O Estado de São Paulo, n. 45834, 14/04/2019. Economia, p. B3

 

Mariana agora vive o temor de um colapso econômico

 

 

 

Fernando Scheller

14/04/2019

 

 

 

Após ser palco da tragédia da Samarco, em 2015, município sente os efeitos da paralisação das minas após o caso Brumadinho

 

FELIPE RAU/ESTADÃO-4/4/2019

Inativa. Mina de Alegria, em Mariana: atividade extrativa paralisada

 

Com a paralisação das minas da Vale em Mariana, os 2,2 mil funcionários da empresa na cidade se dedicam a tarefas de manutenção e segurança. Nas montanhas do entorno do município, não se vê movimentação de caminhões e máquinas pesadas. Esse marasmo se reflete na economia da cidade, que foi palco da tragédia da Samarco, em novembro de 2015, evento que deixou 19 mortos e um impacto ambiental sem precedentes. Com a Vale sem data para voltar a produzir, Mariana vive sob o medo de uma onda de desemprego ainda maior, que pode levá-la ao nocaute.

A gravidade da situação levou a prefeitura a decretar, no fim de março, calamidade financeira. Com arrecadação de R$ 27 milhões ao mês até 2015, o município viu suas receitas caírem a R$ 20 milhões após a paralisação das atividades da Samarco, parceria entre a Vale e a australiana BHP Billiton. Com a parada de toda a atividade minerária em março, a expectativa era de que a arrecadação caísse a R$ 12 milhões. “Não daria nem para pagar a folha”, diz o prefeito Duarte Júnior.

Por ora, Mariana desviou-se da insolvência financeira. A decretação de calamidade – que incluiu o anúncio de cortes nos gastos do município em educação, segurança e saúde – gerou reação rápida da Vale. Dias depois de Duarte Júnior para expor a situação de Mariana, a empresa comprometeu-se a investir R$ 100 milhões para compensar o impacto que a paralisação das minas teria na arrecadação dos municípios mineradores.

No caso de Mariana, 85% da arrecadação da cidade vêm da mineração. Apesar de ser um centro turístico, a atividade só responde por 1,8% da receita. O prefeito admite que o dinheiro da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM), criada pela Constituição de 1988 como um fundo para diversificar a economia dos municípios, acabou não sendo usado para esse fim. Isso agora intensifica o problema das cidades.

Mesmo sem produzir, a Vale se comprometeu não só a repassar R$ 100 milhões a dez prefeituras, mas também a manter os empregos que gera atualmente. Segundo a prefeitura, o desemprego em Mariana é de 19%. Trata-se do triplo do índice da época na qual a Samarco ainda operava. A piora do indicador reflete tanto o fechamento de quase 900 vagas pela mineradora quanto a crise econômica.

 

Tensão. Como não há previsão de retomada das operações, a Vale se comprometeu com a Associação dos Municípios Mineradores de Minas Gerais (Amig) a voltar a debater novos repasses em três meses. Enquanto a situação não se resolve, cresce o temor de desemprego entre os trabalhadores da Vale. O medo se baseia em um precedente: afinal, a Samarco manteve os empregados durante algum tempo, mas, como até hoje não retomou as atividades, acabou fazendo cortes.

O que se vê nos dados da prefeitura se reflete no dia a dia da população – e principalmente no comércio da cidade. A dependência da Vale é tão forte que um dono de farmácia da cidade diz que, com medo de ficarem “visados”, trabalhadores passaram a “racionar” o uso do benefício da empresa que dá descontos de até 70% na compra de medicamentos. “A gente está sentindo muito”, diz ele.

Um dos membros da família proprietária de uma quitanda no centro de Mariana, Douglas Magalhães, de 31 anos, afirma que, em Mariana, “ou a pessoa trabalha na Vale ou no comércio, não tem outra opção”. Segundo ele, desde que a produção da mineradora foi totalmente interrompida, as vendas caíram 40%. “As pessoas estão com medo, é natural.” O açougueiro Antônio Rosivaldo Gomes, 70 anos, também se queixa das vendas. Ele tem uma fórmula para evitar prejuízo: “Não vendo fiado, como fazia meu irmão. Às vezes a máquina de cartão enguiça. A pessoa diz que volta no dia seguinte e não aparece mais.”

A situação de Mariana não tem prazo para ser resolvida, pois depende da liberação técnica das barragens. A renovação da chamada Declaração de Condições de Estabilidade (DCE) está agora sujeita a regras mais duras da Agência Nacional de Mineração (ANM), que passará a fazer vistorias presenciais das barragens – antes, o órgão tomava decisões baseadas em documentos enviados pelas mineradoras.

A Vale diz estar trabalhando “com técnicos e especialistas de renome mundial” para resolver o problema, mas não dá uma data para normalizar a situação.

Por ora, a única opção que resta a Mariana é esperar.