Correio braziliense, n. 20456, 24/05/2019. Política, p. 5

 

Planalto intervém para MP não caducar

Rodolfo Costa

Bernardo Bittar

24/05/2019

 

 

A temperatura na Câmara voltou a baixar e a Medida Provisória (MP) 870, que trata da reforma administrativa, foi aprovada ontem no Plenário. Depois de um pleito com ânimos exaltados na noite de quarta-feira, lideranças partidárias entraram em acordo e, em votação simbólica, sem contagem numérica, concluíram o pleito rejeitando o destaque que restringia a atuação dos auditores fiscais da Receita Federal. Para o PSL, o trato não apaga a derrota sofrida com a transferência do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) do Ministério da Justiça para o Ministério da Economia, mas atenua. Ainda ontem, o presidente Jair Bolsonaro pediu que o Senado siga o voto da Câmara, a fim de que a proposta não ultrapasse o prazo para votação.

O acordo teve a costura do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), depois de insucessos nas tratativas feitas pelo líder do governo na Câmara, Major Vitor Hugo (PSL-GO). O parlamentar chegou a propor que se aprovasse o destaque, com a condição de o presidente Jair Bolsonaro vetar o trecho dos auditores ao sancionar a MP. O combinado foi proposto, por exemplo, ao líder da oposição, Alessandro Molon (PSB-RJ), que negou, sob pretexto de ficar com o ônus do tema e deixar os bônus para o chefe do Executivo federal.

O trabalho feito por Maia com a liderança foi tratado nos bastidores como um recado a Vitor Hugo e, consequentemente, ao Palácio do Planalto. O presidente da Câmara disse na reunião do colégio de líderes na terça-feira ter cortado relações pessoais com o pesselista. O acordo firmado por Maia não só neutralizou a articulação do líder do governo, como também acabou avaliado como uma forma de “limpar” a imagem do Centrão, atacada, sobretudo, por deputados do PSL.

A emenda dos auditores fiscais limitava a atuação dos servidores a crimes tributários, impedindo-os de fazer investigações dos não tributáveis, atuar em indícios de delitos de outra natureza e de informar ao Ministério Público indícios dessas infrações. Uma vez que Maia se mobilizou para retirar esse ponto da MP, lideranças partidárias avaliam que a Câmara distensiona as críticas feitas por apoiadores de Bolsonaro, que mobilizam protestos para domingo em apoio ao governo. “O argumento principal deles era de pressionar o Congresso a votar a MP. Agora, eles estão com menos munições. Vão ter que se limitar a apoiar a reforma da Previdência ou vão mirar o Supremo Tribunal Federal (STF)”, ponderou um líder.

Balanço

Internamente, mesmo considerando a ida do Coaf para a Economia, o PSL avalia como positivo o resultado na Câmara. Parlamentares calculam que obtiveram 140 votos a mais do que o previsto, de 70. Para deputados, é uma sinalização de medo dos demais congressistas em relação ao apoio popular capitaneado por Bolsonaro que, para os pesselistas, os mantêm fortalecidos para votações futuras.

A MP 870 está, agora, no Senado. O texto deve ser votado na terça-feira, sem amarras à atuação dos auditores da Receita, afirmou o senador Fernando Bezerra (MDB-PE), líder do governo na Casa. “Fica do jeito que a Câmara votou”, explicou. No que depender da bancada do PSL no Senado, contudo, a MP voltará à Câmara. O líder do partido na Casa, Major Olímpio (PSL-SP), vai enviar um requerimento para que o Coaf volte ao Ministério da Justiça. Horas depois, Bolsonaro fez transmissão pelo Facebook e pediu que o resultado se repetisse na Câmara, afirmando que era preciso “tocar o barco”.

Caso a matéria seja aprovada dessa forma, retornaria para apreciação dos deputados. Para o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), pode ser um problema. “Se olharmos sob a questão do tempo, todo mundo sabe que a MP pode caducar (em 3 de junho). O prazo fica muito curto”, ponderou. As atenções do Congresso estão totalmente voltadas para esse assunto, a ponto de a própria Câmara ter adiado a discussão de outras MPs, como a 868/18, que atualiza o marco legal do saneamento básico, por falta de acordo.

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Mudanças para reduzir tributos

24/05/2019

 

 

O texto da reforma tributária aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara sofrerá muitas alterações. Passado o recado ao presidente Jair Bolsonaro — de que o Congresso não vai esperar o governo para tomar a iniciativa em pautas consideradas prioritárias, com a orientação quase unânime dos partidos a favor da admissibilidade —, lideranças se articulam para construir um substitutivo ao relatório base da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 45/2019.

A ideia é semelhante ao que deputados cogitam fazer na Comissão Especial da reforma da Previdência: fazer modificações a ponto de apresentar praticamente um texto novo. A articulação feita na CCJ pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), foi bem-sucedida para a apreciação da admissibilidade. Passado o quase consenso no colegiado, lideranças estão brigando para propor modificações. Afinal, a avaliação de deputados é de que o texto-base aprovado não traz impacto na redução do valor da carga tributária com a desoneração do consumo e da folha de pagamento.

A cobrança por mudanças é quase unânime entre parlamentares dos mais diversos partidos que compõem a Frente Parlamentar Mista da Reforma Tributária e não se limita a partidos de centro. A oposição, por exemplo, apoia. Dentro da bancada mista, o PT conta com o maior número de representantes: 23. Em seguida, vem o PSL, com 20; PP, com 17; DEM, com 16; e PRB, com 14. As bases dessas siglas comunicaram seus líderes que trabalham para construir um texto que tenha apoio da maioria antes da criação da Comissão Especial.

O encaminhamento de um substitutivo ao parecer do deputado João Roma (PRB-BA), aprovado na CCJ, é visto como a hipótese mais provável. As análises ainda são incipientes, mas lideranças verificaram que há pouca margem para mexer no texto base, que tem a espinha dorsal baseada na substituição de cinco tributos (PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS) por um, o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS). A proposta, no entanto, é avaliada como insuficiente para reaquecer a economia pelo consumo, com redução da carga tributária e fim da guerra fiscal.

Desoneração

Os partidos discutem atualizar a tabela do Imposto de Renda (IR) com isenção para quem recebe até cinco salários mínimos. Debate-se também a fixação de uma alíquota de imposto único sobre o consumo estimada em 20% para as demais faixas de renda. A desoneração sobre a folha viria com taxação sobre dividendos — o lucro líquido distribuído entre acionistas de empresas. A medida atingiria os mais ricos, mas reduziria o IR das empresas de 34% para 20%. As taxas estão sendo debatidas, mas a ideia é aumentar o poder de compra das famílias, desonerando o consumo, e dos investimentos, tributando menos as companhias, admite o presidente da Frente Parlamentar Mista da Reforma Tributária, Luís Miranda (DEM-DF). “Apenas a simplificação tributária não resolve o problema da geração de empregos”, advertiu.

O IBS proposto no atual texto prevê a incidência sobre bens e serviços tangíveis e intangíveis; cobrança em todas as etapas de produção e comercialização; não cumulativo; sem incidência sobre exportações e investimentos, mas, sim, sobre importação, seja para consumidores ou empresas; a alíquota será composta pela soma das alíquotas federal, estadual e municipal; os estados poderão alterar a alíquota de competência do respectivo ente. (RC)