O globo, n. 31360, 17/06/2019. País, p. 5

 

Juízes e partes, uma relação a ser discutida

Carolina Brígido

17/06/2019

 

 

No Supremo Tribunal Federal, ministros têm formas diferentes de lidar com advogados de defesa e acusação; procuradores e juristas avaliam que relações devem mudar após vazamentos envolvendo a operação Lava-Jato

Atroca de mensagens entre o então juiz Sergio Moro e o procurador da República Deltan Dallagnol gerou debate sobre a relação entre juízes e as partes de processos. Se na Lava-Jato de Curitiba o juiz manteve proximidade com o Ministério Público, no STF esta comunicação é tratada com cautela.

O ministro Teori Zavascki, primeiro relator da Lava-Jato no tribunal, morto em 2017, não falava com advogados ou procuradores fora do tribunal. Segundo pessoas próximas, ele não adiantava suas decisões para o então procurador-geral da República, Rodrigo Janot.

Sucessor de Zavascki na Lava-Jato, o ministro Edson Fachin tem o mesmo comportamento. E não recebe ninguém sem um assessor presente.

Joaquim Barbosa, aposentado em 2014, foi um dos ministros mais rígidos do STF neste sentido. Só recebia um advogado em audiência se o da outra parte também estivesse. Muitas vezes, essa metodologia não interessava aos advogados. Em outras, as agendas eram incompatíveis. Por isso, quase não havia audiência.

Barroso elogia aconduta, mas usa outra: só recebe alguém diante de um assessor.

—No Brasil, há uma prática, generalizadamente aceita, de o advogado da parte despachar o caso com o juiz, isoladamente. O advogado faz isso, e o Ministério Público também. Na maior parte do mundo isso não é aceitável. O ministro Joaquim Barbosa tentou instituir a prática de não receber advogado sema presença do advogado da outra parte e foi criticado, injustamente —diz.

Maurício Corrêa, que morreu em 2012, foi ministro do STF até 2004. Dois anos e meio depois, já como advogado, foi acusado por Barbosa,

no plenário da Corte, de praticar tráfico de influência, por ter telefonado ao ministro pedindo celeridade no processo.

Em entrevista ao GLOBO em 2009, Corrêa defendeu-se:

— Nunca fiz nenhum pedido ilegal. Foi um equívoco dele, uma exacerbação.

Pouco comum

O ministro Marco Aurélio Mello, um dos críticos mais contundentes no STF da relação revelada entre Moro e Dallagnol, recomenda cautela na relação do juiz com as partes:

— Artífices processuais falam

nos autos. E o juiz há de manter a equidistância. Como a mulher de César, não basta ser, precisa parecer. Oti pode integração ocorrido, no momentoso caso Moro, é péssimo em termos de preservação da independência. Como seria visto semelhante diálogo do juiz com advogado do investigado?

O ministro Ricardo Lewandowski diz evitar ações que possam favorecer uma parte:

—Entendo que o magistrado deve pautara sua conduta pelo Código de É ticada Magistratura, em especial pelo artigo

8º: “O magistrado imparcial é aquele que busca nas provas a verdade dos fatos, com objetividade e fundamento, mantendo ao longo de todo o processo uma distância equivalente das partes, e evita todo o tipo de comportamento que possa refletir favoritismo, predisposição ou preconceito”.

Em Brasília, juízes e advogados costumam frequentar os mesmos ambientes. Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, um dos criminalistas mais atuantes no STF, é amigo de ministros da Corte, recebe-os em casa e troca mensagens

com eles. Mas diz que nunca tratou de processo fora das cortes:

—Eu tenho o WhatsApp de alguns ministros que são meus amigos pessoais, mas nunca trato de processo dessa forma. Isso é excrescência, é crime. Uma coisa nunca antes vista.

Juízes e procuradores ouvidos pelo GLOBO dizem que a relação entre os juízes e as partes do processo deve mudar.

—Esse episódio vai alterar o comportamento de quem permite intimidades — declarou um juiz de primeira instância, em caráter reservado.