O Estado de São Paulo, n.45848, 28/04/2019. Política, p. A6

 

CIA sabotou ação contra Chacal na França 

Marcelo Godoy 

28/04/2019

 

 

Ele era o terrorista mais procurado do mundo. O venezuelano Ilich Ramírez Sánchez, conhecido como Carlos, o Chacal, foi salvo pela Agência Central de Inteligência Americana (CIA), que sabotou uma iniciativa da Operação Teseo, braço da Operação Condor criado para assassinar opositores dos regimes militares na América do Sul exilados na Europa.

Documento de 7 de outubro de 1977 sobre a Operação Teseo mostra que a espionagem americana foi informada que uma unidade “composta por um argentino, um chileno e por um uruguaio foi enviada à França no começo de 1977 para caçar Ilich Ramírez Sánchez”. As quatro linhas seguintes permanecem em sigilo e foram tarjadas pela CIA antes de divulgar o documento.

Mas em outros documentos é possível descobrir o que houve. Datado de 18 de abril de 1977, um relatório diz que o centro de operações de Buenos Aires da Operação Teseo descobriu que a França tinha conhecimento da existência de “objetivos da Operação Condor” pelo menos desde 1976. De fato, em dezembro de 1976 outra equipe com argentinos e uruguaios havia sido enviada à França para tentar matar “terroristas uruguaios”.

Um dos alvos era o sindicalista Hugo Andrés Cores Pérez, que estava exilado em Paris. Peréz já havia sido sequestrado e depois libertado quando estava na Argentina, em 1975. Quando a equipe da Condor/Teseo chegou a sua casa, ele havia deixado o imóvel um dia antes. “A falha foi atribuída pelos militares ao vazamento da informação para os terroristas”, diz a CIA. Mais uma vez, a agência teria feito chegar aos franceses a informação, o que impediu a ação dos militares.

No caso de Chacal, argentinos, uruguaios e chilenos queriam matá-lo porque suspeitavam da participação dele no assassinato do adido militar uruguaio em Paris, o coronel Ramón Trabal, em 1974. Chacal era ligado à Organização Para a Libertação da Palestina (OLP), que, por sua vez, mantinha relações com o movimento esquerdista argentino Montoneros.

Em 23 de setembro de 1980, o Washington Post publicou um artigo com o título CIA conspira para salvar terrorista, sobre o caso. Cópia da reportagem estava arquivada com outros documentos secretos sobre a repressão na Argentina. Na mesma série de documentos, está o telegrama enviado em 18 de agosto de 1976 pelo então subsecretário de Estado para a América Latina, Harry Schlaudeman (gestão do republicano Gerald Ford), aos embaixadores no Uruguai, Argentina, Chile, Paraguai, Brasil e Bolívia, países membros do Condor.

Para cada embaixador foi dada uma recomendação diferente para pressionar os países contra ações fora da América do Sul. Para os embaixadores na Argentina e no Chile foi recomendado que se procurasse pessoalmente os ditadores Jorge Rafael Videla e Augusto Pinochet. Aos argentinos foi dito que ações no exterior teriam um impacto negativo nos esforços de financiamento estrangeiro do ministro da Economia Martínez de Hoz.

Mesmo assim, em 21 de setembro, agentes chilenos fizeram voar pelos ares o carro em que estava o ex-chanceler socialista Orlando Letelier, em Washington. No atentado, além de Letelier, morreu sua secretária americana Ronni Moffitt. Sob fogo do Congresso de maioria democrata, o governo Ford teve de reagir. E, assim, Chacal e os uruguaios foram salvos. Ele só seria preso em 1994, no Sudão, e transferido para a França, onde foi condenado à prisão perpétua pelas mortes de dois policiais e um informante em Paris.

CRONOLOGIA

1974

General assassinado

Em 30 de setembro de 1974, a polícia secreta chilena mata em Buenos Aires, com o uso de um carro-bomba, o general Carlos Prats.

1976

Ex-presidente

O general e ex-presidente da Bolívia Juan José Torres é sequestrado e morto em 2 de junho em Buenos Aires, onde estava exilado.

1976

Carro-bomba

O ex-chanceler chileno Orlando Letelier e sua secretária americana são mortos pela polícia chilena em um atentado em Washington.

1980

Rio

Entre os montoneros sequestrados no Brasil, estão o líder Horácio Campiglia e a militante Monica Pinus de Binstock. Detidos no Rio, eles são mandados para a Argentina, onde são mortos.

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Ligação dos montoneros com MR-8 era vigiada pelo Exército

28/04/2019

 

 

Membros do grupo peronista desapareceram na Argentina após receberem documentos falsos no Brasil

A pista que leva ao desaparecimento, em maio de 1980, de dois integrantes das Tropas Especiais de Infantaria (TEI) dos montoneros que regressaram para a Argentina para contra-atacar o regime militar no país pode ter começado no Brasil. Trata-se do caso dos militantes Federico Frías Rodrigues e Gastón Dillón. Eles e outros integrantes foram pegos em Buenos Aires depois de voltarem para o país passando pela fronteira com o Brasil.

Os montoneros eram parte da esquerda do movimento peronista e mantiveram nos anos 1970 laços com o grupo de esquerda brasileiro MR-8. Frías e Dillón chegaram ao Brasil no começo de 1980 e se hospedaram no Rio na casa de Luiz Rodolfo Viveiros de Castro, que militara no MR-8 de 1968 até o fim dos anos 1970. Castro esteve exilado no Chile e na Argentina, onde conheceu diversos integrantes dos Montoneros. “Eles ajudavam o MR-8 transportando pessoas e materiais para o Brasil”, disse.

Os dois militantes iam participar do chamado Trem da Alegria, a contraofensiva preparada pela organização armada contra o regime militar argentino. Castro providenciou para ambos documentos falsos de identificação argentinos. “Fomos a uma loja de um fotógrafo. Foi difícil convencê-lo a fazer as fotos 3 por 4 com um quarto de perfil, como era exigido nos documentos argentinos.” Castro guarda as fotos até hoje. “Tentei convencê-los a não voltar, que seria suicídio. Não teve jeito.”

Os papéis da CIA mostram que os serviços militares brasileiro e argentino estavam “cooperando para capturar terroristas argentinos”. Além disso, documento da Operação Gringo, feita pelo Centro de Informações do Exército (CIE) em 1979, mostra

que Castro era vigiado por causa desses contatos com suspeitos de pertencer a organizações da esquerda argentina. O nome da operação era uma referência a Elbio Alberione, o Gringo, líder montonero da Seção de Relações Exteriores do grupo.

O relatório n.º 11 da Operação Gringo, de 31 de dezembro de 1979, mostra que o CIE sabia que os montoneros estavam recebendo ajuda para a falsificação de documentos no Brasil. “Foi solicitado apoio ao MR-8”, diz o documento. O Exército tinha conhecimento de que, entre São Paulo e Rio, havia de 130 a 200 guerrilheiros argentinos escondidos, “sendo considerados altamente perigosos”. Depois de preso em Buenos Aires, Frías foi levado a Lima (Peru) em uma operação do Exército argentino que resultou na captura e morte de mais 3 montoneros./ M.G