O Estado de São Paulo, n. 45867, 17/05/2019. Política, p. A8

 

Queiroz fez saques de R$ 661 mil em 18 meses

Fabio Leite

Marcelo Godoy

Roberta Jansen

17/05/2019

 

 

Movimentação em espécie de ex-assessor de Flávio é apontada em relatórios do Coaf

Relatórios do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) enviados ao Ministério Público do Rio apontam que Fabrício Queiroz, ex-assessor do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj), sacou R$ 661 mil em dinheiro durante um período de 18 meses, entre janeiro de 2016 e junho de 2018.

As movimentações consideradas atípicas – detectadas originalmente pelo sistema de compliance do Banco Itaú, onde Queiroz é correntista – foram anexadas pelos promotores ao pedido de quebra de sigilo bancário e fiscal de Flávio, do ex-assessor e de outras 93 pessoas e empresas no âmbito do inquérito que investiga o hoje senador por peculato (desvio de dinheiro público por servidor) e lavagem de dinheiro.

Até agora, os dois principais documentos conhecidos da investigação envolvendo o filho mais velho do presidente Jair Bolsonaro eram relatório que apontava movimentações (saques e depósitos) atípicas de R$ 1,2 milhão na conta de Queiroz ao longo de 2016, revelado pelo Estado em dezembro de 2018, e outro que reportava 48 depósitos fracionados de R$ 2 mil na conta de Flávio entre junho e julho de 2017.

Os novos registros mostram, segundo o MP, que Queiroz “movimentou enormes volumes de créditos e saques em espécie”. Só em retiradas de dinheiro foram R$ 146,4 mil entre janeiro e abril e de outubro a dezembro de 2016; R$ 324,8 mil entre janeiro e março de 2017; e R$ 190 mil entre novembro de 2017 e junho do ano passado. Nos mesmos períodos, de acordo com o documento, a conta de Queiroz recebeu R$ 628,2 mil em créditos ou depósitos.

Para os promotores, “as centenas de depósitos e saques em espécie realizados de forma fracionada na mesma conta corrente” de Queiroz “evidencia” a suspeita de que o ex-assessor de Flávio recebia mensalmente parte do salário dos demais assessores, e “distribuía parte do dinheiro a outros integrantes da organização criminosa”, através da prática conhecida no meio político como “rachadinha”.

Os promotores lembram que o próprio Queiroz admitiu em manifestação enviada por escrito – ele faltou aos depoimentos presenciais – que arrecadava dinheiro dos demais colegas de gabinete, mas não conseguiu provar até agora a versão de que usava esses recursos para contratar assessores externos por fora, prática proibida pela Alerj. “Não há evidências de que quaisquer pessoas tenham sido remuneradas pelos valores desviados para a conta de Fabrício Queiroz”, afirmam os investigadores.

O primeiro relatório do Coaf revelado pelo Estado apontou que Queiroz recebeu depósitos de outros nove assessores de Flávio e ainda emitiu um cheque de R$ 24 mil para a primeira-dama, Michele Bolsonaro. Segundo relato do presidente, o cheque serviu para quitar um empréstimo feito por ele a Queiroz. Único assessor a prestar depoimento ao MP, o policial militar Agostinho Moraes da Silva admitiu que repassava R$ 4 mil do salário (de R$ 6 mil) a Queiroz, mas que seria para investir na compra e venda de carro intermediada pelo colega.

Segundo os promotores, somente a quebra de sigilo de Flávio e seus assessores permitirá “desvendar os mecanismos utilizados para branquear os valores de origem ilícita”, “quantificar o volume de recursos desviados dos cofres públicos pelo esquema das rachadinhas” e “identificar todos os coautores e partícipes”.

Mãe. Outro relatório do Coaf anexado pelo MP revela que o policial militar Jorge Luis de Souza, também ex-assessor de Flávio na Alerj, fez um depósito de R$ 90 mil em espécie na conta bancária de sua mãe, Nicelma Ferreira de Souza, em 23 de março de 2018, em Rio das Ostras, na Região dos Lagos. Souza era um dos policiais requisitados da corporação para assessorar Flávio na Alerj.

Em nota, Flávio Bolsonaro disse que lamenta que “algumas autoridades do Rio de Janeiro continuem a vazar ilegalmente à imprensa informações sigilosas querendo conduzir o tema publicamente pela imprensa e não dentro dos autos” e reiterou que seus mandatos “sempre foram pautados pela legalidade” e “tudo será provado em momento oportuno dentro do processo legal”.

Procurado ontem, o advogado de Queiroz, Paulo Klein, não respondeu o contato. O ex-assessor sempre negou as acusações de desvio de recursos da Alerj. O Estado não localizou os demais citados, nem seus advogados.

‘Desvios’

“(Quebra de sigilo vai permitir) Desvendar os mecanismos utilizados para branquear os valores de origem ilícita.”

“As informações da inteligência financeira sugerem que as quantias desviadas do orçamento da Alerj eram distribuídas entre as principais lideranças do gabinete.”

Ministério Público do Rio

INQUÉRITO

● Investigação criminal feita por promotores do Rio quebrou o sigilo bancário fiscal do senador Flávio Bolsonaro (PSL), de seu ex-assessor Fabrício Queiroz e de outras 93 pessoas e empresas

● Suspeita levantada pelo Ministério Público

1.  Flávio Bolsonaro

Então deputado estadual nomeia funcionários fantasmas em seu gabinete na Assembleia do Rio

2 . Assessores que não dão expediente ou têm outra fonte de renda repassam parte do salário a Fabrício Queiroz

3 . Fabrício Queiroz

Ex-motorista de gabinete repassa dinheiro para outros integrantes da organização, incluindo Flávio

4 . Parlamentar registra transações imobiliárias com valores fraudados para simular lucro e encobrir enriquecimento ilícito decorrente de desvio de dinheiro da Assembleia

5 .  Esquema teria funcionado entre 2007 a 2018 no gabinete de Flávio na Assembleia Legislativa no Rio

● Indícios investigados

Funcionários fantasmas

Nomeação de assessores que não davam expediente na Assembleia ou escritório político do parlamentar

Peculato (desvio de dinheiro público por servidor)

Nove ex-assessores depositavam mensalmente parte de seus vencimentos na conta de Queiroz, prática conhecida como ‘rachadinha’

Lavagem de dinheiro

48 depósitos de R$ 2 mil foram feitos na conta de Flávio entre junho e julho de 2017, segundo relatório do Coaf

Lavagem de dinheiro

Transações imobiliárias feitas com altas quantias em espécie, com valor de compra subfaturado e valor de venda superfaturado, e com empresa com sede em paraíso fiscal

Organização criminosa

Participação de diversos assessores, com certo grau de estabilidade e permanência e divisão de tarefas

FONTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO RIO DE JANEIRO

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Quebra de sigilo atinge ex-assessores de Carlos

Caio Sartori

17/05/2019

 

 

Ao quebrar o sigilo fiscal e bancário de todos os ex-funcionários do gabinete do hoje senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj), a Justiça fluminense alcançou outros políticos da família Bolsonaro. Além dos oito ex-assessores do presidente Jair Bolsonaro que estão na mira da investigação por causa de Flávio, dois servidores que passaram pelo gabinete do vereador carioca Carlos Bolsonaro (PSC) também tiveram seu sigilo quebrado pela Justiça.

Ligados ao ex-policial militar Fabrício Queiroz, pivô do caso Coaf, Márcio da Silva Gerbatim e Claudionor Gerbatim de Lima já estiveram lotados nos gabinetes tanto de Flávio, na Assembleia, como no de Carlos, na Câmara Municipal. A quebra de sigilo investiga suspeita de “rachadinha”, prática por meio da qual funcionários devolvem parte do salário para o parlamentar que os nomeou.

Márcio Gerbatim, que foi casado com a atual mulher de Queiroz, trabalhou no gabinete de Carlos entre abril 2008 e abril de 2010. Após os dois anos de serviço na Câmara Municipal, foi exonerado por Carlos e nomeado por Flávio na Alerj como assessor adjunto, cargo que exerceu até maio de 2011.

Já Claudionor Lima é sobrinho da mulher de Queiroz e fez o caminho inverso ao de Márcio Gerbatim: trocou a Alerj pela Câmara Municipal. Ele é pai de Evelyn Mayara de Aguiar Gerbatim, enteada de Queiroz, que esteve lotada no gabinete de Flávio na Assembleia de agosto de 2017 até fevereiro deste ano.

Como mostrou o Estado, a prática de compartilhar ou trocar funcionários é comum na família Bolsonaro. Ao todo, 30 pessoas já passaram por mais de um gabinete do clã, sendo 28 deles pelo do pai e pelo de um dos filhos. Desses 30, os únicos dois que não passaram pelo gabinete de Jair Bolsonaro foram Márcio da Silva Gerbatim e Claudionor Lima.

A reportagem tentou contato com Carlos Bolsonaro pelo telefone do gabinete e por e-mail, mas não obteve resposta até a conclusão desta edição. Márcio Gerbatim e Claudionor Lima não foram localizados para comentar.