Correio braziliense, n. 20104, 07/06/2019. Política, p. 4

 

Entrevista - Álvaro Dias: "Sonho é a refundação da República"

Álvaro Dias

07/06/2019

 

 

Na vida pública há 43 anos, o senador Álvaro Dias (Podemos) se diz um defensor da reforma sistêmica da política. Ele pretende enxugar o Estado brasileiro, reduzindo ministérios, secretarias, número de senadores e deputados, partidos, além de extinguir muitas estatais que hoje são tidas como “cabide de empregos”. Mesmo passando por diversos partidos, como MDB, PSDB, PDT e PV, o senador se põe como um crítico da forma atual de se fazer política e ressalta que saiu das siglas por divergências ideológicas, mantendo os seus ideais.

Coloca-se como conhecedor das relações envolvendo o poder; por isso, considera que tem autoridade para combater a velha política. Álvaro Dias ressalta que é preciso um pacto social para a “reformulação da República”, porque, historicamente, o Brasil sempre foi governado por uma minoria que “esflora o esforço coletivo”. Mesmo sendo a favor de privatizações, é contra a venda da Petrobras, do Banco do Brasil e da Caixa Econômica. Na segurança pública, acredita que o porte de armas é um direito de legítima defesa do cidadão.

Disse, ainda, que o investimento na educação básica e infantil será fundamental para revolucionar o ensino no país, assim como maiores incentivos para a ciência e tecnologia. Segundo ele, o atual governo vai deixar uma “herança maldita” para quem assumir o Executivo no próximo ano, sendo necessárias reformas estruturantes.

Por que o senhor quer ser presidente da República?

O nosso sonho é a refundação da República, que hoje mais parece um Império. Nasceu com um gravíssimo defeito de origem: as instituições públicas divorciadas da sociedade. A sensação que passa é de que uma minoria governa o país e esflora o esforço coletivo para preservação dos seus privilégios e de seus elitismos. Nós elaboramos as leis, supostamente em nome do bem e para condenar o mal. Muitas vezes, elas são ignoradas, outras vezes, interpretadas ao sabor de conveniência. Nós só poderemos olhar para nós mesmos, nossas crenças, nossas instituições e pensar na construção de uma grande nação se refundarmos a República.

Há um divórcio entre a sociedade e os políticos a ponto de grupos radicais defenderem a volta da intervenção militar. Como o senhor avalia isso e por que se chegou a esse ponto?

A angústia, o desespero… Nós vivemos uma tragédia política. O Brasil foi empurrado para um caos administrativo. Há, hoje, 52 milhões de brasileiros abaixo da linha da pobreza numa nação fantasticamente rica. As potencialidades econômicas extraordinárias contrastando com a pobreza imensa e provocando essa revolta latente. Evidentemente, esses extremismos não nos levam a nada e afundam ainda mais a nação. O que nós estamos propondo é um pacto nacional, que envolva os políticos de bem. Só não participarão aqueles que são do time do quanto pior, melhor, mas aqueles que pensam no futuro do Brasil são convocados para um pacto nacional suprapartidário envolvendo sindicatos, associações, instituições, entidades.

O senhor defendeu a redução do número de deputados e senadores. Qual seria o número ideal?

Essa nossa proposta, que começa em 1999, vem no contexto da refundação da República, que exige um conjunto de reformas para a substituição desses sistemas: político e de governança, que é corrupto, incompetente, incapaz e levou o país a mergulhar em dificuldades. Nós temos de reduzir o Senado em cerca de um terço. Em vez de três senadores por estado, dois. A Câmara dos Deputados seria reduzida, mas, sobretudo, se estabeleceria a proporcionalidade da representação, porque hoje há uma flagrante distorção. Para exemplificar, Roraima tem um deputado que fala por 50 mil habitantes. São Paulo tem um deputado fala por mais de 500 mil habitantes. Há um desequilíbrio. Reduziríamos em mais de 20% a Câmara dos Deputados e, proporcionalmente, as Assembleias Legislativas e as Câmaras de Vereadores.

Mas isso precisa ser aprovado pelo Congresso…

Com esse Congresso ou com outro, mas, sobretudo, com essa sociedade, exigência e sentimento que habita o inconsciente coletivo. É irreversível esse sentimento de mudança. Ou nós mudamos ou seremos atropelados. Não é uma questão de medo, é uma questão de inteligência. Basta que se eleja um presidente competente, obviamente, corajoso para obter mudanças, e com capacidade de comunicação para convencer a sociedade de que essas mudanças são adequadas, necessárias e imprescindíveis em relação ao futuro.

Em relação ao número de partidos, o senhor reduziria? O senhor, que passou por MDB, PST, PP, PSDB, PDT, depois, volta pelo PSDB, PV e Podemos agora. Não é muito partido para uma vida pública?

Isso pode soar contraditório, mas, na verdade, é coerente. Eu nunca mudei de partido. Eu busquei um partido. Até hoje não encontrei. Hoje estou num movimento chamado Podemos. Espero que um dia se torne um partido político, se um dia fizermos essa reforma de redução do número de partidos representados. Nós hoje temos uma fábrica de siglas sem o exercício da democracia partidária. Temos 35 registradas oficialmente e mais 73 na fila de espera. Como reduzir? Com a cláusula de barreira, de desempenho.

O senhor defende a privatização da Petrobras, do Banco do Brasil, da Caixa Econômica Federal e da Eletrobras?

São 146 empresas estatais, 38% criadas nos governos do PT, quase sempre como cabide de empregos. Nós nem conhecemos muitas dessas empresas, mas elas existem e custam caro. Quem paga a conta é o contribuinte. Então, é inevitável um programa de privatização. Primeiramente, com um estágio de revalorização dessas empresas, diante da corrupção e incompetência. Precisamos valorizá-las para, depois, colocá-las em leilão. Mais do que uma empresa, a Petrobras é uma instituição, assim como o Banco do Brasil, a Caixa Econômica Federal e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). São instituições fundamentais para permitir que não sejamos inteiramente reféns do sistema financeiro privado. São essenciais para alavancagem do nosso desenvolvimento. Não cogitamos privatizá-las.

A União é o ente que menos investe na educação. O senhor é a favor de federalizar o ensino básico?

O Plano Nacional de Educação foi feito, aprovado pelo Congresso, sancionado pelo presidente da República e ignorado como outras legislações do país. Lá, se coloca 10% do PIB para a educação. Hoje, nós estamos próximos de 6%. Lá, fala-se em formação, em valorização salarial do professor. O professor deveria ganhar igual a profissionais como médico, engenheiro. No entanto, nós sabemos quanto ganha. Não se trata de federalizar a educação, mas rediscutir os orçamentos. Do nosso ponto de vista, o essencial é a educação infantil. Em segundo lugar, o ensino fundamental, com foco no ensino integral, especialmente ensino técnico. E, aí, vem o ensino superior.

Mas quem pode pagar? O senhor acha que tem de pagar?

Exatamente, essa é uma questão que nós temos de legislar a respeito. Obviamente, sou favorável à cota social, ou seja, para os originários da escola pública, um espaço assegurado e gratuito no ensino superior. É preciso estabelecer, na legislação, a prerrogativa de se cobrar em função da declaração do Imposto de Renda.

Queria que o senhor comentasse rapidamente qual é o seu projeto de reforma tributária e também a sua proposta para a da Previdência.

A reforma tributária é a grande reforma. Se há vários sonhos na refundação da República, um sonho prevalente certamente é o da reforma tributária, mas um modelo competente, capaz de promover crescimento econômico, com geração de emprego. Uma reforma inteligente, com base na proposta do (Luiz Carlos) Hauly (deputado do PSDB-PR), mas o importante é a simplificação desse modelo. Nós temos mais de 70 impostos, contribuições sociais, alíquotas, emolumentos, taxas etc. Nós vamos reduzir significativamente isso. Dá para falar em imposto quase único. O IVA (Imposto de Valor Agregado), que é uma proposta do relator Hauly, que envolverá o ICMS, ISS, mexendo com a guerra fiscal. O essencial é que seja o modelo progressivo, tributando menos no consumo, mais na renda, isentando áreas essenciais como cesta básica, medicamentos, sobretudo na faixa de idosos.

E com relação à reforma previdenciária?

Outra reforma essencial. A arrumação das contas públicas será o desafio mais urgente. O próximo presidente herda uma herança maldita. O atual governo não fez reformas estruturais; por isso, hoje se discute a revisão da política de teto, da lei de gastos, porque será inviável o cumprimento da lei de teto de gastos. A regra de ouro está sendo descumprida. Nós vamos ter um deficit de 2014 a 2020 de R$ 800 bilhões, sem correção, isso é muita coisa. Fizeram muito mal ao Brasil. A reforma da previdência vem no contexto de todas essas reformas.

Qual seria a proposta sobre o porte de armas no Brasil?

Como democrata, devo respeitar a opinião pública, que é soberana. Tivemos plebiscito, 63,9% da população escolheu que devemos vender armas no país. O brasileiro quer porte de armas e temos de possibilitar isso, mas não elimina a responsabilidade do Estado de oferecer segurança à população. Porte de arma não e política de segurança. É um direito do cidadão, de legítima defesa.

Qual é a diferença da eleição de 2018 em relação às anteriores?

A descrença é a marca. A superação disso é o primeiro grande desafio. Essa será a eleição mais importante desde a redemocratização. Imagino que a competição vai estimular uma participação mais direta do eleitor brasileiro no processo, e essa eleição será a mais parecida com a de 1989. As estruturas perderão para o conceito, para a imagem. O eleitor está focado em experiência administrativa e em passado limpo.

Frase

"Nós vivemos uma tragédia política. O Brasil foi empurrado para um caos administrativo”

Perfil

Álvaro Fernandes Dias (Podemos)

»  Formado na Universidade Estadual de Londrina

»  Atua como historiador e professor

»  Nasceu em 7 de dezembro de 1944, na cidade de Quatá (SP)

Histórico

»  Senador do Paraná (de 1999 a atualmente)

»  Deputado federal pelo Paraná (de 1975 a 1983)

»  Deputado estadual pelo Paraná (de 1971 a 1975)

»  49º Governador do Paraná (de 1987 a 1991)

»  Vereador por Londrina (de 1969 a 1971)