O globo, n. 31358, 15/06/2019. Economia, p. 22
Mudança no FAT ameaça pagamentos do BNDES
Rennan Setti
Danielle Nogueira
Bruno Rosa
Geralda Doca
15/06/2019
Proposta de fim de repasses do fundo ao banco de fomento pode afetar cronograma de devolução de recursos ao Tesouro. Somente neste ano, governo espera receber R$ 126 bi. Para ex-presidentes, medida prejudica investimento
Impacto. Proposta de mudança no FAT causou desconforto no BNDES, num momento em que ele revê seu papel
Ofim dos repasses do Fundo de Amparo aoTrab alha dor(FAT)aoBND ES, incluído no relatório da reformada Previdência,surpreendeu até parlamentares e oco mando do banco de fomento e tende a atrapalhar o cronograma de devoluções de recursos ao Tesouro,disseram fontes a pardo assunto. De acordo com expresidentes e ex-diretores do BNDES, a medida põe em xeque a retomada do investimento no país.
Pela Constituição de 1988, 40% do PIS-Pasep, principal fonte do FAT, são repassados ao BNDES, que empresta os recursos ao setor produtivo. Hoje, seu saldo em carteira do banco é de R$ 268,7 bilhões, 83,7% mais do que tinha em 2011, segundo boletim do FAT. Para es teano, estápre vistoo repasse de R $18,8 bilhões. A proposta do governo previa restringir repasses aoBND ES a 28% do PI S-P asep,m as o parecer do relator prevê que eles sejam extintos. (O texto ainda será votado no Congresso). Isso eliminaria recursos que somam 35,3% das fontes de financiamento do BNDES, fatia que tende acrescer coma devolução de empréstimos ao Tesouro.
O BNDES está devolvendo, com juros, os R$ 416 bilhões tomados junto ao Tesouro entre
2008 e 2014 para fazer frente à crise. Desde 2015, já foram devolvidos R $330 bilhões, mas o saldo de vedo ré de R$ 250 bilhões. Antes da mudança de governo, o plano era que o BNDES restituísse cerca de R$ 25 bilhões anualmente, mas o ministro da Economia, Paulo Guedes, pressiona para que, só neste ano, R$ 126 bilhões sejam devolvidos. Com o fim dos repasses do FAT, porém, isso pode não ser possível. Segundo interlocutores do banco, o BNDES só pode devolver recursos se identificar que não há demanda para eles. É mais fácil sobrar com uma base maior. Sem os repasses do FAT, com menos dinheiro disponível, o Tesouro terá de competir de forma mais acirrada com as atividades do banco. Segundo essas fontes, a medida causa ainda mais desconforto porque surge no momentoem que oBNDESp assa por uma transição, na qual revê seu papel. O banco, que já foi o banco das privatizações nos anos 1990 e se agigantou nos governos do PT, como aumento do crédito e apolítica de campeãs nacionais, busca agora se estabelecer como indutor do mercado de capitais e responsável pela estruturação de grandes projetos de infraestrutura. O problema é que o próprio bancos abeque, hoje, o mercado não está preparado para suprir os recursos que serão necessários quando a economia voltar a andar. Questionado sobre esses pontos, o presidente do BNDES, Joaquim Levy, disse que estuda o assunto, mas destacou a importância do FAT. — O FAT é muito importante porque ele nos ajuda a alimentar e irrigar os bancos médios e cooperativas para concorrer com os bancos grandes. Sem o FAT, isso vai ser mais difícil — afirmou Levy ao GLOBO.
Conselho do FAT critica
A proposta desagradou a integrantes do conselho deliberativo do FAT, o Codefat, que se articulam para derrubá-la. Segundo o conselheiro Sérgio Leite, secretário da Força Sindical, a medida é um erro porque os recursos são aplicados em projetos de infraestrutura, que geram emprego e renda. Ele afirmou já ter acionado o deputado Paulo Pereira da Silva (SD-SP) para reverter o fim dos repasses na votação do relatório na comissão ou no plenário da Câmara. Interlocutores do BNDES lembram que o FAT sairia prejudicado com a medida, já que o BNDES remunera o fundo com os juros obtidos com os financiamentos.
— Só o que o banco paga já cobre toda a necessidade de gasto com o abono salarial. E, em momento de crise, o FAT pode pedir de volta parte dos recursos. O BNDES acaba sendo uma forma de poupança —disse uma fonte. O ex-presidente do BNDES Dyogo Oliveira classificou de equivocada a medida, dizendo que ela vai na contramão do objetivo da reforma: — Usar os recursos para cobrir o buraco do custeio diário do governo é um equívoco e contraria um dos principais objetivos da reforma que é retomar os investimentos na economia. Presidente do banco entre 2007 e 2016, Luciano Coutinho avalia que o fim dos repasses terá impacto negativo sobre o crescimento. —Prejudicará significativamente a capacidade do banco para fazer frente à recuperação dos investimentos, sobretudo de infraestrutura. Sem um BNDES capitalizado, o preço é crescimento baixo, aquém da capacidade e das necessidades do país. Ernani Torres, ex-superintendente do BNDES, criticou a proposta:
— Retirar os recursos do FAT é um passo mortal, pois ele dá estabilidade ao banco. Se misso, o banco pode morrer em dez anos ou até menos. Carlos Thadeu de Freitas, conselheiro do BNDES, ponderou, porém, que não há problemas acurto prazo, com os desembolsos baixos. Op roble maéamédiopr azo: —O banco vai ter que buscar outras fontes de captação, quando a demanda da economia voltar acrescer. Por isso, é necessário captar no exterior, por exemplo.