Correio braziliense, n. 20104, 07/06/2018. Política, p. 11

 

Entrevista - Marina Silva: "Dilma e João Santana criaram as fake news"

Marina Silva

07/06/2018

 

 

Pela terceira vez na disputa pela Presidência, a ex-senadora Marina Silva reconheceu a necessidade de reformas como a da Previdência e a tributária. A ex-ministra do Meio Ambiente se declarou contrária à privatização da Petrobras, do Banco do Brasil e da Caixa Econômica e criticou o projeto similar tocado pelo governo federal para a Eletrobras, mas deixou claro não ser “dogmática” em relação a nenhum assunto. Marina fez questão de pontuar a importância do diálogo com a sociedade civil e o Congresso Nacional. “Qualquer outro mecanismo é antirrepublicano”, disse.

Pré-candidata pelo partido Rede Sustentabilidade, que ela mesma fundou, Marina segue a linha das duas últimas eleições que disputou ao se posicionar como opção de centro, uma alternativa à polarização, que acredita ter prejudicado o crescimento do país e resultado em discursos extremistas. Inclusive, o último pleito foi alvo de críticas da ex-senadora: “Foram a Dilma e o João Santana (marqueteiro da reeleição da ex-presidente) que criaram esse mecanismo abominável da fake news”, atacou.

Com dois deputados no partido, o tempo de tevê e o recurso escasso do fundo eleitoral para a campanha não parecem preocupar.  A “campanha franciscana” se junta à promessa de não disseminar fake news, de seguir apoiando a Operação Lava-Jato e à posição firme de que “a visão de opor ciência e religião é um debate muito atrasado”.

Há um descontentamento enorme da população em relação aos políticos. Nas pesquisas eleitorais, os grandes vencedores são os votos nulo e branco. Como a população pode se sentir confortável para eleger um presidente da República?

Um país que arrecada tributos na quantidade que arrecadamos e devolve os serviços como os que temos já é mais do que suficiente para essa revolta. Como se não bastassem os péssimos serviços, ainda desviam dinheiro público com a finalidade de se manter no poder ou para enriquecimento ilícito pessoal. E ainda numa situação em que cerca de 200 parlamentares são investigados, uma grande quantidade de pessoas escondidas atrás do foro privilegiado e, muitas delas, se candidatando mais para ter salvo-conduto do que para defender os interesses do cidadão. Ter respeito por esse sentimento é fundamental. E apresentar propostas, fazer um esforço para recuperar a credibilidade para o país poder ter investimentos.

Vários especialistas dizem que, para conseguir arrecadar recursos, é preciso privatizar companhias como a Eletrobras e há quem fale em bancos estatais. Como presidente, privatizaria essas instituições?

Não sou favorável à privatização da Petrobras, do Banco do Brasil nem da Caixa Econômica. Não tenho uma visão dogmática em relação a esse aspecto, acho que é possível e devemos ter algumas empresas que podem ser privatizadas, mas depende de como é o plano para a privatização. No caso da Eletrobras, não existe um plano. A sociedade tem de participar desse debate com transparência.

Em relação à reforma previdenciária, que é outro ponto que se diz ser necessário, como a senhora faria?

De fato, temos um deficit dramático na previdência pública. Mas a proposta como seria feita não tem a menor condição. Você não pode fazer um movimento com essa magnitude dialogando só com um setor, que é o lado do empregador. Tem de ouvir o empregador, mas também o trabalhador. E (o governo) ainda não foi capaz de enfrentar o problema dos privilégios. Aqueles grupos que têm poder de pressão não foram atingidos nesse processo. E, como se não bastasse, deram sinalizações que são inaceitáveis, como a pessoa ter de contribuir 49 anos para fazer jus à aposentadoria integral; e 25, para poder se aposentar por tempo de serviço, numa realidade em que as pessoas estão ficando longo período sem carteira assinada.

Qual seria a sua proposta?

Em primeiro lugar, uma que fosse debatida com os diferentes setores da sociedade, que colocasse de forma transparente os problemas que temos em relação ao deficit da Previdência. De fato, estamos tendo o envelhecimento da população, estamos perdendo o bônus demográfico, como dizem os especialistas.

Como será o diálogo com a sociedade caso a senhora seja eleita? Terá um prazo? Quanto tempo para um projeto?

O tempo necessário. Óbvio que propostas com essa magnitude têm de ser feitas no início do governo, senão, você não dá conta, porque as contas públicas não fecham. O compromisso é fazer reformas dialogando com a sociedade. Não para que se perca direitos, mas para que se possa atualizar questões em atualização no mundo inteiro.

A greve dos caminhoneiros fez com que se lembrassem que a tributação no Brasil é regressiva. Como inverter essa equação?

Nós temos uma situação tributária que igualmente precisa de reforma. Em primeiro lugar, deixar claro que não se pode reduzir a carga tributária. Na situação em que nós vivemos, dizer que vão reduzir a carga tributária ou é demagogia para um setor ou é irresponsabilidade com o conjunto da sociedade brasileira. Agora, dá para dizer claramente que não se vai aumentar a carga tributária. A sociedade brasileira é tributada de uma forma bastante pesada e recebe muito pouco em relação aos tributos que paga. A nossa segunda diretriz é pôr fim a essa regressividade, que prejudica a maioria da população mais frágil, mais empobrecida, principalmente em função da tributação sobre a circulação de mercadorias, que é onde temos o maior gargalo.

A senhora tem convicções religiosas profundas, que incluem o criacionismo. Como pretende conciliar isso com o fato de que vai comandar as políticas de educação, ciência e tecnologia do país?

Essa é uma pergunta que surgiu em 2010 em função de uma mentira que foi dita, uma fake news. Mas o que me impressiona é que essa fake news vem sendo repetida em 2010, em 2014 e reaparece em 2018. Você agora me dá a oportunidade de fazer um apelo para que essas coisas não sejam repetidas. Eu fui fazer uma palestra numa universidade confessional adventista e, em uma entrevista que dei, um jovem me perguntou o que eu achava de aquela escola ensinar o criacionismo para os alunos. A minha resposta foi: “Desde que se ensine a teoria de evolução, não vejo problema”. Não advoguei que se defenda o criacionismo. Aliás, essa visão de opor ciência e religião é um debate atrasado, resolvido há muito tempo. Obviamente, eu defendo o estado laico.

Proporcionalmente, o ente que investe menos em educação hoje é a União, com 18,2% do PIB. Qual é a sua visão sobre os papéis dos entes federados no financiamento da educação?

É necessário haver uma descentralização. Estados e municípios receberam incumbências e não conseguem receber a contrapartida em termos dos recursos. O ensino tem de ser como está na Constituição, público, gratuito e de qualidade. É fundamental que aqueles que não podem pagar não sejam prejudicados da forma como são. Hoje, as pessoas pobres estudam em ensino público, que não tem boa qualidade, e vão para o ensino privado no nível superior, que tem péssima qualidade. Pessoas que têm dinheiro vão para ensino público nas universidades, porque são essas que conseguem passar no vestibular. Essas distorções precisam ser corrigidas na base. Acho correto que tenhamos as cotas para índios, para negros, para pessoas em situação de fragilidade social, mas o que assegura a igualdade de oportunidade do acesso ao ensino superior público é ter uma base de ensino que seja tão boa quanto o ensino privado.

A gente viu, na greve dos caminhoneiros, que uma parte dos trabalhadores pedia intervenção militar. Hoje, quem lidera as pesquisas de intenção de voto é um candidato que vem das  Forças Armadas. Como a senhora avalia essa questão?

É preciso fazer o debate democrático para que algo dessa natureza não prospere. E nem acredito que os militares, que têm visão responsável quanto às suas atribuições muito bem inscritas na Constituição, desejem esse tipo de coisa. Claro que temos muitos erros, mas não podemos cometer um maior, que é entregar o destino do Brasil, das instituições brasileiras, na mão de meia dúzia, em um governo autoritário, como se esses fossem os salvadores da pátria. Isso é inaceitável. Acho que a polarização PT, PMDB e PSDB levou o Brasil para a situação em que as pessoas, até mesmo em função de todos os erros que vêm sendo cometidos, acabam canalizando para saídas autoritárias. Isso aprofundaria o problema.

A senhora falou do debate com a sociedade. Como a senhora abrirá o diálogo no Congresso?

Se não for na base do convencimento, em cima do programa, em cima das propostas, não tem alternativa. O problema é que existiram aqueles que deram um outro tipo de senha, e a senha foi mensalão, as senhas são essas que a Lava-Jato está demonstrando. Por isso, temos mais de 200 deputados investigados. É muito difícil governar hoje, e a prova disso é que, mesmo partidos com grande quantidade de deputados, não conseguem governar. A Dilma não conseguia governar, o Temer não consegue governar. É preciso uma outra governabilidade. Precisamos sair do presidencialismo de coalizão, baseado em privatizar o Estado para partidos, líderes políticos e empresas inescrupulosas, para o que estou chamando de presidencialismo de proposição, em que a maioria se forma em cima do programa. Se não for assim, não deve ser feito e deve ir diretamente para a Justiça, porque compra de voto é crime. É na base do diálogo. Não tem toma lá, dá cá.

A senhora concorreu nas últimas duas eleições. De lá para cá, como a Marina Silva evoluiu? Qual é a Marina Silva hoje e por que acha que merece ser presidente?

Ser presidente da República é um merecimento que só pode ser dado pelos 200 milhões de brasileiros. Tem uma coisa que, para mim, é diferente agora. Em 2010, as eleições foram minimamente civilizadas. Em 2014, foi uma guerra. E depois que eu fui entender o porquê: porque aquelas eleições eram uma fraude. Foram a Dilma e o João Santana que criaram esse mecanismo abominável da fake news. Eu estava disputando a Presidência, mas existiam aqueles que estavam disputando estruturas criminosas dentro da Petrobras, do Banco do Brasil, de Belo Monte, de fundos de pensões e mesmo a venda de medidas provisórias. Agora eu sei que tem muitos que não estão disputando uma eleição, disputam um salvo-conduto. A Rede acabou de assinar o compromisso de não usar o expediente malévolo das fake news. Os outros candidatos jamais terão de mim qualquer atitude de desconstrução mentirosa. A disputa agora será mais difícil, com menos recursos econômicos, com 10 segundos de tevê, uma campanha franciscana. Queremos impor derrota às velhas estruturas.

Perfil

Maria Osmarina Marina Silva Vaz de Lima

» Formada na Universidade Federal do Acre

» Atua como política, professora, ambientalista, historiadora e psicopedagoga

» Nasceu em 8 de fevereiro de 1958, na cidade de Rio Branco (AC)

Histórico

» Senadora pelo Acre (de 1995 a 2011)

» Ministra do Meio Ambiente (de 2003 a 2008), no governo Lula

» Deputada estadual pelo Acre (de 1991 a 1995)

» Vereadora por Rio Branco (de 1989 a 1991)