O Estado de São Paulo, n.45875, 25/05/2019. Internacional, p. A14
Favorito para posto de May aproxima Reino Unido de saída radical da UE
25/05/2019
Renúncia. O mais cotado para assumir a chefia de governo é Boris Johnson, defensor do Brexit e crítico das concessões feitas pela premiê a Bruxelas; ele sugeriu que pode negociar pacto, mas disse que o país deixará bloco em 31 de outubro, com acordo ou sem acordo
Após meses de luta com o Parlamento para tentar conduzir a saída do Reino Unido da União Europeia, a primeira-ministra britânica, Theresa May, admitiu seu fracasso ontem ao afirmar que deixará o cargo no dia 7 de junho. Ela abre uma luta dentro do Partido Conservador. O favorito para assumir seu lugar é Boris Johnson, um dos mais radicais defensores do Brexit, crítico de concessões feitas por May a Bruxelas. Com ele, cresce o risco de uma ruptura total com o bloco.
Em um discurso de seis minutos e meio em frente ao número 10 de Downing Street, a residência oficial do chefe de governo, Theresa May anunciou que deixaria o cargo, enquanto tentava controlar o choro. “Eu, em breve, vou deixar a função que foi a honra da minha vida: a segunda primeira-ministra mulher, mas certamente não a última. Eu fiz isso sem ser obrigada, mas com uma gratidão enorme e duradoura em ter tido a oportunidade de servir ao país que eu amo”, disse a premiê.
A saída de May do gabinete não será imediata e não está claro até quando ela permanece no cargo. Ela pode sair e um interino assumir durante o processo de escolha de um novo líder para o Partido Conservador, que deve começar em 10 de junho e se estender até meados de julho.
Outra opção seria ela permanecer como interina no cargo durante o processo, o que analistas afirmam ser pouco provável. O futuro premiê será escolhido por cerca de 120 militantes do Partido Conservador, formado basicamente por homens mais velhos.
“A única surpresa sobre a saída de May é que demorou demais. Ela resistiu bastante à pressão durante um ano”, disse ao jornal britânico The Guardian o analista político Stephen Barber, da Universidade de Bedfordshire. “A pressão dentro e fora de seu partido se intensificou até um ponto incontornável. Ela só sobreviveu até aqui porque os conservadores não conseguiram concordar com nenhum nome melhor.”
Agora os conservadores terão de chegar a um consenso. A premiê começou a enfrentar dificuldades no momento em que finalizou o acordo do Brexit com Bruxelas, no fim do ano passado. De lá para cá, foram três tentativas infrutíferas de aprovar seu plano. Uma quarta tentativa estava a caminho, mas foi interrompida pela insatisfação dos parlamentares com seu esboço.
Conservadores mais moderados temiam que um “brexiteer”, como são chamados os defensores da saída imediata do bloco europeu, pudesse afastar o Reino Unido da UE sem um acordo. Os brexiteers queixam-se de que os membros mais moderados do partido poderiam procurar um Brexit suave demais, que mantivesse o Reino Unido excessivamente preso às regras da UE.
Boris Johnson, o garoto-propaganda da campanha oficial do Brexit, em 2016, e favorito das casas de apostas para substituir May, quer um rompimento mais radical do que o proposto pela premiê. “Vamos deixar a UE em 31 de outubro, com acordo ou sem acordo.”
Ele sugeriu que poderia tentar renegociar um acordo melhor com Bruxelas. “Um novo líder terá a oportunidade de fazer as coisas de forma diferente e ter o ímpeto para conduzir uma nova negociação.”
Johnson teria o apoio da maioria dos parlamentares favoráveis à saída do Reino Unido, e poderia angariar apoio de parte dos moderados, segundo analistas. Mas a disputa será acirrada: há pelo menos outros 19 candidatos, com nomes fortes como Sajid Javid, Michael Gove e Jeremy Hunt. O líder do opositor Partido Trabalhista, Jeremy Corbyn, quer que as eleições sejam antecipadas.
Segundo analistas, é provável que defensores de um Brexit sem acordo tenham vantagem em um mundo pós-May, já que o Partido Conservador se vê sob pressão diante da criação do novo Partido do Brexit, liderado pelo político radical Nigel Farage, ícone da campanha pela saída do país do bloco europeu. O partido de Farage cresceu nos últimos meses e tem 35% das intenções de voto para o Parlamento Europeu, segundo pesquisas.
“A questão com a saída de May é que o Parlamento será consumido pelos debates conservadores e pelos trabalhistas exigindo uma eleição geral, enquanto a bomba-relógio do Brexit segue à espera”, afirmou ao Estado James Tilley, professor de política da Universidade de Oxford e autor de diversos estudos sobre o processo do Brexit. “Dependendo do tempo que levar essa escolha, o novo premiê que assumir o lugar de May herdará um problema sem solução e a poucos dias do prazo final.”