Título: Diaristas da greve
Autor: Monteiro, Isaías ; Nunes, Vicente
Fonte: Correio Braziliense, 30/09/2012, Economia, p. 15

Sindicato dos Bancários paga R$ 40 por dia a integrantes de um exército de piqueteiros para garantir manifestações e dar visibilidade aos movimentos. Eles são cedidos a outras paralisações, como a dos Correios, a dos professores e a do MST

Gastos com a campanha salarial devem passar de R$ 2 milhões neste ano. Há questionamentos, entre os sindicalistas, sobre a terceirização de piqueteiros

O dia nem amanheceu e a buzina já está tocando na porta da pedagoga Denise Arruda, 29 anos, que está desempregada há quase seis meses. Do lado de fora, o carro com a logomarca do Sindicato dos Bancários de Brasília está na terceira parada, à cata dos contratados que vão dar vida ao movimento grevista iniciado em 18 de setembro. Com a promessa de receber R$ 40 por dia, mais alimentação, ela está comprometida a seguir à risca a missão que lhe foi imposta: fazer muito barulho nos piquetes programados em frente a agências bancárias para evitar a entrada de trabalhadores. Se for necessário, deve partir até para o uso da força. Não poderia perder aquele ganha-pão. "Ser grevista de aluguel até que é emocionante. Vou defender o direito a aumento de salários. Os bancos estão cheios de dinheiro. Podem repartir um pouquinho com seus funcionários", diz, sob a condição de usar um pseudônimo.

Denise chegou ao sindicato por meio de uma conhecida que trabalha na entidade. "Ela me disse que estava desesperada por piqueteiros, que a grana era legal, que ia ser divertido", conta. De início, receberia R$ 30 por dia. "Mas como sou amiga, ficou acertado que ganharia um pouco mais, levaria o valor integral da diária", acrescenta. Essa diferenciação de preços é praxe. Ela diz que os funcionários do Sindicato dos Bancários encarregados de arregimentar o exército de grevistas de aluguel costumam ficar com uma parte do dinheiro da contratação.

"Tem gente ganhando R$ 25, há os que ganham R$ 30. Tem os que são pegos em casa por carros do sindicato e os que recebem o dinheiro da passagem de ônibus ou de metrô", relata. Esse rateio não é oficial. Na contabilidade do sindicato, é como se cada piqueteiro tivesse recebido o valor integral, mesmo que um funcionário tenha cobrado um pedágio pela contratação.

Os diaristas da greve não são exclusividade do Sindicato dos Bancários, ainda que, na maioria dos casos, sejam pagos pela entidade. Eles podem ser descolados para outros movimentos. Na semana retrasada, por exemplo, vários deles foram levados de vans, das portas das agências onde atuavam, para a sede central dos Correios. Objetivo: impedir a entrada de funcionários. O tumulto que eles criaram foi tão grande que a empresa foi obrigada a recorrer à Justiça para garantir o livre trânsito de clientes e funcionários. Esses mesmos piqueteiros provocaram estragos na sede do Banco do Brasil. E lideraram ataques a agências, ainda que o sindicato diga que não.

Fidelidade O compromisso de trabalho é rígido e o pagamento feito em dinheiro vivo, sempre no fim do expediente. Todos têm de estar às oito horas da manhã nos pontos definidos pelo sindicato. O horário de saída varia, mas, normalmente, o trabalho acaba às quatro da tarde. No Setor Bancário Sul, onde movimento dos piqueteiros foi mais forte — a greve acabou na última quinta-feira —, a busca por uma vaga de diarista era intensa.

— Vim tentar uma vaga para trabalhar na greve, diz o repórter do Correio a um grupo posicionado em frente ao um posto do BB.

— Já dispensaram muita gente hoje. Mas insista, responde um dos homens, que parece ser o líder do grupo.

— É preciso ser do sindicato? Levar algum documento?, insiste o repórter.

— Não, é só levar a identidade. Mas tem que ir lá no sindicato. Agora, corra, porque não falta gente. Não é em todo lugar que se ganham R$ 40 por dia facilmente, completa o homem, que dá o telefone de Francisco Paulo da Costa, o Paulinho, um dos arregimentadores de mão de obra. Ele é gerente administrativo do Sindicato dos Bancários.

Por telefone, o repórter conversa com Paulinho. — Quero me candidatar a uma vaga para fazer piquetes, dispara.

— Neste momento, não há vagas. Mas vamos precisar para as eleições do sindicato, em março do ano que vem. Procure o Neto (outro funcionário do sindicato). É ele quem cuida disso.

A dica de um grupo acampado em frente a uma agência da Caixa Econômica Federal é insistir, pois quem consegue entrar para o "grupo" sempre será chamado para todas as movimentações. "Essa é minha terceira greve. Os caras do sindicato valorizam quem é fiel. Sabem que há muita gente querendo se infiltrar no movimento para desestabilizar", comenta um diarista que se diz chamar Antonio. Ele diz mais: "Eles precisam da gente. Todo mundo sabe que os bancários de verdade, que aderem às paralisações, ficam em casa ou vão para o shopping fazer compras. Não querem se expor. Só aparecem nos dias de assembleia".

Por isso, os diaristas das greves torcem para que as negociações entre patrões e empregados se estendam o máximo possível. Quanto mais demoradas forem as paralisações, mais eles ganham. "No ano passado, foram 21 dias de greve. E a diária era de R$ 30. Neste ano, acabou muito rápido, menos de 10 dias", ressalta um outro piqueteiro. Ele, agora, torce para que se concretize a ameaça de greve dos professores do Distrito Federal, que vem sendo articulada pelo sindicato da categoria, o Sinpro-DF.

Paulinho, membro da administração da entidade, é o arregimentador de mão de obra

Justificativas Para o Sindicato dos Bancários de Brasília, terceirizar as manifestações faz parte do jogo. Os diaristas são responsáveis, por exemplo, por difundir os boletins com os avisos de greve e colocar cartazes nas agências. Presidente da entidade e da Central Única dos Trabalhadores (CUT) no DF, Rodrigo Britto garante que os diaristas não são arregimentados para piquetes, mas para preservar o material da greve. "Há bancos que pagam equipes para arrancar nossos avisos", afirma.

Na mobilização da semana passada, estima Britto, cerca de 50 dos diaristas foram contratados pelo sindicato. Outros cem foram mobilizados pela CUT. "A maioria é integrante de movimentos sociais. Para o diálogo com a população, representar a categoria, buscamos pessoas do movimento. Em tarefas de estrutura, o importante é o trabalho (do contratado)", diz, sobre o fato de os piqueteiros não serem sindicalizados e a lista passar pelas mãos de Paulinho. Quanto à presença dos mobilizados pelo sindicato em manifestações de outras categorias, ele ressalta haver "uma solidariedade de classe". E assinala: "Ajudamos e recebemos ajuda do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), por exemplo". Somente no ano passado, o sindicato gastou R$ 2 milhões com a greve. Neste ano, tudo indica que a fatura será semelhante.

Há críticas dentro do movimento sindical quanto à legitimidade dos piquetes pagos. "Essa prática foi inaugurada pelo Sindicato dos Bancários. Pelo menos em Brasília, não tínhamos visto isso em nenhuma categoria", conta um militante sindical, que preferiu anonimato. "Deixa-se de mobilizar as próprias categorias. A greve fica só na aparência e a falta de mobilização cria essa clientela, um exército de subempregados", acrescenta.

Dentro da lei

Pagar por piquetes não é prática proibida por lei, de acordo Tânia Martins Leão, advogada especialista em direito sindical. "Normalmente, os piquetes não são pagos. Os mobilizados estão chamando a atenção para trazer trabalhadores para o movimento. Não é um ato contra a população, é sempre voltado para a categoria", acredita.

"Ser grevista de aluguel até que é emocionante. Vou defender o direito a aumento de salários. Os bancos estão cheios de dinheiro. Podem repartir um pouquinho com seus funcionários" Denise Arruda, pedagoga desempregada

"A maioria é integrante de movimentos sociais. Para o diálogo com a população, representar a categoria, buscamos pessoas do movimento. Em tarefas de estrutura, o importante é o trabalho (do contratado)" Rodrigo Britto, presidente do Sindicato dos Bancários de Brasília e da CUT/DF