O globo, n. 31348, 05/06/2019. País, p. 6

 

Bandalha mais tolerada

Bruno Góes

Eduardo Bresciani

Gustavo Maia

Jussara Soares

Marlen Couto

05/06/2019

 

 

Projeto de Bolsonaro dobra limite para perda de carteira e alivia punições

Após suspender, em março, a instalação de novos radares nas rodovias federais, o presidente Jair Bolsonaro apresentou ontem mais uma medida que pode alterar a fiscalização de infrações de trânsito no país. O chefe do Executivo entregou pessoalmente à Câmara um projeto de lei que altera o Código de Trânsito Brasileiro (CTB).

O governo propõe aumentar de cinco para dez anos a validade da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) e pretende passar de 20 para 40 pontos, no período de 12 meses, o limite para o motorista perder o direito de dirigir. A proposta ainda será analisada por uma comissão especial e terá que ser aprovada por maioria simples no plenário da Câmara. Depois, o texto vai para o Senado.

— É um projeto que parece simples, mas atinge todos do Brasil. Todo mundo ou é motorista ou anda de uma forma ou de outra em um veículo — disse o presidente.

O projeto também pretende acabar com as multas aplicadas a quem transportar crianças com até sete anos e meio de idade sem cadeirinha adaptada ao seu tamanho e peso, como prevê uma resolução do Conselho Nacional de Trânsito (Contran) em vigor desde 2008.

O texto afirma que o transporte de crianças fora das normas de segurança será punido apenas com uma advertência por escrito, sem pagamento de multa. A infração é atualmente considerada gravíssima e há multa de R$ 293,47 para quem cometê-la, além da retenção do veículo.

Desde que foi determinada a obrigatoriedade da cadeirinha, em 2008, o número de mortes de crianças no trânsito caiu no país. O total de indenizações por morte pagas pelo DPVAT para a faixa etária de 0 a 7 anos teve queda de 60%, de 1.703 casos, há 11 anos, para 680, em 2018, de acordo com a administradora do seguro.

No ano passado, o DPVAT pagou indenizações para familiares de 38,2 mil pessoas que morreram no trânsito.

No Congresso, a proposta promete dividir parlamentares. Christiane Yared (PRPR), vice-presidente da Frente Parlamentar em Defesa do Trânsito Seguro, diz que a linha do projeto é trágica.

— O problema é que são muitos mortos e pessoas com sequelas por acidentes no trânsito. Quando nós liberamos assim, a leitura é muito ruim. A gente não educa, não tem fiscalização e não vai ter punição —criticou.

Apoio de Maia

A líder do governo no Congresso, Joice Hasselmann (PSL-SP), disse que a proposta não deve ter “grandes dificuldades” para ser aprovada:

—Maia vai criar uma comissão para que isso tramite em um prazo de 40 a 45 dias. E logo vaia votação.

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), agradeceu o envio do projeto:

—Nós temos um apauta extensa demudanças, mas também essa agenda que atinge diretamente o dia adiado trabalhador brasileiro.

Outra proposta é o fim da multa para quem andar em rodovias sem os faróis ligados durante o dia, exigência em vigor desde 2016. Em outro trecho, o projeto elimina a exigência de exame toxicológico para a emissão e renovação da CNH para categorias que incluem motoristas de veículos de carga e de passageiros.

Para idosos com mais de 65 anos, os exames de aptidão física e mental podem sofrer mudanças. Pela proposta, a renovação passaria a ser exigida acada cinco anos—e não mais acada três anos.´

Castigo frouxo

As principais alterações propostas pelo governo

Aumenta de 20 para 40 pontos o limite de infrações, no período de 12 meses, para suspensão do direito de dirigir

Aumenta de cinco anos para dez anos a validade da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) Para idosos com mais de 65 anos de idade, o prazo para renovação passa de três anos para cinco anos

Acaba com multa no transporte de criança sem cadeirinha. Antes considerada gravíssima, a irregularidade passa a ser punida com advertência por escrito

Fim da multa para quem trafegar em rodovias sem os faróis ligados durante o dia, exigência em vigor desde 2016

Acaba com exame toxicológico para renovar a carteira para condutores de veículos de transporte de cargas, de passageiros e com unidade acoplada, como reboques e trailers

Diminui infração para motociclista com capacete de segurança sem viseira ou óculos de proteção ou que transporte passageiros sem o equipamento

Elimina trecho do Código de Trânsito que prevê cassação de documento para motorista condenado judicialmente por delito de trânsito






 
 
 
 
 
 
 
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Regra mais frouxa a motoristas é erro, dizem especialistas

Sérgio Roxo

João Paulo Saconi

05/06/2019

 

 

‘Infração é sinônimo de perda de vidas’, afirma diretor de associação

Especialistas em medicina de tráfego e em legislação de trânsito criticaram o projeto de lei. A avaliação é que o aumento do limite de pontos por infrações na carteira de habilitação, de 20 para 40, deve gerar mais acidentes e, consequentemente, mais mortes.

— Na realidade, há dois direitos a serem protegidos. Ou você vai proteger o direito de quem comete a infração ou você vai proteger o direito da sociedade. Esse motorista que viola o código e tem uma pontuação na carteira, para que ele não perca o emprego (caso dependa do veículo), ele pode num único acidente tirar a vida de várias pessoas. Qual vamos proteger: o motorista que comete infrações ou a sociedade, dos pedestres, de vítimas que estão em outro carro? — pergunta Armando de Souza, presidente do Conselho Nacional de Trânsito da OAB Nacional.

Dirceu Rodrigues Alves, diretor da Associação Brasileira de Medicina de Trânsito, também acredita que o governo erra ao flexibilizar o teto de multas:

— Temos que manter os 20 pontos. O caminho é arrochar mais. O motorista precisa saber a responsabilidade que é dirigir uma máquina sobre rodas. Essa mudança vai facilitar as ocorrências por excesso de velocidade, uso de drogas e uso de telefones celulares. Infração é sinônimo de perda de vidas.