uma ameaça à liberdade de imprensa e de expressão. “Caso este procedimento seja mantido, qualquer cidadão ou órgão de imprensa saberá que seu direito de informar ou expressar uma opinião está sujeito à censura previa, a partir da interpretação monocrática e subjetiva de um ministro do Supremo”, afirmou ele. “É evidente que isto não se sustenta. Parece que houve um grande equívoco nisso tudo, que logo será corrigido pelo próprio STF.”

‘Civilização’

“Nenhuma nação pode atingir desenvolvimento civilizatório desejado quando não estão garantidas as liberdades individuais e, entre elas, a liberdade de imprensa e de opinião, corolário de uma nação que deseja ser democrática e independente.”

Nota da OAB

“O STF veio na contramão do princípio de guardião da Constituição.”

Vera Chemin

ADVOGADA CONSTITUCIONALISTA

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Bolsonaro usa rede social para falar em 'direito iviolável'

Tânia Monteiro

Amanda Pupo

17/04/2019

 

 

O presidente Jair Bolsonaro usou as redes sociais, ontem, para defender a “liberdade de expressão” que considera “direito legítimo e inviolável”, criticando, indiretamente, a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que determinou a busca e apreensão na casa do general da reserva Paulo Chagas, que foi candidato ao governo do Distrito Federal.

“Acredito no Brasil e em suas instituições e respeito a autonomia dos Poderes, como escrito em nossa Constituição. São princípios indispensáveis para uma democracia. Dito isso, minha posição sempre será favorável à liberdade de expressão, direito legítimo e inviolável", afirmou Bolsonaro em sua rede social.

Chagas é um dos sete investigados em inquérito aberto pelo Supremo por supostos ataques à honra dos ministros da Corte. Além da busca na casa do general e das outras seis pessoas, o ministro Alexandre de Moraes, relator do inquérito, mandou bloquear as redes sociais dos investigados no inquérito sobre as supostas fake news contra seus colegas da Corte.

Bolsonaro não cita o general Paulo Chagas na postagem, mas o episódio provocou “completa indignação” entre militares e ministros que trabalham no Palácio do Planalto, segundo relatos ouvidos pelo Estado. Para um desses militares, ao agir desta forma, o Supremo “esquece o essencial e foca no periférico”. Bolsonaro, evitando confronto direto entre os Poderes, preferiu declarar que acredita na autonomia das instituições no Brasil./  

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Ministro assume disparo de vídeo pró-golde de 64

Mariana Haubert

17/04/2019

 

 

Santos Cruz afirma que divulgação do conteúdo em rede social oficial do governo foi um ‘erro’ de funcionário da pasta

O ministro da Secretaria de Governo, Carlos Alberto Santos Cruz, assumiu ontem a responsabilidade pela divulgação de um vídeo que defendia o golpe militar de 1964 por meio de rede social oficial do Palácio do Planalto.

O conteúdo foi publicado no último dia 31 de março, quando o golpe completou 55 anos. De acordo com Santos Cruz, o disparo do material foi um erro de procedimento interno da Secretaria de Comunicação da Presidência – a autoria do vídeo já havia sido admitida por um empresário de São Paulo, que afirmou, à época, não ter relação com o Planalto.

“Foi erro de serviço de uma pessoa que não tem nenhuma má-fé no procedimento, e, por isso, eu assumo totalmente a responsabilidade. Eu venho de uma instituição em que o chefe é responsável pelo que acontece e pelo que deixa de acontecer”, disse.

O ministro deu as explicações em audiência pública na Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público da Câmara. O requerimento para convidar Santos Cruz foi apresentado pela deputada Érika Kokay (PT-DF).

O militar afirmou que um funcionário recebeu o vídeo e repassou para o servidor responsável pelas postagens na rede social. Este, por sua vez, teria entendido que o vídeo era uma peça oficial e, então, publicou na rede oficial.

“Ontem, fiz uma reunião com todos os funcionários da Secom. Foi um funcionário com 26 anos de serviço. Trabalhou com governo Itamar, governo do Lula, da Dilma. Não tem nenhuma conotação ideológica, não foi uma coisa proposital. Tranquilamente um erro operacional do serviço sem nenhuma ideia de divulgação por motivação ideológica”, disse.

Aos deputados, o ministro afirmou que só viu o vídeo completo hoje e disse que no dia em que ele foi distribuído, chegou a achar que era conteúdo sobre a reforma da Previdência.

Na época, a divulgação do vídeo foi duramente criticada até mesmo por aliados do governo.

Comunismo. A narrativa do material usa a mesma definição adotada pelo presidente Jair Bolsonaro e alguns de seus ministros militares para classificar o fato histórico. Para eles, a derrubada de João Goulart do poder, que marcou o início do período de 21 anos de ditadura militar no Brasil, foi apenas um movimento para conter o avanço do comunismo no País. “O Exército nos salvou. O Exército nos salvou. Não há como negar. E tudo isso aconteceu num dia comum de hoje, um 31 de março. Não dá para mudar a história”, diz o apresentador do vídeo.

‘Erro de serviço’

“Foi erro de serviço de uma pessoa que não tem nenhuma má-fé no procedimento, e, por isso, eu assumo totalmente a responsabilidade. Eu venho de uma instituição em que o chefe é responsável pelo que acontece e pelo que deixa de acontecer”.

Carlos Alberto dos Santos Cruz

MINISTRO

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Depeutados se unem para anistiar Protógenes Queiroz

Naira Trindade

17/04/2019

 

 

Ex-parlamentar perdeu direitos políticos depois que Supremo viu quebra de sigilo funcional na Operação Satiagraha

Asilo. Protógenes alegou correr ‘risco’ e mora hoje na Suíça

O PSL articula na Câmara a aprovação de um projeto de lei que concede anistia ao ex-deputado e ex-delegado Protógenes Queiroz, responsável pela Operação Satiagraha, devolvendo seus direitos políticos e sua função na Polícia Federal. Apresentado pelo deputado federal Coronel Tadeu (PSL-SP), o texto tem a assinatura do deputado Eduardo Bolsonaro, também do PSL de São Paulo.

Além do PSL, vários partidos (PRB, MDB, PP, PT, PCdoB, Podemos e Cidadania) endossaram a proposta de anistia. Na prática, a concessão do benefício anularia uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de 2014, que cassou os direitos políticos de Protógenes e a função de delegado por quebra de sigilo funcional, ou seja, vazamento ilegal de informações. Em 2015, o governo demitiu o então delegado por “transgressões disciplinares”. Em 2016, Protógenes pediu asilo na Suíça, alegando que sua vida “corria risco”.

Empenhado em dar agilidade ao projeto “em uma Câmara renovada de parlamentares”, Coronel Tadeu diz ter recolhido 149 assinaturas (das 171 necessárias) para o requerimento de urgência. Se aprovado, acelera a tramitação da matéria, que assim não precisa passar pelas comissões e segue direto para o plenário, onde precisa de 257 votos para ser aprovada.

“O Congresso se renovou em 50% e muitos dos que foram investigados na Operação Satiagraha não estão mais ocupando mandatos ou cargos públicos. O que quero dizer é que hoje temos menos bandidos (na Câmara) que antes, e isso nos dá mais chance para aprovar esse projeto”, diz o parlamentar de primeiro mandato.

Em geral, os discursos dos deputados que assinaram o documento miram outros personagens. Para a deputada do Podemos Renata Abreu (SP), ou se criam regras para criminalizar “todos” ou “não pune ninguém”. “Se ele é criminoso, tem de criminalizar o (Sérgio) Moro (atual ministro da Justiça) também. Ou pune todo mundo ou não pune ninguém. Não podemos ter uma regra só para alguns. Não podemos deixar fatos acontecendo de forma rotineira no País sem ninguém criticar enquanto uma pessoa perdeu seus direitos por ter feito a mesma coisa”, disse.

O deputado federal Orlando Silva (PCdoB-SP), mesmo partido pelo qual Protógenes foi deputado, também argumenta que a condenação dele é seletiva. “Defendo a anistia de Protógenes porque só ele foi condenado por práticas que são rotina de agentes públicos. Quem observa as decisões judiciais no Brasil percebe que a condenação é seletiva.”

Precedente. Apesar de ter assinado o projeto, o deputado federal Hildo Rocha (MDB-MA) disse que o Congresso pode ter de rever o documento para não abrir precedente para outros casos. “Se for o caso, a gente pode refletir e fazer uma proposta legislativa que evite abrir procedente. Podemos editar um novo texto que seja mais adequado e impeça que essa legislação se estenda a outras pessoas.”

Para o autor da proposta, não haveria necessidade disso. “Não abre precedente, cada anistia é uma luta, se eu entender que existe algum outro caso semelhante ao dele, vou investir no trabalho de anistiar essa pessoa. Anistia é para aquela pessoa”, diz Coronel Tadeu. O deputado diz ter avisado o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, da intenção de colocar o projeto para votação no plenário. A aliados, Maia diz ter resistência ao texto.

Por anular decisão do Supremo, a proposta pode ser considerada uma afronta do Congresso à corte máxima. Procurados, Eduardo Bolsonaro e Protógenes Queiroz não quiseram comentar.

‘Bandidos’

“Muitos dos que foram investigados na Satiagraha não ocupam mandatos. O que quero dizer é que temos menos bandidos (na Câmara) que antes.”

Coronel Tadeu

DEPUTADO FEDERAL (PSL-SP)