O Estado de São Paulo, n. 45837, 17/04/2019. Economia, p. B4

 

'Petrobrás define preço do diesel', diz Guedes

Lorenna Rodrigues

Amanda Pupo

Felipe Frazão

17/04/2019

 

 

Jair Bolsonaro afirma que ‘não quer e não tem o direito de interferir na estatal’

Preços. Guedes afirmou que Petrobrás é independente

Depois da forte reação do mercado à suspensão do reajuste do diesel a pedido do presidente Jair Bolsonaro, o governo saiu a campo ontem para transmitir a imagem de que a Petrobrás é livre para definir o momento e o valor da alta no preço do diesel.

“É a Petrobrás quem decide reajuste, não é ministro da Economia ou presidente da República. A Petrobrás é realmente independente para estabelecer o preço de petróleo”, disse o ministro da Economia, Paulo Guedes. Ele e o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, se reuniram com o presidente no Planalto para discutir a política de preços de combustíveis da companhia. Na semana passada, a Petrobrás anunciou reajuste de 5,7% no preço do diesel, mas Bolsonaro determinou a suspensão da alta.

“É ela (Petrobrás) quem tem que decidir. É realmente independente para estabelecer o preço do combustível”, declarou Guedes, em entrevista coletiva após o encontro com o presidente. Apesar disso, o ministro admitiu que a política de reajustes atual não é suficientemente transparente e disse que mudanças estão em estudo.

Com o risco de uma nova greve de caminhoneiros batendo à porta, tanto a Petrobrás quanto o governo estudam como amenizar o impacto dos reajustes constantes para a categoria. Guedes disse que estão em estudo várias alternativas, entre elas indexar o preço do frete ao valor do diesel. Citou que essa é a política utilizada nos EUA.

O ministro afirmou que o próprio governo vem estudando alternativas e que, se houvesse uma alta muito grande nos preços dos combustíveis, poderia, por exemplo, reduzir impostos. “Isso tem um preço. Vai cortar de onde? Da saúde para dar para o caminhoneiro?”, questionou.

Interferência. Segundo o porta-voz da República, Otávio Rêgo Barros, Bolsonaro abriu o encontro dizendo que “não quer e não tem o direito de intervir na Petrobrás”. “Frase que nosso presidente disse logo no início da reunião: eu não quero e não posso intervir na Petrobrás, por questões de conceito, eu não posso por questões legais e até mesmo políticas”, afirmou Barros.

Guedes disse considerar natural que o presidente peça esclarecimentos e que Bolsonaro e tem preocupações maiores do que só com o mercado. Segundo ele, Bolsonaro questionou, em telefonema a Castello Branco (presidente da Petrobrás), se estavam “jogando diesel” no seu “chope”, enquanto o governo comemorava 100 dias de gestão. “O presidente pediu para que explicássemos o aumento, não foi decisão de política econômica que ele tomou. Se fosse para criar regra de política nova, presidente teria conversado comigo”, disse ainda.

O ministro da Economia ressaltou, porém, que a dimensão econômica dessas interferências tem de ser considerada até mesmo para não atrapalhar os futuros leilões de petróleo. “Temos R$ 1 trilhão para sair do pré-sal, se manipular preço, todo processo é afetado”, completou. “Não queremos ser governo que manipula política de preços, como no passado”.

Depois da reunião, Guedes disse não saber se a Petrobrás manterá o reajuste de 5,7% que seria dado na semana passada. Procurada, a petroleira não se manifestou. Guedes disse que a estatal poderá fazer reajustes menores em intervalos mais curtos ou aumentar o preço de uma só vez.

Segundo Albuquerque, o valor do diesel praticado nos postos do País é 12% menor do que a média internacional.

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Caminhoneiros goleam por 7 a 1

João Domingos

17/04/2019

 

 

Uns dizem que o governo de Jair Bolsonaro se tornou refém do movimento dos caminhoneiros. Outros que, ao contrário do que ocorreu há menos de um ano, quando o então presidente Michel Temer foi pego de surpresa pelo bloqueio de estradas, o serviço de inteligência do atual governo, comandado pelo general Augusto Heleno, detectou a movimentação dos caminhoneiros e possibilitou ao presidente agir antes que o tumulto se instalasse.

O certo é que no governo de Bolsonaro os caminhoneiros têm ganhado de goleada de qualquer outra categoria. Digamos que uns

7 a 1, só para lembrar a goleada que a seleção brasileira de futebol tomou da Alemanha na Copa de 2014, a fracassada “Copa das Copas”, como a chamou a então presidente Dilma Rousseff antes do vexame.

O fato é que os caminhoneiros conseguiram tudo o que pediram. Se é que pediram tudo o que já conseguiram de Bolsonaro, se não a decisão em si, pelo menos a promessa: 40 pontos negativos na Carteira de Habilitação em vez dos 20 atuais, retirada dos radares que medem o excesso de velocidade nas estradas federais, não ao reajuste superior a 5% no preço do diesel, linha de crédito do BNDES para manutenção de caminhões, R$ 2 bilhões do Ministério da Infraestrutura para a conclusão de obras importantes e manutenção de rodovias tidas como essenciais, e de fato são, como as BR163, BR-101 e BR-116.

A respeito dessas rodovias, é bom lembrar que não tem uma vez em que as chuvas ou a precária infraestrutura de estradas no Brasil ameaça o transporte de grãos que um governo não se lembre delas. Depois, as chuvas se vão, os atoleiros acabam, os caminhões carregados de soja enfim chegam a seus destinos e o assunto é esquecido.

Quanto à força dos caminhoneiros no governo de Bolsonaro, não se deve subestimála. Uma boa parte deles deu apoio à campanha do atual presidente, seja pelas redes sociais, seja por carregar faixas com propaganda do então candidato do PSL. O próprio Bolsonaro estabeleceu linhas diretas com os caminhoneiros logo depois do bloqueio das estradas no final de maio passado. Esse movimento que paralisou o País foi muito bem compreendido por Bolsonaro, que soube tirar dele o máximo de proveito eleitoral.

Portanto, quando interveio na Petrobrás para impedir aumento superior a 5% no preço do diesel, sob o argumento de que a inflação anual não tinha chegado a tanto, Bolsonaro fez um gesto de agradecimento a uma categoria que muito o ajudou a chegar ao Planalto. Não interessa se quebrou preceitos do liberalismo, de não intervenção no mercado. Num momento delicado como o atual, sem uma base de sustentação no Congresso e com as instituições numa guerra ferrenha, bloqueios de rodovias podem se tornar um pesadelo de consequências imprevisíveis logo no início do governo.