Correio braziliense, n. 20458, 26/05/2019. Política, p. 3

 

Supremo não acredita em desgaste

Luiz Calcagno

26/05/2019

 

 

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Marco Aurélio Mello franziu o cenho, e adotou tom questionador, ao comentar as manifestações de hoje. Ele nega, assim como os colegas da Corte, que o movimento, mesmo que seja considerável, tenha a capacidade de provocar desgaste institucional entre Executivo e Judiciário. Mas o ministro não consegue esconder uma certa perplexidade em relação à situação política que culmina com este momento. “Como surgiu essa ideia (das manifestações pró-Bolsonaro)? É uma incógnita. E qual é o móvel? Visa um protesto contra o Congresso, contra o Supremo, contra a imprensa? Ou um apoio para um governo que está nos primeiros seis meses?”, disparou.

A conversa com Marco Aurélio foi rápida. Durou uma caminhada de 50 ou 60 passos no tapete vermelho, no subsolo do STF. O ministro seguia para o plenário, no dia da votação que garantiu maioria a favor da criminalização da homofobia. Além de não compreender a necessidade de um governante precisar de apoio com apenas seis meses de mandato, o juiz da Suprema Corte comentou sobre eventuais riscos de radicalização. “Apoio popular ao governo, geralmente, deságua em uma visão totalitária. É impensável essa visão no Brasil, no Estado democrático em que nós vivemos”, alertou.

Para ele, o protesto agrava um cenário de fragilidade. “Gera, para a sociedade como um todo, uma certa insegurança, e isso não é bom. Estamos no ápice de uma crise econômica e financeira das mais sérias, com desemprego em massa e delinquência a galope e se sugere instabilidade em termos de República. Isso é negativo”, ressaltou. “De início, houve uma notícia de que ele (Bolsonaro) até compareceria às manifestações. Eu espero que ele esfrie e que não vá adiante.”

Os demais ministros procurados pela reportagem se esforçaram para demonstrar uma relação equidistante com as manifestações pró-governo. Rosa Weber e Cármen Lúcia não comentaram o assunto. Alexandre de Moraes descreveu o movimento como “tantos outros”. “É normal da democracia. Que eu tenho lido na mídia, o presidente não estará presente”, afirmou. Gilmar Mendes, mais taxativo, disse que não emitiria juízo. Porém, questionado sobre o fato de Bolsonaro ter compartilhado um convite das manifestações por WhatsApp, ele acabou falando: “Cada qual tem suas responsabilidades nas instituições e deve zelar por elas”, opinou. Ricardo Lewandowski manteve a tônica dos colegas.

Ataques indiretos

Na visão do presidente da Associação dos Magistrados do Distrito Federal (Amagis), Fábio Estevez, as tensões entre governo e STF não vêm do Planalto, mas de parlamentares governistas do PSL, partido do presidente. Por isso, ele acredita, a relação entre Executivo e Judiciário não sofrerá desgastes diretos. “A manifestação preocupa muito mais ao Legislativo do que ao Judiciário. O Executivo não tem confrontado o Supremo. Quem vemos confrontando o STF são integrantes de partido do governo”, avaliou.

Mestre na Faculdade de Direito da Universidade de Brasília, Felipe da Silva Freitas discordou de Estevez. “Acho que o governo Bolsonaro, o presidente em particular, desde um primeiro momento, fragiliza as instituições. Ainda nas eleições, não se posicionou com clareza quando o filho falou em fechar o STF”, destacou. “As falas de deputados do PSL na internet são assustadoras. O mesmo ocorre com a rede de blogs de direita vinculada ao bolsonarismo. A ponto de parte dos movimentos de direita, como o MBL, se retirarem. Ameaçam o STF, questionam decisões dos ministros um a um. Os ministros têm assumido a discrição como tônica, mas existe uma ameaça ao Judiciário e às instituições.”

Ele acredita que o governo só terá perdas com as manifestações. “O resultado, seja qual for, vai ser péssimo. Se for pífio, mostrará que Bolsonaro não tem base social, e, se forem manifestações fortes, Bolsonaro estará pondo em risco o Legislativo e o Judiciário”, observou.

Frase

"Apoio popular ao governo, geralmente, deságua em uma visão totalitária. É impensável essa visão no Brasil, no Estado democrático em que nós vivemos”

Marco Aurélio Mello, ministro do STF