O Estado de São Paulo, n.45875, 25/05/2019. Política, p. A10

 

Queiroz pagou tratamento em dinheiro 

Fabio Leire 

25/05/2019

 

 

 Recorte capturado

 

 

Ex-assessor do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) usou R$ 133 mil em espécie para quitar débito com hospital e equipe médica em SP

Investigado como operador de um suposto esquema de “rachadinha” dentro do antigo gabinete do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj), o ex-assessor Fabrício Queiroz pagou R$ 133,58 mil em dinheiro para cobrir as despesas médicas em São Paulo. Desse total, R$ 64,6 mil foram pagos ao hospital Albert Einstein pela cirurgia que fez em janeiro deste ano para retirada de um câncer no intestino. O restante pagou a equipe médica.

Segundo reportagem publicada ontem pelo jornal O Globo, o pagamento foi feito em 14 de fevereiro. A informação foi confirmada pelo Estado, que teve acesso à nota fiscal eletrônica emitida pelo hospital onde Queiroz se tratou. O documento aponta que o custo total do procedimento pago ao Einstein foi de R$ 86,1 mil e que o ex-assessor teve um desconto de R$ 16,1 mil, pagando, ao todo, R$ 70 mil. Os R$ 5,4 mil restantes teriam sido quitados com cartão de crédito – totalizando R$ 139 mil em gastos médicos.

De acordo com o documento, Queiroz foi internado em 30 de dezembro de 2018 e teve alta em 8 de janeiro deste ano. A cirurgia, segundo o Estado apurou, ocorreu no dia 1.º de janeiro. Desde então, segundo a defesa, o ex-assessor permanece em São Paulo se recuperando com o apoio da família e, por isso, faltou ao depoimento marcado pelo Ministério Público do Rio.

Os promotores queriam que ele explicasse as movimentações atípicas de R$ 1,2 milhão em um ano em sua conta bancária detectadas pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf). O caso foi revelado pelo Estado em dezembro de 2018.

Defesa. Em nota, o advogado Paulo Klein, que defende Queiroz, afirmou que “vê com naturalidade o fato de o Ministério Público investigar a origem dos recursos utilizados para pagamento das despesas médicas de Fabrício Queiroz” e que “a comprovação dos pagamentos com recursos próprios e dentro da sua capacidade econômica só reforçam que ele jamais cometeu qualquer crime”. O dinheiro usado para pagar a cirurgia estava guardado, de acordo com o advogado, em sua casa para amortizar o financiando de um imóvel no Rio.

No mês passado, Queiroz, Flávio Bolsonaro e outras 84 pessoas e 9 empresas tiveram o sigilo fiscal e bancário quebrados pela Justiça do Rio a pedido do Ministério Público. Os promotores apontam o que chamam de indícios robustos da existência de uma organização criminosa no gabinete da Alerj do ex-deputado e atual senador, que recolheria parte do salário dos assessores, prática conhecida como “rachadinha”, e faria transações imobiliárias com valores fraudados para “lavar dinheiro”.

Queiroz alega que arrecadava o dinheiro dos colegas de gabinete para contratar outros assessores externos a fim de aumentar a capacidade eleitoral da assessoria de Flávio Bolsonaro, sem o conhecimento do parlamentar. Flávio Bolsonaro nega que soubesse da prática do ex-assessor, diz que confiava em Queiroz. Afirma ainda que suas transações imobiliárias foram legais e que sofre perseguição do Ministério Público.

Hospital. O Estado procurou o Hospital Albert Einstein, que se manifestou por meio de nota. “Por questões de sigilo e privacidade, o Hospital Israelita Albert Einstein não fornece informações sobre seus pacientes.” Ainda em tratamento, Queiroz e sua família teriam se transferido para São Paulo. Além dele, a Justiça quebrou os sigilos bancário e fiscal de sua mulher e de suas duas filhas.

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'Ninguém imaginava a amplitude dos desvios'

Roberta Jansen 

Fabio Leite 

25/05/2019

 

 

Os recentes escândalos de corrupção que abalaram o País atingiram a Assembleia Legislativa do Rio como nenhuma outra no Brasil. O desmonte do esquema comandado pelo ex-governador Sérgio Cabral levou à prisão os três políticos do MDB que comandaram a Casa de 1995 a 2017 – o próprio Cabral, Jorge Picciani e Paulo Melo.

Outros cinco deputados, eleitos em 2018, tomaram posse na cadeia e foram mantidos presos nesta semana pela Justiça Federal no Rio, que aceitou contra eles denúncia de recebimento de propina, compra de apoio político e loteamento de cargos.

Já outros 28 parlamentares são investigados por peculato e lavagem de dinheiro no esquema conhecido como “rachadinha”, quando assessores devolvem parte do salário ao político. Entre os suspeitos, está o presidente da Assembleia, André Ceciliano (PT), cujos sigilos fiscal e bancário foram quebrados pela Justiça a pedido do Ministério Público. O Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) detectou movimentações atípicas de R$ 49 milhões nas contas de quatro pessoas vinculadas a seu gabinete.

Ceciliano se defende afirmando que confia no Ministério Público e no Tribunal de Justiça. “Já fui investigado, tenho ações, mas nunca foi condenado em nenhuma”, disse ele em entrevista ao Estado.

“No meu gabinete diziam que eram quatro assessores que teriam movimentado R$ 49 milhões. A gente se inteirou e, na verdade, são duas assessoras: uma que tinha uma empresa de material de construção e conta com o esposo, que era diretor financeiro de um grande hospital em Paracambi, e que, passada a eleição, convidei para trabalhar conosco. Ele entrou em fevereiro de 2011 e saiu em fevereiro de 2012, quando a esposa e sócia dele entrou.”

O petista chegou à presidência da Assembleia em fevereiro de 2018, após a prisão do então presidente da Casa, Jorge Picciani, e do afastamento do sucessor Wagner Montes (PDT) por motivos de saúde – ele morreu em janeiro. Reelegeu-se para o cargo em fevereiro deste ano, com discurso moderado.

Ao falar, porém, do caso envolvendo Fabrício Queiroz, exassessor de hoje senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) e acusado de movimentar de forma atípica mais de R$ 1,2 milhão, Ceciliano disse que “não há base legal” na versão apresentada por ele para justificar as transações.

Queiroz afirmou ao Ministério Público do Estado que fazia o “gerenciamento financeiro” de valores recebidos pelos demais servidores do gabinete. Em defesa apresentada por escrito, ele negou que tenha se apropriado desses valores, que, pela sua versão, eram usados posteriormente para ampliar a rede de “colaboradores” que atuavam na base eleitoral do parlamentar fluminense.

Ele afirmou ainda que, como acreditava estar agindo de forma lícita e dispunha da confiança de Flávio, “nunca reputou necessário expor” ao chefe “a arquitetura interna do mecanismo que criou”.

“Não tem base legal aquilo (recolher parte do salário de assessores para pagar “assessores externos” por fora, sem vínculo com a Alerj)”, disse Ceciliano.

Para o presidente da Assembleia, “algumas práticas a gente escutava, por exemplo, caixinha da Fetranspor” na Casa. “Acontecem depois as delações da Lava Jato, mas ninguém imaginou a amplitude, o tamanho desse negócio. Sou a favor da Lava Jato, só que tem de dar o direito à ampla defesa. Cada um que fez, sabe o que fez e tem de responder pelos seus atos.”