Correio braziliense, n. 20104, 07/06/2018. Política, p. 12

 

Entrevista - Henrique Meirelles: "Reforma da Previdência é inevitável"

Henrique Meirelles

07/06/2018

 

 

O pré-candidato à Presidência da República pelo MDB, Henrique Meirelles, ex-ministro da Fazenda, reforçou a necessidade da reforma da Previdência no próximo governo para evitar uma crise maior nas contas públicas. “A discussão não é se vai ser feita a reforma da Previdência no Brasil, mas, sim, quando, porque ela é inevitável. Basta ver o que aconteceu em alguns países europeus que se recusaram a fazer”, afirmou.

Ele reforçou que, assim como a Previdência, são necessárias mudanças tributárias.  “A justiça social passa também pela justiça fiscal”, afirmou. A solução, na avaliação dele, é promover uma reforma tributária racional, que inclua acordo com estados e municípios. “Temos de promover uma reforma abrangente.”

Meirelles aposta ainda em uma pulverização de capital das empresas estatais — a exemplo da proposta de desestatização da Eletrobras —, como Petrobras, Caixa Econômica Federal e Banco do Brasil, mas com cuidado para evitar oligopólios ou monopólios privados.

“Uma maior participação do setor privado, aumentando o número de ações detidas pelo público na Petrobras, com a criação de mecanismos de governança, como os propostos para a Eletrobras, por exemplo, é muito importante”, afirmou Meirelles. “A Caixa está sendo preparada para isso”, disse.

O mote da sua campanha é “Tem problema, chama o Meirelles”. Mas como o senhor vai explicar isso para o eleitor se não conseguiu resolver problemas gravíssimos no país nos dois anos em que ficou à frente da Fazenda? As contas públicas continuam com deficit. Neste ano, de até R$ 159 bilhões, e há mais de 13 milhões de desempregados. Podemos dizer que o senhor fracassou?

Não é muito simples. Em primeiro lugar, houve uma destruição causada ao país pelo governo anterior, e não se conserta do dia para a noite. O país, entre 2015 e 2016, teve uma queda do PIB de 3,5% em cada ano. Começou a crescer em 2017 e passou de queda de 3,5%, em 2016, para alta de 1%. Foi um aumento muito forte. A segunda coisa é que o Brasil tinha, quando entramos, 89,5 milhões de pessoas trabalhando e terminou 2017 com 91,5 milhões. Portanto, houve a criação de 2,5 milhões de postos de trabalho. Isso é uma recuperação impressionante. Quando a economia começa a reagir, pessoas que estavam desestimuladas a procurar emprego começam a procurar, e isso aumenta a taxa de desemprego. A princípio, temos que levar essa informação da recuperação para a população, inclusive, para aumentar o nível de confiança. Não há dúvida de que passa a existir uma incerteza que é normal no processo eleitoral, em que há posições tão polarizadas em todas as áreas.

Os candidatos que apoiaram o impeachment e se aliaram ao governo Temer, seja no início, seja durante o processo, apresentam baixo resultado nas pesquisas. E os candidatos que não necessariamente se alinharam ao governo, caso de Jair Bolsonaro e de Marina Silva, têm percentuais maiores. Como o senhor avalia isso?

O que importa é a trajetória de sucesso. Fizemos um trabalho que gerou uma recuperação enorme do país e da economia brasileira. Saímos de uma recessão que é a maior da história. O país voltou a crescer. Existe um enorme conjunto de reformas feitas, como a trabalhista, que é importantíssima. É um projeto de sucesso. A inflação caiu. Em 2017, atingiu o nível mais baixo em 20 anos. Acho que tudo isso é extremamente positivo, alguém que fez um trabalho que deu certo, que tem resultado para mostrar. Eu acredito que é uma vantagem sobre quem apenas tem discurso.

Mas em relação a esse recorte dos candidatos terem apoiado o impeachment e terem se aliado ao governo em um determinado momento, há uma coincidência só de números ou, de fato, há uma dificuldade maior do entendimento do discurso pela população?

É uma questão de estratégia política de cada um e de cada partido e, obviamente, pela posição que ocupou. Fui ministro da Fazenda e tive um papel central no processo de reformas, no processo de condução da economia. É diferente de alguém que estava fora e tem outras questões, outros focos de trabalho. Seria estranho se existisse unanimidade no país. Ainda bem que existem diferentes abordagens, porque, senão, todos os candidatos seriam iguais. A diferenciação é fundamental. E, portanto, acho que é vantagem ter, em primeiro lugar, um histórico inquestionável, e, depois, ter o que mostrar. Não é discurso. Basta dizer o que foi feito.

Estamos no centro do debate da greve dos caminhoneiros. Como o senhor avalia essa questão? É necessário mudar a política de preços dos combustíveis? É a favor da privatização da Petrobras, do Banco do Brasil e da Caixa Econômica Federal?

Acredito que a política de preços da Petrobras deve obedecer à estrutura de custos da companhia. Não deve e não pode ser controlada, haja vista os efeitos causados na empresa pelo controle de preços do governo anterior. Quase quebrou a Petrobras, perdeu a capacidade de investir, de produzir. É importante que a empresa possa praticar, como foi feito, uma administração que remunere os custos e garanta a capacidade de investir e de aumentar a produtividade. Isso é o preço da Petrobras. Outra coisa é o preço na bomba, porque aí tem a parcela de impostos. Eu tenho uma proposta que desenvolvi recentemente e que, certamente, se for eleito, vamos aplicar: é a criação de um fundo de estabilização de preços do combustível na bomba. Partindo na segunda parte da sua pergunta, a Petrobras já tem um grande número de acionistas minoritários, que são privados e que estão na bolsa. Uma proposta que poderia evoluir é aumentar a participação privada na empresa, mas não vender a Petrobras para uma privatização no sentido clássico. Uma maior participação do setor privado, aumentando o número de ações detidas pelo público, com a criação de mecanismos de governança, como os propostos para a Eletrobras, por exemplo, é muito importante.

Seria uma pulverização do capital da Petrobras?

Exatamente.

E o governo perderia o controle? Haveria um grupo de controle?

Isso é uma coisa que pode evoluir com o tempo, na medida em que seja assegurada a administração profissional, ainda tendo a participação da União, mas não necessariamente controle no sentido político. Deve ser garantida sempre uma administração profissional da Petrobras, dando resultado para a empresa. E também (é preciso) aumentar gradualmente a competição no setor, porque o problema é a prática monopolista, que permite distorcer preço de um lado ou de outro.

Sobre a privatização dos bancos públicos, o senhor é favorável?

Acredito que o mesmo conceito deve ser aplicado, porque é uma coisa gradual. O Banco do Brasil também tem acionistas minoritários na bolsa, já busca e tem que atender os resultados, porque senão o preço das ações do banco despenca. O BB já tem uma administração nessa linha. A Caixa está sendo preparada para isso com o novo estatuto. Acho que, com o tempo, podemos até pensar, sim, em abrir o capital da Caixa e começar a vender participação para iniciativa privada. Agora, certamente, o que não é solução de curto prazo é vender, por exemplo, o BB para outro grande banco nacional. Isso, não. Aí vai criar oligopólio. Tudo tem que ser feito com responsabilidade e tendo em vista o interesse público, que, no caso de banco, é serviço eficiente, taxa de juros competitiva e evitar oligopólio.

Fala-se muito na Reforma da Previdência, que o senhor tentou fazer e não conseguiu. O projeto do governo foi considerado muito duro, foi modificado no Congresso, mas a base governista não conseguiu levar a proposta ao Plenário. Conseguirá fazer com que essa reforma seja aprovada?

O debate da reforma da Previdência me pareceu extremamente produtivo, em que se discutiu exatamente e amplamente no Congresso e na Comissão Especial da Previdência e se chegou a um projeto objeto de acordo. Não foi unânime, mas foi um acordo que ainda viabiliza uma reforma da Previdência eficaz, com um nível de diminuição de despesas fiscais bastante consistente, que permitirá a estabilização da dívida pública, a  queda dela no futuro, além da geração de superavits primários. É um projeto positivo. Evidentemente que é um assunto controverso em qualquer lugar do mundo. Agora, para ser bem objetivo, a discussão não é se vai ser feita a reforma da Previdência no Brasil, mas, sim, quando, porque ela é inevitável. Basta ver o que aconteceu em alguns países europeus que se recusaram a fazer. A Grécia, por exemplo, em um determinado dia, quebrou.

Que medidas pretende tomar para tornar o nosso sistema tributário mais justo e progressivo?

Eu concordo que a justiça social passa também pela justiça fiscal. Temos que caminhar fortemente nessa direção. Não há dúvida também que a tributação de bens e serviços no Brasil é muito elevada para os padrões internacionais. A carga tributária do Brasil é a maior dos emergentes, da América Latina. É muito importante, em primeiro lugar, diminuir as despesas para que se possa fazer uma reforma tributária racional, porque, com esse nível de despesas, fica muito complicado. Em segundo lugar, é necessário fazer uma reforma tributária em acordo com estados e municípios. Temos de promover uma reforma abrangente, mas que permita, de fato, uma diminuição da carga tributária. Os impostos regressivos, no Brasil, são altos, percentualmente, os maiores do mundo. Isso, sim, nós temos que diminuir. A reforma da Previdência não é um projeto de um ministério, é um projeto do país, para que as despesas totais caiam e possa haver superavit primário. Temos bastante segurança de que teremos condições de, se vencermos as eleições, implantar essas políticas que vão assegurar uma taxa de crescimento nos próximos anos. Acho que o Brasil pode crescer até 4%, em média, nos próximos anos, com políticas racionais, com criação de empregos, com geração de renda e manutenção de inflação baixa, como já conseguimos.

Perfil

Henrique de Campos Meirelles (MDB)

» Formado em Engenharia Civil,

na Escola Politécnica de São Paulo

» É economista e político

» Nascido em 31 de agosto de 1945, em Anápolis (GO)

Histórico

» Ministro da Fazenda (2016-2018), durante governo Temer

» Presidente do Banco Central do Brasil (2003-2011), durante governo Lula