Valor econômico, v. 20, n. 4856, 11/10/2019. Brasil, p. A4

 

Rombo gigante leva Estados a criar reforma própria na Previdência

Daniel Rittner

11/10/2019

 

 

Texto do Departamento de Estado divide opiniões em Brasília

Gerou reações desencontradas no governo Jair Bolsonaro uma carta assinada pelo secretário de Estado americano, Mike Pompeo, com apoio explícito apenas à entrada da Argentina e da Romênia na Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

Na carta, revelada pela agência de notícias Bloomberg e cujo teor foi confirmado pelo Valor, os EUA defendem uma expansão da OCDE em “ritmo comedido”, sem mencionar o Brasil. Isso vai na contramão da declaração pública de apoio do presidente Donald Trump ao Brasil, em visita oficial de Bolsonaro aos EUA, em março.

Horas depois da divulgação da notícia, Trump, no Twitter, chamou de “fake news” a informação de que os Estados Unidos deixaram de apoiar a entrada do Brasil e reiterou seu apoio ao “início do processo de incorporação plena”.

Do lado brasileiro, igualmente pela rede social, Bolsonaro disse que a informação veio da “fake news media”, e o chanceler Ernesto Araújo afirmou que “nova parceria com os EUA está mais forte do que nunca”.

Para um alto funcionário brasileiro que tem acompanhado todo o esforço de adesão do Brasil à OCDE nos últimos anos, essa atitude do Departamento de Estado pode ser considerada frustrante. Nos bastidores, Washington avisou que continua apoiando o Brasil, mas realmente prefere começar pela dupla Argentina-Romênia.

Nenhum outro país, entre os seis candidatos a entrar, já aderiu espontaneamente a tantos instrumentos e normas da organização quanto o Brasil. Peru, Croácia e Bulgária também pleiteiam o ingresso. Chamada frequentemente de “clube dos países ricos”, a OCDE é na verdade uma organização que reúne e tenta espalhar boas práticas entre seus membros. México e Chile são os únicos membros na América Latina.

Para o governo Bolsonaro, a adesão seria importante para impulsionar reformas macroeconômicas e a dinamização dos negócios no Brasil, aumentando a atratividade para investidores estrangeiros. A candidatura foi apresentada oficialmente pela gestão Michel Temer em maio de 2017.

A Casa Branca, segundo fontes, teria avisado o Brasil de que a defesa de entrada antes da Argentina - explicitada na carta - visa empurrar a reeleição de Mauricio Macri, que busca um novo mandato nas eleições deste mês. Há enormes dúvidas, inclusive, se a vitória de Alberto Fernández-Cristina Kirchner faria Buenos Aires desistir de sua candidatura. O novo governo começa em dezembro.

Um integrante da equipe econômica minimiza a carta de Pompeo e garante que o apoio americano continua sendo indiscutível, sem nenhum recuo em relação à postura anunciada por Trump. “É como se três ou quatro amigos combinassem de jantar em um restaurante e, quando chegam, há uma briga do maître com o garçom e ninguém pode sentar.”

A metáfora serve para ilustrar a disputa conceitual entre EUA e União Europeia sobre o futuro da OCDE. Washington acha que a organização está ficando inchada e sob influência crescente da Europa. Por isso, prefere uma ampliação moderada e quer dar uma “forcinha” para Macri, que tem excelente relação pessoal com Trump.

Já a UE luta por uma expansão de dois em dois. Para cada não europeu, um do próprio continente. Ángel Gurría, atual secretário-geral da OCDE e com mandato terminando em 2020, propôs em maio uma expansão gradual. O “Plano Gurría” começava com a Argentina, seguiria com a Romênia e continuaria com o Brasil. As outras candidaturas ficariam em aberto.

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Previdência reforça exigência de reforma administrativa

Fabio Graner 

11/10/2019

 

 

Avaliação do governo é que sistemática atual das carreiras do setor público faz muitos servidores chegarem ao topo salarial rapidamente

As novas regras da Previdência, em vias de serem aprovadas pelo Congresso, reforçam a necessidade e urgência de uma reforma administrativa, segundo avaliações internas do governo. O argumento é que, na sistemática atual das carreiras do setor público, muitos servidores rapidamente chegam ao topo salarial. Com a reforma da Previdência, estes devem se aposentar mais tarde, com 65 anos. Se as regras de promoção não forem revistas, os funcionários públicos ficarão muito mais tempo recebendo o teto de suas carreiras.

Além de impor um elevado custo salarial para a União por mais tempo, esse quadro tende a desestimular a já baixa produtividade do serviço público. Afinal, chegando ao topo salarial ainda no meio da carreira, a tendência é que as pessoas se acomodem. “A situação já era grave com as pessoas se aposentando cedo, aos 52, 55 anos, agora aumenta a urgência porque o servidor poderá ficar mais de 20 anos recebendo o maior salário”, diz uma fonte.

Esse é um dos fatores que reforçam a opção do governo por enviar ao Congresso medidas como a elevação da distância entre salários iniciais e finais dos servidores e maior prazo para progressões dentro das diversas carreiras.

O governo enxerga a rápida ascensão salarial dos servidores, que hoje levam entre dez e 15 anos para atingir o pico salarial, com uma verdadeira “disfunção”. Além da velocidade, existe o problema de que esse processo de promoção pouco segue critérios realmente de mérito. “Todo mundo chega de forma inercial no topo da carreira, não precisa se empenhar para isso”, comenta a fonte. “Hoje, menos de 4% dos servidores estão em carreiras com amplitude de 30 anos [entre salário inicial e final]”.

O Banco Mundial divulgou estudo com uma radiografia sobre a folha de pagamentos do setor público, mostrando entre outras coisas os excessos remuneratórios e promoções sem mérito. O governo fez estudo próprio que chegou a conclusões semelhantes, inclusive sobre o fato de que o grande volume de aposentadorias de funcionários previsto representa uma janela de oportunidade para mudar o sistema atual.

A fonte explica que a reforma da Previdência também afeta esse quadro, ao fomentar uma antecipação de aposentadorias. Neste ano, até agosto, mais de 28 mil requisitaram a inatividade, número quase 50% superior ao verificado em todo o ano de 2018 e marca recorde da série. Ou seja, a janela para a reforma administrativa está sendo antecipada.

Para o governo, além do diagnóstico sobre remuneração e promoções, o grande problema é a enorme multiplicidade de planos, carreiras e cargos, com muita fragmentação e sobreposição. Além disso, são muitas as carreiras que fazem a mesma coisa em órgãos diferentes, recebendo remunerações diferentes, sem mobilidade dentro da administração federal. Na contabilidade do governo, são 117 carreiras. “É absolutamente inadministrável”, diz a fonte.

Assim, o governo quer, na reforma, extinguir carreiras de nível auxiliar e priorizar as nível superior, mas reduzindo drasticamente a quantidade delas. A intenção é criar carreiras que possam atender qualquer ministério, a partir de uma gestão da folha de pagamentos mais eficiente, que identifique as necessidades de cada momento.

A equipe econômica estuda modelos como a possibilidade de entrada em meio de carreira (“entrada lateral”), como já propôs o Banco Mundial. Não é tão simples, explica a fonte, mas o caminho está sendo estudado como forma de atrair trabalhadores qualificados do setor privado sem que se tenha que reiniciar no serviço público.

As mudanças podem ser feitas por projeto de lei ou por lei complementar, caso o governo opte politicamente por também contemplar os Estados na reforma administrativa, decisão que ainda não está tomada.

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Decisão do STF sobre divisão de royalties independe de votação no Congresso

Luísa Martins

11/10/2019

 

 

Supremo julga no dia 20 liminar que suspendeu as novas regras

Marcado para o dia 20 de novembro, o julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a liminar que suspendeu as novas regras de divisão dos royalties do petróleo independe dos debates sobre a cessão onerosa no Congresso Nacional.

Na terça-feira, a Câmara dos Deputados aprovou o projeto de lei que destina 33% dos R$ 106 bilhões estimados para o leilão da cessão onerosa do pré-sal para Estados e municípios. O texto segue para análise do Senado Federal, o que deve acontecer já na próxima semana.

O caso discutido no Legislativo é relativo a um leilão de seis campos da Bacia de Santos (Atapu, Búzios, Itapu e Sépia), um território de 1.385 metros quadrados. O certame está agendado para o dia 6 de novembro.

Já no Supremo, o objeto é mais amplo. Os ministros vão decidir se confirmam ou revogam a liminar concedida em 2013 pela ministra Cármen Lúcia (relatora) para suspender um trecho da Lei dos Royalties que tratava sobre os critérios de distribuição.

De acordo com a norma sancionada no ano anterior pela então presidente Dilma Rousseff, a lei aumentaria os recursos destinados a Estados não produtores de petróleo, reduzindo os ganhos das regiões produtoras.

Ao analisar o caso, Cármen entendeu que esse fragmento da lei causava prejuízo ao direito adquirido dos Estados produtores. Com a decisão da ministra, voltou a valer o método anterior de divisão, que favorecia essas unidades de federação.

O governo do Rio de Janeiro, um dos maiores produtores de petróleo do Brasil, aguarda um retorno de Cármen Lúcia sobre um pedido de protelação do julgamento. Na quarta, o governador Wilson Witzel solicitou ao STF que não analise o caso pelo menos nos próximos seis meses, para que haja uma tentativa de conciliação entre os estados.

Segundo Witzel, se o Supremo eventualmente revogar a liminar e manter a constitucionalidade da lei, o impacto financeiro nas contas fluminenses seria superior a R$ 100 bilhões, “causando, portanto, a quebra do Estado”.

Nesta semana, ao decidirem manter a obrigatoriedade de os Estados produtores repassarem 25% dos royalties recebidos a todos os municípios de seu território, ministros da corte deram indícios de como devem votar quando o caso chegar ao plenário.

O ministro Edson Fachin, por exemplo, sustentou que os royalties são da União, cabendo ao governo federal a decisão sobre a melhor forma de distribuição. Já os ministros Luís Roberto Barroso, Dias Toffoli (presidente do tribunal) e Luiz Fux sinalizaram que os produtores também podem ser os “donos” da quantia.

A Petrobras e a União fecharam acordo de cessão onerosa em 2010 para que a estatal pudesse explorar de 5 bilhões de barris de petróleo em campos do pré-sal na Bacia de Santos. No entanto, diante da descoberta de que a área continha mais que o triplo do volume estabelecido em contrato, o governo decidiu leiloar esse excedente - a estimativa é a de que o certame renda R$ 100 bilhões ao erário.