O Estado de São Paulo, n. 45837, 17/04/2019. Economia, p. B2

 

Pacote tenta conter caminhoneiros

Tânia Monteiro

Lorenna Rodrigues

Amanda Pupo

17/04/2019

 

 

 Recorte capturado

Governo anuncia crédito de R$ 500 milhões e mais R$ 2 bilhões para manutenção de estradas; categoria fica insatisfeita com as medidas

Na tentativa de atender às demandas dos caminhoneiros, que ameaçam nova paralisação, o governo federal anunciou uma série de medidas em favor da categoria, depois de o presidente Jair Bolsonaro determinar o cancelamento do aumento do diesel pela Petrobrás. O problema é que os caminhoneiros aparentemente não concordaram com o governo e acham que as medidas são apenas uma forma de protelar a greve que eles estão discutindo há alguns dias .

Entre as medidas, está a liberação de R$ 500 milhões para quem tem até dois caminhões, em financiamentos com recursos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), em uma linha de crédito para manutenção dos veículos. Cada motorista terá direito a em empréstimo de até R$ 30 mil, mas as condições de crédito, como as taxas de juros e o prazo para pagamento, não foram detalhadas.

Recursos. O Ministério de Infraestrutura afirmou também que vai usar R$ 2 bilhões que foram desbloqueados do Orçamento da pasta para a conclusão de obras importantes e manutenção de rodovias consideradas essenciais, como as BR163, que liga o Rio Grande do Sul ao Pará.

O ministro de Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, voltou a falar do cartão caminhoneiro, criado pela Petrobrás em março, para “congelar” o valor do diesel no momento da compra e dar mais previsibilidade aos motoristas. O produto, porém, ainda está sendo desenvolvido pela BR Distribuidora, a empresa de combustíveis da Petrobrás. Ao anunciá-lo em março, a empresa disse que o lançaria em 90 dias.

Ainda entre as medidas, o governo quer construir uma referência de piso para o preço do frete rodoviário. Depois da paralisação de maio do ano passado – na qual houve crise de abastecimento em todo o País –, o governo do ex-presidente Michel Temer chegou a propor uma tabela de frete, mas a medida enfrenta uma batalha judicial e ainda deve ser analisada pelos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Indústria e agronegócio afirmam que o tabelamento é inconstitucional.

“A discussão do frete é uma coisa na qual todos têm razão, embarcador e caminhoneiro: o embarcador paga caro e o caminhoneiro ganha pouco”, afirmou Freitas. “Onde está o dinheiro?”

Paradas. O governo também se comprometeu a incluir nas novas concessões de rodovias federais pontos de paradas obrigatórias e construir esses lugares, nos quais os caminhoneiros podem parar para dormir e cozinhar. A iniciativa seria levada também às rodovias já concedidas. Também foram anunciadas medidas de desburocratização, como a entrada em vigor neste mês do documento eletrônico de transporte e a prorrogação de cinco para dez anos da validade das carteiras de motoristas, a CNH (Carteira Nacional de Habilitação).

Além da BR-163 que prometeu pavimentar até Miritituba (PA), Freitas anunciou também que o governo vai recuperar trecho da BR-135 (de Estiva a Bacabeira, no Maranhão), duplicação da BR-101 (BA) e 116 (RS).

“Não se trata de ficar refém (dos caminhoneiros). Eles pedem tão pouco: condição de estrada boa, poder descansar onde tenham segurança. O que custa atender a esse pleito? Vontade”, disse Freitas.

O ministro considerou os pleitos “justos” e salientou que foram “construídos na base do diálogo”.

Pontos de parada

O governo se comprometeu a incluir nas novas concessões de rodovias pontos de paradas e construir esses lugares, onde os caminhoneiros podem parar para dormir e cozinhar.

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No WhatsApp. medidas criam uma rebelião de motoristas

Renée Pereira

17/04/2019

 

 

Os caminhoneiros perderam a paciência ontem nos grupos de WhatsApp, após o governo anunciar o pacote para ajudar o setor. As medidas, tomadas especialmente para evitar nova paralisação, surtiram efeito contrário e reforçaram a articulação de uma greve em maio – quando completará um ano da manifestação que parou o País por dez dias. Alguns falam no dia 21 de maio, caso não haja nenhuma melhoria.

Os motoristas viram o plano como “cortina de fumaça” e uma forma de protelar uma nova greve. Para eles, liberar crédito para uma categoria em crise financeira por causa da escassez de frete não resolve e pode criar novos problemas com o aumento do endividamento. “Estão dando a corda para gente se enforcar”, dizia um deles num grupo de WhatsApp. Outro caminhoneiro emendou: “Pode colocar pneu novo, motor novo, mas se não tiver carga para carregar, não adianta nada. A economia precisa melhorar.”

Na avaliação de Ivar Luiz Schmidt, representante do Comando Nacional dos Transportes (CNT), as medidas anunciadas mais provocaram rebelião entre os motoristas do que ajudaram. Segundo ele, a maioria dos motoristas hoje está endividada e com o nome sujo na praça, o que dificulta a liberação de novos empréstimos.

Aldacir Cadore, outra liderança do CNT na região de Brasília, afirma ainda que o volume de crédito que será liberado conseguiria atender apenas 16 mil caminhoneiros. “Somos mais de dois milhões no País”, diz ele, que não compreende o motivo de o governo ter lançado medidas tão inapropriadas para o cenário delicado da categoria.

“Percebemos que o setor tem tido portas abertas no governo para levar suas reivindicações, mas as medidas que saem do gabinete não atendem nossos pleitos”, diz. Ele cita como exemplo o cartão combustível lançado recentemente para compra antecipada de diesel. “Não temos dinheiro nem para comprar o combustível da viagem, como vamos antecipar compra do óleo?”, questiona.

Coragem. Cadore diz que, nos vários grupos de WhatsApp dos quais participa, o clima esquentou após a divulgação das medidas. “Não sou a favor de greve, mas diante da atual situação não tenho coragem de pedir paciência para ninguém”, afirma. “O povo só se revoltou com as medidas.” Em áudio nas redes sociais, outro representante da categoria, Wanderlei Alves, conhecido como Dedeco, mandou o governo montar o gabinete de crise porque a greve vai ocorrer dia 21 de maio ou antes disso.

Mais ponderado, Schmidt, do CNT, afirma que o governo tem ferramentas prontas para ajudar os caminhoneiros. Segundo ele, a lei da jornada de trabalho existe desde 2012, mas não é colocada em prática. “Se houvesse fiscalização nas estradas pela Polícia Rodoviária Federal, em 30 dias os problemas estariam resolvidos.” Ele afirma que hoje há cerca de 300 mil caminhões sobrando no mercado.

Diante das medidas, os caminhoneiros se articulam para criar uma nova liderança para negociar com o governo. Hoje, eles não se sentem representados. Nas conversas de WhatsApp, os motoristas reconhecem os danos que seriam causados por uma nova greve e buscam alternativas. Mas deixam claro que não vão ficar quietos se os problemas persistirem.