Correio braziliense, n. 20458, 26/05/2019. Brasil, p. 8

 

Guerra ideológica no ensino

Luiz Calcagno

Maria Eduarda Cardim

26/05/2019

 

 

 Recorte capturado

Educação » Presidente Jair Bolsonaro e ministro Abraham Weintraub não poupam críticas à academia, mas esquecem que maior parte dos integrantes do primeiro escalão se formou ou fez especializações nesses territórios ditos de esquerda

Quando o presidente Jair Bolsonaro e o ministro da Educação, Abraham Weintraub, criticam as universidades do país sem apresentar dados concretos sobre o que estão dizendo, incorrem em vários erros nessa guerra ideológica. Desinformam a parcela da população que não fez curso superior, corrompem o diálogo com categorias dessas instituições, como professores, reitores, técnicos e estudantes, além de ofenderem alunos e ex-alunos de federais. Na avaliação de especialistas, a atitude vem de um não entendimento da importância dessas unidades para o país.

Os ataques são frequentes, tanto nas redes sociais quanto em discursos e em entrevistas. Um dos mais recentes, em Dallas, nos Estados Unidos, após receber a homenagem e o prêmio de personalidade do ano da Câmara de Comércio Brasil-EUA, Bolsonaro disparou contra fantasmas nas instituições de ensino superior da União. “Temos potencial humano fantástico, mas a esquerda brasileira entrou, infiltrou e tomou, não só a imprensa brasileira, mas também grande parte das universidades e escolas dos ensinos médio e fundamental”, afirmou.

A fala veio na sequência dos protestos que tomaram as ruas de mais de 200 cidades do Brasil contra o corte de verba em universidades federais. Pouco antes, o presidente havia chamado os manifestantes de “idiotas úteis”. Weintraub, por sua vez, postou nas redes sociais, dias após o primeiro anúncio dos bloqueios no orçamento das instituições de ensino superior, uma “indireta” sobre o que pensa dos gestores dessas entidades. “Para quem conhece universidades federais, perguntar sobre tolerância ou pluralidade aos reitores (ditos) de esquerda faz tanto sentido quanto pedir sugestões sobre doces a diabéticos”, escreveu o chefe do MEC.

Acontece que vários membros do governo se formaram ou fizeram especializações nesses territórios ditos de esquerda. A reportagem do Correio fez um levantamento e constatou que, entre os ministros de Bolsonaro, a maioria (12) tem graduação em universidades federais ou estaduais, sendo que oito deles se formaram ou fizeram especializações em federais. Weintraub, por exemplo, se formou em economia na Universidade de São Paulo.

Mesmo entre os militares, há quem tenha pisado em câmpus “esquerdistas”, como é o caso do almirante de esquadra Bento Albuquerque, ministro de Minas e Energia. Formado pela Escola Naval, Bento seguiu carreira militar, mas tem pós-graduação em ciências Políticas pela Universidade de Brasília (UnB), instituição que, segundo o ministro da Educação, é foco de “balbúrdia”. O ministro de Relações Exteriores, Ernesto Araújo, é formado em Letras pela UnB.

Raízes

O ministro da Economia, Paulo Guedes, que tem doutorado em Economia na Universidade de Chicago, berço do pensamento econômico liberal, fez graduação na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Já a ministra Damares Alves (Direitos Humanos) é formada em uma universidade que foi descredenciada pelo MEC.

Sociólogo e coordenador-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação Daniel Cara explicou que a sanha do governo com as federais têm raízes em uma percepção distorcida da importância desses órgãos. “As federais e as estaduais são um patrimônio do país. Faz todo sentido, mesmo diante de um governo que procura atacar as universidades, observar que os membros desse governo estudaram nessas instituições. Afinal, são elas que formam as elites intelectuais e econômicas do país”, ponderou. No entanto, ele avaliou que os ataques são “um paradoxo”. “Se você não considera a universidade pública um direito, mas um privilégio, você quer que seja exclusivo. A partir daí, não considera que as instituições sejam um direito para todos os cidadãos. Os protestos de 15 de maio, no entanto, mostraram que a população considera o ensino público superior de qualidade um direito de todos”, refletiu.

Gilberto Lacerda, professor titular da Faculdade de Educação da UnB, acredita que a política pública dos cortes estabelecida pelo governo Bolsonaro contradiz a formação da maioria dos ministros em universidades públicas. “Além disso, contraria os próprios indicadores de sucesso e de contribuição para a sociedade das próprias universidades. Elas estão sendo atacadas como se fossem improdutivas e o cenário atual mostra o contrário”, defendeu.

Frase

"As federais e as estaduais são um patrimônio do país. Faz todo sentido, mesmo diante de um governo que procura atacar as universidades, observar que os membros desse governo estudaram nessas instituições”

Daniel Cara, Sociólogo e coordenador-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação

Veja a formação acadêmica dos 22 ministros do governo

Onyx Lorenzoni

Ministro-chefe da Casa Civil

Formado em medicina veterinária pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), no Rio Grande do Sul

Sérgio Moro

Ministro da Justiça e Segurança Pública

Formado em direito pela Universidade Estadual de Maringá (PR), com mestrado na Universidade Federal do Paraná (UFPR)

Paulo Guedes

Ministro da Economia

Formado em economia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)

Tereza Cristina

Ministra da Agricultura

Formada em engenharia agronômica pela Universidade Federal de Viçosa (UFV), em Minas Gerais

Abraham Weintraub

Ministro da Educação

Formado em ciências econômicas pela Universidade de São Paulo (USP)

Roberto Campos Neto

Presidente do Banco Central

Formado em economia pela Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos

Tarcísio Gomes de Freitas

Ministro da Infraestrutura

É capitão formado pela Academia Militar das Agulhas Negras, no Rio de Janeiro (RJ), e graduado em Engenharia Civil pelo Instituto Militar Engenharia (IME)

Bento Costa Lima de Alburquerque

Ministro de Minas e Energia

Formado pela Escola Naval, seguiu carreira militar, mas tem pós-graduação em cências políticas pela Universidade de Brasília (UnB)

Luiz Henrique Mandetta

Ministro da Saúde

Formado em medicina pela Universidade Gama Filho, no Rio de Janeiro (RJ)

Tenente-coronel Marcos Pontes

Ministro da Ciência, Tecnologia e Comunicação

Engenheiro Aeronáutico formado pelo Instituto de Tecnologia Aeronáutica (ITA), de São José dos Campos (SP)

General Carlos Alberto dos Santos Cruz

Ministro-chefe da Secretaria de Governo

General da reserva com formação na Academia Militar das Agulhas Negras, no Rio de Janeiro (RJ)

General Fernando Azevedo

Ministro da Defesa

Ingressou no Exército aos 19 anos, em 1973, e seguiu carreira na corporação

General Augusto Heleno

Ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI)

General da reserva com formação na Academia Militar das Agulhas Negras, no Rio de Janeiro (RJ)

Floriano Peixoto

Ministro da Secretaria-Geral da Presidência

General da reserva com formação na Academia Militar das Agulhas Negras, no Rio de Janeiro (RJ)

Gustavo Canuto

Ministro do Desenvolvimento Regional

Formado em engenharia de computação na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e em direito pelo Centro Universitário de Brasília (UniCEUB)

Wagner Rosário

Ministro da Controladoria-Geral da União

Capitão do Exército formado em ciências militares pela Academia Militar das Agulhas Negras, no Rio de Janeiro (RJ)

Ricardo Salles

Ministro do Meio Ambiente

Formado em direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, em São Paulo (SP)

Marcelo Álvaro Antônio

Ministro do Turismo

Não conseguiu concluir o curso de engenharia civil pelo Centro Universitário de Belo Horizonte (UniBH)

Damares Alves

Ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos

Formada em direito pelas Faculdades Integradas de São Carlos, instituição que foi descredenciada pelo MEC

Osmar Terra

Ministro da Cidadania

Formado em medicina pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)

Ernesto Araújo

Ministro das Relações Exteriores

Formado em letras pela Universidade de Brasília (UnB)

André Luiz De Almeida

Ministro da Advocacia-Geral da União

Formado em direito pela Faculdade de Direito de Bauru, no interior de São Paulo