O Estado de São Paulo, n. 45846, 26/04/2019. Economia, p. B4

 

Guedes pode aceitar reforma de R$ 800 bi

Andreza Matais

26/04/2019

 

 

Afirmação foi feita em café da manhã com jornalistas; mais tarde, presidente voltou atrás e disse que não existe um ‘mínimo’

Marca. Assessores de Guedes destacam que R$ 800 bi é ‘mínimo’ apontado pelo mercado

Em café da manhã com jornalistas no Palácio do Planalto, ontem, o presidente Jair Bolsonaro disse que o ministro da Economia, Paulo Guedes, aceita uma economia de R$ 800 bilhões em dez anos com a reforma da Previdência e fez uma defesa contundente pela sua aprovação: “O navio está no rumo da reforma; se não der certo, o caos vai se instalar porque ninguém mais vai confiar no Brasil.”

À tarde, o presidente voltou atrás e disse que não existe um dado mínimo e que Guedes fala de uma economia em torno de R$ 1,1 trilhão. Desde a apresentação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC), o ministro vem defendendo a cifra.

“Eu gostaria que a nossa proposta saísse na ponta da linha como entrou. Mas nós sabemos até pela minha experiência de sete legislaturas que haverá mudanças. Agora, não existe um dado mínimo”, disse corrigindo a afirmação.

O presidente reiterou que agora “a bola está com o Parlamento, mas que tem gente que acha que o governo deve interferir”. Sem abrir a estratégia de conversas com o Congresso, apenas disse que, da parte do governo, o que se fará é mapear os parlamentares e fazer um trabalho junto a eles.

Sobre a economia com a reforma, o secretário especial de Previdência e Trabalho, Rogério Marinho, reafirmou que o governo vai defender a proposta “na sua integralidade” durante as discussões na comissão especial, mas que respeitará o Parlamento e eventuais mudanças. Ontem, o ministério apresentou um documento com os dados de impacto da reforma, mostrando uma economia fiscal total de R$ 1,236 trilhão em dez anos.

Guedes mantém a confiança na capacidade de construir uma negociação que garanta a economia de “pelo menos R$ 1 trilhão”, na avaliação da equipe econômica. Assessores do ministro destacam, porém, que o valor de R$ 800 bilhões está em linha com o que o mercado avalia que seja o “mínimo” para garantir uma boa reforma.

Dois dias após a admissibilidade da nova Previdência ter passado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara por 48 votos a favor e 18 contrários, o presidente falou que o placar o surpreendeu positivamente, mas se queixou do comportamento do mercado financeiro, que ainda vê incertezas com a reforma.

Vende tudo. O presidente também admitiu na conversa com os jornalistas que o governo pode “encaminhar para a privatização mais ampla da Petrobrás”, mas observou que dará um passo de cada vez, dando como exemplo as refinarias, que devem ser vendidas primeiro.

A Petrobrás estuda o desinvestimento de vários ativos, entre eles as refinarias. No final de fevereiro, o presidente da estatal, Roberto Castello Branco, disse que empresa pretende vender até 100% de alguns ativos de refino.

Sobre os preços dos combustíveis, que gerou polêmica quando o presidente pediu para segurar o reajuste do diesel, Bolsonaro atribuiu a alta ao ICMS, cobrado pelos Estados. “O grande problema é o ICMS, mas a pancada quem leva é o governo federal.”

Bolsonaro disse ainda que a Medida Provisória (MP) da liberdade econômica está pronta e deve sair nos próximos dias. A MP, já anunciada pelo governo, terá como objetivo desburocratizar e reduzir custos, destravando a economia e tirando amarras das empresas para fazer negócios. “Ela (MP) simplifica, desburocratiza, tira o governo do cangote do cidadão”, afirmou o presidente.

Bolsonaro também anunciou que o governo enviará ao Congresso um projeto de lei sobre agentes financeiros dos municípios. “Quem emprestava dinheiro como agiota terá de declarar”, disse, sem detalhar o teor do projeto.

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Indicação do relator da reforma desgrada a liderança do Centrão

Idiana Tomazelli

Adriana Fernandes

Mariana Haubert

Camila Turtelli

26/04/2019

 

 

Com definição de Samuel Moreira (PSDB-SP) para a função, parte do grupo de partidos ameaça travar pauta dos Estados

A escolha feita para a relatoria da reforma da Previdência na Comissão Especial, que começou a funcionar ontem na Câmara, desagradou a lideranças do Centrão. A definição de Samuel Moreira (PSDB-SP) para a função contrariou integrantes do bloco de partidos do qual faz parte o próprio DEM do presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), a quem cabia a decisão da relatoria.

Por outro lado, Maia deixou a presidência do colegiado para o deputado Marcelo Ramos (PRAM), que tinha o apoio de líderes e caciques do Congresso. Para a líder do governo no Congresso, Joice Hasselmann (PSL-SP), porém, essas escolhas permitem fazer uma costura maior com os partidos políticos e é um “ótimo começo” para avançar no diálogo com os parlamentares.

Na medição de forças que sucedeu a disputa pela relatoria, membros do Centrão ameaçam travar a pauta dos Estados. Isso incluiria não só a exclusão dos Estados e municípios da reforma da Previdência, mas também os repasses da Lei Kandir, a securitização de dívidas e a divisão do dinheiro do pré-sal. O argumento é de que a “conta” é muito alta para aprovar uma pauta que não é do bloco.

Para integrantes do DEM, a avaliação é de que Maia optou por sacrificar o próprio partido e um parlamentar próximo (Pedro Paulo, que disputava a relatoria) para ceder aos tucanos. A decisão do presidente da Câmara também atendeu às pressões de agentes do mercado, que almejavam um relator mais independente para a proposta, que é considerada essencial para o equilíbrio das contas públicas.

Moreira é classificado pelos próprios tucanos como um “Alckmista” – ele já foi secretário e líder do governo na Assembleia na gestão de Geraldo Alckmin em São Paulo.

Ontem, após a primeira sessão da Comissão Especial, Moreira se comprometeu a criar um plano de trabalho para apresentar na próxima reunião, no dia 7 de maio. Ele disse que vai trabalhar para que a proposta seja aprovada pela Casa ainda no primeiro semestre deste ano.

O presidente da comissão também endossou o prazo e disse que, embora não tenha simpatia pelo governo do presidente Jair Bolsonaro, vai trabalhar para que a proposta receba o sinal verde dos deputados. Ainda que em primeiro mandato, Ramos é visto como alguém que tem trânsito não só entre as legendas de centro e de direita, mas também com a oposição.

A comissão foi instalada ontem com 46 membros titulares. O PSB, que tem três cadeiras no colegiado, não indicou seus deputados. O partido decidiu ontem fechar questão contra a reforma. A legenda voltará a se reunir para decidir se mantém essa posição após a apresentação do parecer de Moreira.

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Ex-comunista, deputado diz que fez 'releitura' ideológica

Pedro Venceslau

26/04/2019

 

 

Escolhido pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), para presidir a Comissão Especial que vai analisar o mérito da proposta da reforma da Previdência, o deputado Marcelo Ramos (PR-AM) começou sua carreira política no PCdoB mas hoje se define como “liberal de centro”.

“Fiz uma releitura ideológica. Hoje, sou um político de centro. Do ponto de vista econômico, sou um liberal”, disse o parlamentar ao Estado.

Aos 45 anos, Ramos iniciou sua militância em 1991 no grêmio de sua escola e logo chamou a atenção da União da Juventude Socialista, braço do PCdoB. Ao lado do ex-senador Lindbergh Farias, ele ajudou a reorganizar a entidade. Ramos foi eleito vereador pelo PCdoB em Manaus em 2000. Depois migrou para o PSB e, a pedido de Eduardo Campos e Marina Silva, disputou o governo do Amazonas em 2014, chegando ao segundo turno.

Hoje está no PR, partido pelo qual disputou a prefeitura novamente em 2016, sendo derrotado no segundo turno pelo tucano Arthur Virgílio. Em seus discursos no plenário da Câmara, Ramos sempre apresentou críticas ao projeto enviado pelo Palácio do Planalto. “Não é verdade esse discurso que a reforma é só para combater privilégios. A essência dela é fazer ajuste fiscal. A proposta precisa ser calibrada. Não posso sacrificar o idoso de baixa renda.”

Sobre o governo Bolsonaro, o deputado disse que só tem rumo na economia. “Não tem propostas para o País.”