O globo, n. 31353, 10/06/2019. Economia, p. 13

 

Silvia Amorim

Geralda Doca

10/06/2019

 

 

Governadores evitam elevar alíquota e recorrer à previdência complementar

Autorizados há mais de duas décadas pela Constituição a criar regimes de previdência complementar para aliviar o rombo nas contas públicas, mais da metade dos estados (16) cruzou os braços e continua sobrecarregando os cofres estaduais com o pagamento de aposentadorias acima do teto do INSS de R$ 5.839. A maioria dos governos (14) também pratica a menor alíquota previdenciária permitida por lei, de 11%, apesar do quadro de completo desequilíbrio fiscal.

Os números mostram a pequena disposição de governadores para mexer na Previdência do setor público. Hoje, um dos principais debates em torno do projeto é justamente se as mudanças nas aposentadorias ficarão restritas ao governo federal ou se serão estendidas a estados e municípios.

Votação em separado

O presidente da comissão especial na Câmara, deputado Marcelo Ramos (PL-AM), disse ontem ter sugerido ao relator da reforma, deputado Samuel Moreira (PSDB-SP), que mantenha todos os entes da federação na proposta. Porém, seria feito um acordo com os líderes dos partidos para votar esse ponto separadamente, via destaque ao texto.

Para ele, a carta de apoio à reforma assinada na semana passada por 25 governadores é insuficiente para fazer com que os parlamentares, sobretudo do chamado “centrão”, aprovem a aplicação imediata das novas regras para os servidores estaduais e municipais. Por isso, vai pedir a governadores a lista com o número de votos dos parlamentares favoráveis à inclusão dos estados.

— Não basta os governadores de PT, PDT e PSB assinarem manifesto de apoio pela permanência dos estados na reforma se toda a bancada vai votar contra —disse Ramos.

A situação previdenciária dos estados é dramática. Em quatro anos, o déficit saltou de R$ 47 bilhões para R$ 88,5 bilhões. São Paulo, Rio Grande do Sul e Rio têm os maiores rombos em números absolutos. Somente os quatro estados mais novos do país (Amapá, Tocantins, Roraima e Rondônia) não registram insuficiência financeira.

O projeto do governo Jair Bolsonaro propõe que a implementação da previdência complementar deixe de ser opcional e passe a ser obrigatória e que a alíquota mínima de contribuição dos servidores suba de 11% para 14%. Dos 16 estados que ainda não adotaram a o regime complementar, dez mantêm a alíquota de 11%.

A demora em dar resultados é a principal razão para que estados não invistam na implementação de regimes de previdência complementar

— A previdência complementar é algo que só vai começar a aliviar as contas da previdência depois de 35 anos de implementação. Além disso, ela tem um custo de implantação. Qual é o governante que, sem ter dinheiro para pagar as contas agora, vai pensar nisso? Deveriam pensar, mas essa é a forma do setor público tomar decisão no Brasil — afirma o economista Raul Velloso, um dos entusiastas da inclusão da previdência complementar na reforma de 1998.

A principal vantagem da previdência complementar é acabar com as aposentadorias integrais bancadas pelos cofres públicos. Por esse sistema, o estado paga o benefício até o teto do INSS, e o servidor complementa sua aposentadoria com a contribuição feita ao regime de capitalização. Alguns estados aprovaram projetos no legislativo instituindo o regime, mas eles estão engavetados. É o caso de Paraná e Rio Grande do Norte.

— Não acreditamos que a previdência complementar é a solução do problema. Ela piora o cenário de déficit porque reduz a contribuição do servidor para o regime próprio. Achamos que temos que enfrentar o problema por outro ângulo, como reduzindo a terceirização de mão de obra no setor público — disse o presidente do Instituto de Previdência do Rio Grande do Norte, Nereu Batista Linhares.

No Paraná, Ratinho Junior (PSD) promete enviar novo projeto de lei.

São Paulo foi o primeiro estado a criar um regime de previdência complementar no país e tem o maior sistema em funcionamento, com quase 30 mil servidores, além de administrar a carteira do funcionalismo de Rondônia e, a partir de julho, de Mato Grosso do Sul. O déficit previdenciário paulista foi de R$ 18 bilhões em 2018. Presidente da Fundação de Previdência Complementar do Estado de São Paulo, Carlos Henrique Flory defende que a iniciativa tem retorno a longo prazo garantido.

— No caso de São Paulo, as projeções mostram que a partir de 2040 o déficit vai começar a cair. Se não fosse a previdência complementar, ele seria crescente e, até lá, o estado já teria quebrado.

No Rio, alíquota de 14%

Nem mesmo quando o cenário é de entrada imediata de recursos nos cofres estaduais para aliviar o déficit previdenciário governantes têm tomado iniciativas para propor mudanças. Dentro do grupo de estados que praticam a menor alíquota permitida por lei (11%), mesmo tendo rombo na Previdência e a possibilidade de subi-la até 14%, a maioria está pendurada na Lei de Responsabilidade Fiscal por gastos com pessoal (ativo e inativo) acima dos limites permitidos.

No Rio Grande do Norte, um projeto que aumentaria a contribuição previdenciária dos servidores de 11% para 14% foi enviado à Assembleia no ano passado, mas acabou sendo retirado por falta de apoio político. O estado compromete hoje 72,1% da sua receita corrente líquida com pessoal — o máximo permitido pela LRF é 60%. Entre outros estados que extrapolaram o teto estão Mato Grosso do Sul, Mato Grosso e Acre.

No estado do Rio, o aumento da contribuição para 14% só foi possível depois que o Supremo Tribunal Federal (STF) cassou uma decisão que havia suspendido a mudança a pedido de sindicatos de servidores públicos.

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Capitalização deve ficar fora da reforma, diz relator

Manoel Ventura

Geralda Doca

10/06/2019

 

 

Segundo fontes, Moreira estuda alterar cálculo do benefício para trabalhador do setor privado e servidor admitido após 2003

O relator da reforma da Previdência, deputado Samuel Moreira (PSDB-SP), disse que o regime de capitalização, pelo qual cada trabalhador contribui para sua própria aposentadoria, pode ser retirado da reforma da Previdência para facilitar sua aprovação. O sistema é defendido pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, como forma de dar sustentabilidade ao pagamento de aposentadorias, mas encontra forte resistência de parlamentares.

—Nossa proposta está construída, mas vamos negociar, vamos conversar para verse há entendimento. Se houver entendimento (sobre a capitalização), vai (entrar no texto), se não, pode ser um ponto negociado. Nesse momento, o mais importante é equilibrar as contas da Previdência e inverter essa curva de déficit —disse o deputado, após reunião na casa do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), para discutir a reforma.

Nove líderes de partidos participaram do encontro. Moreira disse ainda que, se for mantida a capitalização na proposta, será com contribuição do empregador. Guedes defende que apenas o trabalhador contribua nesse regime.

80% dos salário

O deputado afirmou também que estuda incluir no seu parecer uma nova regra de cálculo do benefício que favoreça trabalhadores do INSS e servidores que ingressaram na carreira depois de 2003. Ela seria uma forma de compensar uma regra de transição mais branda que possivelmente será concedida a servidores que ingressaram no serviço público até 2003.

— Há uma possibilidade de se incluir mais uma regra além das que têm. E tudo o que for feito tem que ser para todos, especialmente para os do regime geral. A ideia é mais uma alternativa para o trabalhador — disse o relator, após deixar a reunião.

Segundo técnicos a par da discussão, uma das possibilidades é que os benefícios continuariam a ser calculados com base na média dos 80% maiores salários de contribuição, desprezando os 20% menores. Essa seria uma mudança em relação à proposta encaminhada pelo governo ao Congresso, pela qual o cálculo dos benefícios deveria incluir 100% dos salários, o que acaba reduzindo o valor final pago aos aposentados.

A apresentação formal do relatório ficou para a próxima quinta-feira, depois de mais uma reunião entre líderes e do encontro com governadores em Brasília, na terça. Mesmo assim, Maia quer manter a votação no plenário antes do recesso de julho:

— Para mim, este processo completo precisa acabar no fim do primeiro semestre legislativo, até 15 ou 16 de julho

Quanto à inclusão de estados e municípios na reforma Maia defendeu engajamento maior dos governadores:

— É a mesma coisa que o presidente ser a favor, e o Eduardo Bolsonaro ser contra. Estou dizendo uma coisa muito objetiva: líder, quando comanda, convence a maioria dos seus liderados.