O Estado de São Paulo, n.45874, 24/05/2019. Metrópole, p. A16

 

Maioria do STF decide criminalizar homofobia 

Rafael Moraes Moura

24/05/2019

 

 

Protesto. Em frente ao Supremo Tribunal Federal, grupos realizaram atos a favor da criminalização na tarde de ontem

O Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria ontem para enquadrar a homofobia e a transfobia como racismo. A discussão sobre o tema foi retomada com as manifestações dos ministros Luiz Fux e Rosa Weber, que somaram seis votos pela criminalização da discriminação contra a comunidade LGBTI. A lei que define os crimes de preconceito de raça ou cor prevê pena de até cinco anos.

Conforme o Estado antecipou em fevereiro, a maioria dos ministros atendeu aos pedidos do partido Cidadania (ex-PPS) e da Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos (ABGLT), que acionaram a Suprema Corte em 2013 e 2012, respectivamente.

A análise das ações não foi concluída ontem porque os ministros dedicaram boa parte da sessão à discussão se deveriam ou não prosseguir com o julgamento depois de a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado ter aprovado um projeto que criminaliza a homofobia com exceção para garantir a liberdade religiosa.

Por 9 a 2, o STF entendeu que o resultado da CCJ não resolve a questão, já que o texto ainda passará por outras votações no Parlamento antes de ser submetido para sanção do presidente, que pode vetá-lo.

“Tivemos um aceno de que o Congresso vai votar, mas não temos certeza de que vai ser aprovado e a homofobia prossegue. Acolher o pedido da comunidade LGBT é cumprir o compromisso da Justiça que é dar a cada um aquilo que é seu”, disse Fux.

Em seu voto, o ministro destacou o papel da Corte ao validar o sistema de cotas nas universidades públicas – e lembrou os níveis “epidêmicos” de violência homofóbica. A cada 20 horas um LGBT é morto ou se suicida vítima de discriminação, de acordo com relatório do Grupo Gay da Bahia.

“As ações afirmativas não só geraram a criminalização do preconceito como também representaram um fato gerador de abertura do mercado de trabalho, de vagas em universidades, da vida em sociedade para os afrodescendentes – e assim também deve ser em relação aos integrantes da comunidade LGBT”, acrescentou Fux.

A conclusão do julgamento foi marcada para 5 de junho. “É obrigação levar adiante a jurisdição. A inércia (do Parlamento) continua, embora tenha havido um movimento (no Senado). A dor (de homossexuais e transexuais) tem urgência e 30 anos não são pouco tempo”, disse a ministra Cármen Lúcia, em referência à demora do Congresso em aprovar uma legislação. Além de Cármen, faltam votar outros quatro ministros.

Segundo Paulo Iotti, advogado e proponente das ações, há um entendimento do próprio STF de que racismo é qualquer ideologia que inferiorize um grupo social. “Acredito que a homofobia é um crime de racismo. Racismo é um gênero que admite negrofobia, xenofobia, religiofobia e etnofobia.” Hoje, diz, uma vítima de homofobia, ao registrar boletim de ocorrência, não consegue enquadrar o crime como tal.

Apelo. O julgamento foi acompanhado do plenário pela cantora Daniela Mercury e sua mulher, a jornalista Malu Verçosa. Integrantes do Supremo ouvidos pelo Estado acreditam que a mobilização de Daniela para que o tribunal retomasse o julgamento influenciou o presidente Dias Toffoli, que sofreu pressões da frente parlamentar evangélica para não levar adiante a votação. Daniela se reuniu com Toffoli anteontem.

“Estamos aqui mobilizados. É muito educativo que venha do STF essa primeira afirmação (da criminalização), tem efeito educativo gigantesco. É a Suprema Corte do nosso País falando do direito à dignidade, de ser diferente”, disse Daniela.

Dias Toffoli afirmou que, desde fevereiro, quando a Corte começou o julgar o caso, houve redução nos episódios de violência contra homossexuais e transexuais. Ele se posicionou contra a continuidade do julgamento, como forma de deixar que os parlamentares resolvam antes a questão. Apenas Marco Aurélio Mello o acompanhou./ COLABOROU JULIANA DIÓGENES

Violência

“Já perdi muitos amigos vítimas de homofobia, outros tantos vejo com medo de demonstrar carinho em público.”

Malu Verçosa

JORNALISTA E MULHER DE DANIELA MERCURY. ACOMPANHOU A SESSÃO NO SUPREMO ONTEM