O globo, n. 31357, 14/06/2019. País, p. 5

 

Um general amigo, que reconhece a ditadura e critica radicalismos

Vinicius Sassine

Thiago Herdy

14/06/2019

 

 

Luiz Eduardo Ramos, o novo ministro, é chamado de ‘meu pit bull’ por Bolsonaro pela amizade e lealdade de 46 anos

O general que vai substituir Santos Cruz no Palácio do Planalto é chamado de “meu pit bull” por Jair Bolsonaro. A expressão remete à amizade e à lealdade do militar ao presidente, e não a um comportamento radical por parte do novo ministro. Pelo contrário: o general quatro estrelas Luiz Eduardo Ramos, que chefia o Comando Militar do Sudeste e agora assumirá o cargo de ministro da Secretaria de Governo, tem posições moderadas em relação a assuntos como a ditadura militar e, a exemplo de Santos Cruz, demitido ontem, é crítico de Olavo de Carvalho, o ideólogo de direita.

O novo ministro é um militar que detém grande poder no Exército: é da ativa, chefia o Comando Militar do Sudeste e integra o alto comando da Força. Ramos desfruta de amizade com Bolsonaro, o que sempre fez questão de repetir e demonstrar a seus interlocutores. A relação próxima, inclusive, desperta ciúmes entre colegas, uma vez que ele tem convívio com o presidente, comandante supremo das Forças Armadas.

Ele costuma contar que fez com o presidente o passeio de moto no Guarujá, litoral paulista, durante o feriado de Páscoa, em abril. Um dos vídeos que circularam na época teria sido feito por um major do Exército que estava sentado na parte de trás da moto pilotada pelo general.

Ramos e Bolsonaro se conhecem há 46 anos. Eles foram da mesma turma na Escola Preparatória de Cadetes do Exército, em Campinas (SP), a partir de 1973. Sentavam lado a lado. Já na Academia Militar das Agulhas Negras (Aman), Bolsonaro foi da turma de 1977 e Ramos, do grupo de 1979.

O novo ministro da Secretaria de Governo tem opinião semelhante à de Santos Cruz sobre Olavo de Carvalho: enxerga radicalismos e entende que não se deve confrontar um ideólogo que nem mora no Brasil. A visão de Ramos é que a maior ligação com Olavo se dá por parte dos filhos, não do presidente.

"Tortura e barbaridades"

Outra opinião de Ramos que vai na contramão do que pensa Bolsonaro diz respeito à ditadura militar. O general costuma repetir a seus pares que houve, sim, um golpe, uma “quebra” do Estado Democrático de Direito, tortura e “barbaridades” por parte do Exército.

O novo ministro tem perfil mais conciliatório e se incomoda com radicalismos, que impedem, por exemplo, um diálogo com a esquerda. Em sua conta no Twitter, publicou fotos de um encontro com Aldo Rebelo, ministro da Defesa no governo de Dilma Rousseff (PT) e ex-integrante do PCdoB. Foi criticado, o que o incomodou. Ele defende, porém, que Bolsonaro não é radical e que são injustas as sucessivas críticas a seu governo, ainda no começo.

Bolsonaro e Ramos serviram na Brigada Paraquedista, mas Ramos era integrante das Forças Especiais. Em sua trajetória, o general atuou como comandante da 11ª Região Militar, em Brasília (DF), e da 1ª Divisão de Exército, no Rio de Janeiro. Também foi “Force Commander” da Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti e vice-chefe do Estado-Maior do Exército. Nos anos 1990, atuou, ainda, como adido militar em Tel Aviv.

Publicamente, Ramos sempre disse tratar apenas de amizade e histórias antigas nos frequentes encontros particulares com Bolsonaro, a maior parte deles em São Paulo. Ainda assim, no entorno do presidente, é reconhecido como um dos principais conselheiros e confidentes. A interlocutores, reclamou mais de uma vez que, apesar de dispor da amizade e da confiança de Bolsonaro, nem sempre o presidente levava em consideração seus conselhos sobre comportamento que considera “errático” do grupo de Olavo no governo.

O ministro da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva, disse ao GLOBO que a demissão de Santos Cruz foi uma “escolha pessoal do presidente”. Ele evitou dizer se existe um clima de insatisfação no Exército em razão da decisão. O ministro resumiu assim a saída do colega de farda:

— Coisa de soldado. Soldado é assim mesmo. Soldado é missão. Acabou a missão.

Azevedo afirmou que não participou da decisão de Bolsonaro de demitir Santos Cruz, nem da reunião que selou a demissão. O ministro da Defesa disse ter estado no Palácio do Planalto antes da reunião. Segundo ele, houve uma consulta sobre a indicação do novo ministro palaciano:

— O presidente me chamou para indicar, porque ele queria indicar o Ramos. Como ele é subordinado à Defesa, ao Comando do Exército, perguntou se eu tinha alguma coisa contra, eu falei que não. O Ramos é conhecido há muito tempo. Foi meu adjunto, foi meu vice a vida inteira. Conheço muito ele. Consultei o comando do Exército, que deu parecer positivo.