O Estado de São Paulo, n.45879, 29/05/2019. Política, p. A4

 

Chefes dos poderes fazem gesto de união com 'pacto'

Vera Rosa 

Mariana Haubert 

29/05/2019

 

 

Reunião. Toffoli (a partir da esq.), Maia, Bolsonaro e Alcolumbre depois de encontro no Palácio da Alvorada, em Brasília

Dois dias depois das manifestações de rua que defenderam o governo e alvejaram o Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF), o presidente Jair Bolsonaro se reuniu ontem com chefes do Legislativo e do Judiciário, no Palácio da Alvorada, e, ao lado deles, alinhavou as linhas gerais de um documento intitulado “Pacto pelo Brasil”.

Anfitrião de um café da manhã com os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ); do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP); e do Supremo, Dias Toffoli, Bolsonaro disse não ter interesse em estimular o conflito na relação entre os Poderes e pediu união em torno de um cardápio de medidas para tirar o País do “fundo do poço”. O termo já foi usado pelo ministro da Economia, Paulo Guedes.

O plano de Bolsonaro é lançar o acordo de cavalheiros no próximo dia 10, em uma cerimônia em grande estilo, no Palácio do Planalto, para mostrar que um freio de arrumação, patrocinado pelo Executivo, virou a página da crise. Trata-se, na prática, de um pacto de governabilidade, que classifica as demandas da população como “o grande farol” da democracia.

O problema é que, ao menos até agora, o único entusiasta da ideia, fora do Planalto, é Dias Toffoli, que já havia apresentado essa proposta em fevereiro. Maia afirmou que vai consultar os líderes da Câmara antes de assinar o texto. Alcolumbre, por sua vez, adotou um discurso protocolar sobre o entendimento.

À noite, Bolsonaro contou ter dito a Maia, na conversa reservada, que sua caneta é mais poderosa do que a dele. “Eu disse ao Rodrigo Maia: com a caneta, eu tenho muito mais poder do que você. Apesar de você, na verdade, fazer as leis, né? Eu tenho o poder de fazer decretos. Logicamente, com fundamento”, relatou o presidente, ao participar do lançamento da Frente Parlamentar Mista da Marinha Mercante, no Clube Naval. Na sua avaliação, o Brasil está cheio de decretos. “Uma caneta BIC resolve esse problema.”

Com tom genérico, o pacto esboçado ontem cita cinco tópicos que, na visão dos chefes de Poderes, podem resultar em desenvolvimento. Os temas considerados prioritários são a reforma da Previdência, a modernização do sistema tributário – acompanhada de uma lei de execução fiscal “que facilite o dia a dia do pagador de impostos, sem prejuízo ao erário” –, a desburocratização das rotinas administrativas, a repactuação federativa e o combate aos crimes, à corrupção e aos privilégios.

“Este Pacto estabelece um novo momento de convivência e de assertividade pelo progresso e pela paz do povo brasileiro”, diz um trecho do documento, ao qual o Estado teve acesso. A mensagem também fala em “um novo tempo”.

Para Toffoli, a reunião de ontem serviu para demonstrar que não há conflitos institucionais no horizonte. “A assinatura desse compromisso mostra que os três Poderes estão imbuídos da necessidade de destravar o Brasil para retomar o crescimento e a geração de empregos”, argumentou ele.

A portas fechadas, Guedes – também presente ao encontro – fez um apelo para que todos insistam na defesa da reforma da Previdência. Maia lembrou já ter pedido para o deputado Samuel Moreira (PSDB-SP), relator das mudanças, antecipar o parecer e apresentá-lo na comissão especial antes de 15 de junho. O projeto é votar a reforma na Câmara ainda no primeiro semestre.

“Do ponto de vista concreto, não há nenhum movimento da Câmara e do Senado que tenha atrapalhado o governo até agora. Queremos construir com o governo outras pautas, além da Previdência, que ajudem a tirar o Brasil desta inércia”, observou Maia, mais tarde, em entrevista.

No Alvorada, Guedes admitiu que a aprovação da nova Previdência não basta para o País superar a crise. Foi então que Bolsonaro aproveitou a deixa e destacou a importância de uma agenda de medidas microeconômicas para melhorar, por exemplo, a concessão de créditos.

“Não há antagonismo entre os Poderes. Estamos confiantes de que o Congresso vai aprovar a reforma”, disse Guedes. “O Brasil precisa de harmonia e os Poderes têm de dialogar a favor do País”, afirmou o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, também presente ao café.

No Congresso, porém, as reações à proposta de entendimento, principalmente por parte do Centrão, irritaram o Planalto. “Estou achando que esse é um pacto para inglês ver”, resumiu o deputado Wellington Roberto, líder do PL (ex-PR) na Câmara. “Nós não vamos ser submissos. Somos eleitos para votar o que a sociedade clama, e não o que o governo quer.” O deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), líder da Maioria, foi irônico. “Pacto de quê? Para quem?”, provocou./ COLABORARAM AMANDA PUPO, FELIPE FRAZÃO e RENATO ONOFRE

“Novo momento'

“Este Pacto estabelece um novo momento de convivência e de assertividade pelo progresso e pela paz do povo brasileiro.”

Trecho da versão mais recente de texto intitulado “Pacto pelo Brasil”, que foi discutido ontem no Palácio do Alvorada