O globo, n. 31357, 14/06/2019. País, p. 4

 

Triunfo da ala ideológica

Jussara Soares

Gustavo Maia

14/06/2019

 

 

Em mais um capítulo da disputa pelo poder no governo, o presidente Jair Bolsonaro demitiu ontem o ministro Carlos Alberto dos Santos Cruz, chefe da Secretaria de Governo. General da reserva do Exército, ele era considerado o mais resistente e crítico à chamada ala ideológica, da qual fazem parte os filhos do presidente, e que briga por espaço e influência no Palácio do Planalto. Em seis meses, é o terceiro integrante do primeiro escalão a ser demitido em meio a polêmicas.

O ministro foi comunicado de sua saída em uma reunião com o presidente, da qual também participaram os ministros da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, e do Gabinete de Segurança Institucional, Augusto Heleno. Assume o cargo o general Luiz Eduardo Ramos Baptista Pereira, atual comandante militar do Sudeste.

Desde abril, o grupo radical vinha pedindo abertamente a demissão de Santos Cruz por “falta de alinhamento político-ideológico”. Segundo um auxiliar do presidente, Bolsonaro já havia se decidido pela demissão em maio, quando mencionou que haveria um “tsunami” no governo. O anúncio, no entanto, demorou a sair porque ele queria buscar um consenso entre os demais militares de que a permanência de Santos Cruz havia se tornado insustentável.

Ao ouvir que estava fora do governo, relatou um auxiliar direto do presidente, Santos Cruz ficou praticamento em silêncio. Afirmou apenas que respeitava a decisão, mas não concordava. Após se reunir com Bolsonaro, convocou uma reunião com seus principais assessores para comunicar a saída.

O ministro era considerado por seus adversários um entrave para o avanço das pautas mais conservadoras de Bolsonaro, a maioria delas promessas de campanha, e acusado de se intrometer em diversas áreas do governo. Também pesava contra o agora ex-ministro o fato de ser o mais alinhado ao vice-presidente Hamilton Mourão, outro alvo frequente da ala ideológica e dos filhos do presidente.

Comemoração

A demissão foi comemorada por integrantes do governo ligados ao ideólogo de direita Olavo de Carvalho. A vitória, no entanto, não foi completa. Eles tinham a expectativa de que o presidente nomeasse um civil para o cargo e, assim, diminuísse o número de militares no alto escalão, mas outro general foi indicado. Apesar disso, integrantes da ala ideológica avaliam que a queda de Santos Cruz colocará “fim nos conflitos internos no governo” e dará um recado claro a outros militares que ocupam cargo no Executivo: “Ninguém está garantido só por ser general.”

Militares que integram o governo teriam atuado para manter Santos Cruz no cargo. Internamente, Bolsonaro estaria emitindo sinais de “irritação” com a reação em grupo dos integrantes das Forças Armadas às críticas de Olavo de Carvalho. De acordo com auxiliares do presidente, Bolsonaro teria aumentado seu descontentamento ao ver a imagem de uma conversa por WhatsApp, supostamente escrita por Santos Cruz, na qual o ministro o chamaria de “imbecil” e sinalizaria aprovar a “solução Mourão”. Ao GLOBO, o ministro negou na época ser autor das mensagens.

Em carta divulgada no início da noite de ontem, Santos Cruz deixa claro que sai do governo por decisão do presidente. Em nota do Planalto, Bolsonaro disse que a substituição na Secretaria de Governo “não afeta a amizade, a admiração e o respeito mútuo.” A demissão, no entanto, não foi mencionada durante uma transmissão ao vivo do presidente pelas redes sociais.

Santos Cruz era considerado, até mesmo pelos seus pares, como o mais sisudo e linha-dura dos militares. O general ganhou projeção nas Forças Armadas pela experiência internacional, que inclui o comando das missões de paz das Organizações das Nações Unidas (ONU) no Haiti (de 2007 a 2009) e na República Democrática do Congo (2013 a 2015). O reconhecimento no meio militar lhe rendeu um convite para chefiar a Secretaria Nacional de Segurança Pública do governo Michel Temer entre abril de 2017 e junho do ano passado, quando deixou o cargo e foi chamado para ser consultor da ONU.

A desconfiança em relação a Santos Cruz começou a ganhar força ainda no início do governo. Ele teria atuado pessoalmente para impedir que Leonardo Rodrigues de Jesus, conhecido como Léo Índio e primo dos filhos do presidente, fosse nomeado no Planalto. Léo Índio atuaria no governo como um homem de confiança do vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ), o filho mais atuante nas redes sociais e que disputa, mesmo fora do Executivo, o comando de fato da comunicação do governo.

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No Palácio, a fritura é o método

14/06/2019

 

 

Após atritos com filhos de Bolsonaro, Santos Cruz é demitido da Secretaria de Governo

Aqueda do ministro Santos Cruz (Secretaria de Governo), o terceiro em seis meses de gestão do presidente Jair Bolsonaro, mostra que o chefe do Executivo escolhe a “fritura” como método para demitir seus principais auxiliares.

Os ministros Gustavo Bebianno (Secretaria Geral) e Ricardo Vélez Rodriguez (Educação) passaram pelo mesmo processo de desgaste antes de serem, enfim, dispensados. Nos três casos, Bolsonaro já havia decidido exonerá-los, mas deixou os auxiliares terem a imagem corroída nas redes, tornando a permanência insustentável.

Bebianno, o primeiro a cair, já sofria um afastamento do presidente desde o segundo turno das eleições. Em fevereiro, quando foi acusado por Carlos Bolsonaro de ter mentido ao dizer ao GLOBO que havia entrado em contato por telefone com o presidente, negando que vivia uma crise por causa das suspeitas de candidaturas laranjas no PSL, a decisão de tirá-lo do governo foi tomada. Após uma conversa tensa entre Bebianno e Bolsonaro, circulou a informação que a demissão era certa. O presidente esperou um fim de semana e o demitiu numa tarde de segunda-feira.

Em meio a uma série de polêmicas no Ministério da Educação, Bolsonaro chegou a negar que demitiria Vélez Rodríguez. Depois, em conversa com jornalistas também em uma sexta-feira, sinalizou que poderia dispensá-lo na segunda-feira seguinte, o que aconteceu.

No caso atual, Bolsonaro decidiu pela exoneração no início de maio, quando mencionou que haveria “um tsunami”, garantem alguns de seus principais assessores. Os constantes embates entre Santos Cruz e a chamada ala ideológica, incluindo os filhos do presidente, causavam irritação pelo menos desde abril. Ele adiou a decisão até que outros generais passassem a aceitar a saída. O anúncio, desta vez, pelo menos veio antes de mais um fim de semana.