O Estado de São Paulo, n. 45873, 23/05/2019. Metrópole, p. A18

 

Decreto restringe fuzil, mas Casa Civil diz que arma pode ser usada no campo

Luci Ribeiro

Marco Antônio Carvalho

Tulio Kruse

23/05/2019

 

 

Segurança. Bolsonaro baixa novo decreto, que veta armamento pesado para população comum; comando do Exército definirá em 60 dias parâmetros objetivos para a diferenciação de armas de fogo. Instituto critica e vê atuação atabalhoada da gestão federal

O presidente Jair Bolsonaro baixou ontem novo decreto, regulamentando a aquisição e o porte de armas de fogo no País. O texto anterior, que havia sido assinado em 7 de maio, apresentava brechas para que fuzis pudessem ser adquiridos pela população civil, o que causou críticas até de associações internacionais e o pedido de revisão por 14 governadores. A fabricante brasileira Taurus chegou a informar que 2 mil pessoas estavam na fila para adquirir o seu fuzil T4. De acordo com a Casa Civil, só será permitida a posse de armamento pesado em área rural.

Como justificativa para a nova edição, o governo federal alegou questionamentos no Judiciário, no Legislativo e na sociedade em geral. “Fizemos pequenas alterações, mas no mérito, na alma, o decreto continua o mesmo”, disse Bolsonaro à noite. A medida é alvo de pelo menos cinco decretos legislativos que buscam sua revogação e foi questionada na Justiça pelo Ministério Público Federal (MPF) e no Supremo Tribunal Federal (STF) por dois partidos.

A tendência é de que os questionamentos continuem. O novo decreto manteve em grande parte o que era criticado por especialistas e associações nacionais e internacionais, como a Anistia, chegando a ampliar o número de categorias que poderão, por exemplo, requerer o porte de arma para circulação nas ruas. Pela regra que passa a ser vigente, podem portar armas políticos, advogados, jornalistas, guardas de trânsito, conselheiros tutelares e guardas portuários, entre outros.

Conforme a Casa Civil, a aquisição das chamadas armas portáteis (fuzis, carabinas e espingardas) será concedida “apenas para domiciliados em área rural”. Especialistas ouvidos pelo Estado, porém, observaram que não há elementos claros no documento para explicar essa autorização. Indagado sobre os fuzis, em entrevista à Rádio Band News, o ministro da Justiça, Sergio Moro, frisou que “(definir as armas permitidas) vai ser uma competência do Comando do Exército”.

Para o gerente do Instituto Sou da Paz, Bruno Langeani, as recorrentes mudanças mostram que o governo federal não lidou da forma devida com o tema. “O terceiro decreto (considerando o primeiro texto com flexibilizações, baixado em janeiro) mostra que o governo está tratando o assunto de forma atabalhoada e sem a análise técnica necessária.” Para ele, a inconstitucionalidade se mantém. “O consenso é de que não se pode estender porte a tantas categorias sem alteração na lei.”

Em nota, o Instituto Sou da Paz recomendou a imediata revogação. “O desejo obsessivo que demonstra o governo por uma verdadeira corrida armamentista só atende a uma minoria radicalizada, à indústria e ao comércio de armas e munições e às organizações criminosas, que terão acesso farto e generoso com a maior circulação de armas no País. O governo ignora evidências óbvias de que aumentará nossa já insuportável violência cotidiana.”

Parâmetros. O governo determinou que o Comando do Exército estabeleça em 60 dias parâmetros objetivos sobre a diferenciação de armas de fogo de uso permitido e de armas de uso restrito, assim como a lista dos calibres para cada categoria. Com isso, a gestão Bolsonaro pretender dar mais clareza ao tema, deixado de forma imprecisa no decreto anterior. A indefinição abria a possibilidade até de que pessoas condenadas por uso de armas de fogo de uso restrito pedissem revisão criminal e redução da pena.

Indefinição

“É necessária uma definição sobre as armas de uso controlado, pois isso pode influenciar ações penais em andamento. Se houver alteração, o acusado pode se beneficiar retroativamente e até pedir redução da pena.”

Luiza Frischeisen

SUBPROCURADORA-GERAL DA REPÚBLICA

PERGUNTAS & RESPOSTAS

Caminhoneiro poderá ter arma

1. Quem hoje pode comprar uma arma?

Todo cidadão acima de 25 anos que desejar adquirir uma arma de fogo pode fazer requisição e obter a liberação para comprar uma arma de uso permitido, mediante apresentação de uma justificativa de efetiva necessidade. A arma poderá ser mantida dentro da residência ou no interior do estabelecimento comercial.

2. Quem pode circular armado pela rua?

Para andar armado na rua é necessário obter uma autorização de porte de arma pela Polícia Federal. Para isso, o requerente deve apresentar a razão pela qual deseja andar armado, que pode ser, por exemplo, proteção após sofrer ameaças de morte. Pode obter o porte também por exercer atividade profissional de risco. O decreto de Jair Bolsonaro aumenta a lista de categorias englobadas nesse critério. Entre elas estão jornalistas que atuem em cobertura policial, caminhoneiros, advogados, guardas de trânsito, conselheiros tutelares, guarda portuário e funcionário de empresa de segurança privada.

3. Fuzis estão liberados?

Os fuzis, armamento considerado pesado e com alto poder de destruição, classifica-se na categoria chamada de arma portátil. O decreto anterior de Bolsonaro deixava uma brecha para que um fuzil específico tivesse a venda liberada para civis; ele tinha uma potência abaixo do limite previsto. O novo decreto, porém, vetou o porte de armas portáteis, como fuzis, pela população comum. O governo federal acredita que o armamento poderá ser liberado para ser mantido em casa por domiciliados em imóveis rurais, mas, para especialistas, isso não está objetivamente descrito no texto.

4. Menores podem ir a clubes de tiro?

A idade mínima para praticar o tiro esportivo foi alterada para 14 anos de idade.

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Menor de 14 anos é vetado em tiro esportivo

23/05/2019

 

 

O novo decreto passou a prever uma idade mínima para menores de idade participarem de atividades de tiro esportivo: 14 anos. O texto anterior causou polêmica ao não definir um patamar mínimo e, na prática, permitir que até crianças participassem dessas atividades, manuseando armas de fogo com munições reais.

Desde o decreto anterior, de 7 de maio, já não é mais necessário obter uma autorização judicial para que um adolescente participe de aulas de tiro esportivo, por exemplo. Para isso, bastava que pais formalizassem a autorização para o estabelecimento responsável. Essa possibilidade foi ratificada no novo texto divulgado ontem.

Aviação. O novo decreto fez outras alterações relevantes, como a devolução para a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) da atribuição sobre regras de circulação de armas em voos comerciais.

O texto anterior abria a possibilidade de que os Ministérios da Defesa e da Justiça fizessem alterações nos procedimentos permitidos, o que levou a Anac e as empresas aéreas a se manifestarem de forma contrária à mudança, em razão do respeito a normas internacionais de voos. Temia-se, dessa maneira, afetar a segurança dos voos e a realização de viagens internacionais partindo do Brasil.

A agência informou que atualmente segue os padrões estipulados internacionalmente sobre o assunto. As regras atuais da Anac estabelecem que o embarque de passageiro portando arma de fogo se restrinja a agentes públicos que, cumulativamente, possuam porte de arma por razão do ofício e necessitem comprovadamente ter acesso a ela.

A necessidade de acesso à arma só se justifica, explica a Anac, em casos de escolta de autoridade, testemunha, passageiro custodiado, execução de técnica de vigilância ou se uma operação puder ser prejudicada se arma e munições forem despachadas./ M.A.C. e T.K.

Inspeção

“Caso identifique grave risco à segurança, pode-se emitir alerta para os Estados-membros, informando dos riscos identificados naquele País.”

NOTA DA ANAC SOBRE AUDITORIA AGENDADA PARA ESTE MÊS