O Estado de São Paulo, n. 45864, 13/05/2019. Economia, p. B3
Reforma deve forçar país a poupar mais
Fernando Scheller
13/05/2019
Mudança na Previdência pode ameaçar noção de aposentadoria garantida, incentivando brasileiro a ampliar reservas, dizem economistas
Bem inferior à média global, a taxa de poupança do Brasil é hoje uma das menores entre os principais países da América Latina (exceto Argentina), “lanterninha” entre os Brics (grupo que inclui Rússia, Índia, China e África do Sul) e baixa em relação à maior parte das nações desenvolvidas. Em 2017, o índice brasileiro era de 14,8% do Produto Interno Bruto (PIB). Apesar de ser influenciada pela crise econômica, a pouca disposição nacional em guardar dinheiro não é explicada só por ela. Segundo economistas ouvidos pelo ‘Estado’, o sistema de bem-estar social – que garante direito universal a educação, saúde e aposentadoria – é um fator que pesa mais na justificativa do fenômeno.
A reforma da Previdência pode ser um incentivo para o aumento das poupanças individuais no País, apontam especialistas. Embora a Constituição de 1988 garanta acesso universal à saúde e à educação, o cidadão sabe que a qualidade dos serviços deixa a desejar. Não é o que ocorre com a aposentadoria: apesar do alerta dos atrasos recentes no Rio de Janeiro e no Rio Grande do Norte, os benefícios são historicamente pagos em dia. “Quanto mais a renda futura é garantida pelo Estado, menor o incentivo individual para poupar. O que as crises fiscais em nível estadual mostraram é que a garantia do Estado não é mais absoluta”, diz Mário Mesquita, economista-chefe do Itaú Unibanco. O economista Simão Silber, da FEA-USP, lembra que o Brasil já gasta “mais que a média da OCDE, o clube dos países ricos, com aposentadoria”.
Como a “nova Previdência” deve resultar no pagamento de benefícios menores, parte da responsabilidade da renda após a aposentadoria será transferida ao cidadão – incentivando reservas. “A correlação é simples: se antevejo o descasamento entre minha renda e os desejos para o futuro, a poupança cresce”, afirma Ricardo Brito, professor da escola de negócios Insper.
Ao relacionarem o aperto na Previdência à elevação da poupança, economistas dizem que o exemplo mais concreto da tendência é a China, onde a taxa de reservas subiu para quase 50% do PIB após a reforma previdenciária, mesmo com renda média semelhante à brasileira. A “mexida” nas aposentadorias também ampliou reservas em países como Chile e Itália, argumentam especialistas (veja quadro).
Brito, do Insper, rechaça a noção de que o brasileiro é pouco cuidadoso com as finanças. Para ele, apenas a pequena parcela de trabalhadores que ganha mais do que o teto do INSS – de R$ 5,8 mil – teria hoje incentivo para poupar mais visando à aposentadoria. “O brasileiro seria imprevidente se tivesse uma expectativa de queda brusca de renda na velhice. Nas condições atuais, a poupança é suficiente, pois a taxa de reposição das aposentadorias (quanto se ganha em relação ao salário da ativa) é de cerca de 80%. É muito diferente do que ocorre lá fora.”
Pesquisa da FenaPrevi, federação que reúne os planos abertos de previdência privada, corrobora a confiança do brasileiro no sistema público: entre os entrevistados no levantamento realizado em 2018, 76% disseram que dependerão “muito” ou “totalmente” da renda do INSS após a aposentadoria.
Com redução de garantias, porém, o comportamento relativo à poupança tende a se alinhar ao de outras partes do mundo. “A evidência da teoria econômica é de que o ‘bicho-homem’ é mais parecido do que se imagina”, diz Samuel Pessoa, pesquisador do Ibre-FGV. “Sob as mesmas regras, as pessoas tendem a se comportar de forma semelhante. Se um chinês vivesse no Brasil, provavelmente pouparia menos.”
Zona de conforto
80%
é a reposição aproximada do salário da ativa garantida pelo sistema brasileiro, segundo professor do Insper
R$ 5,8 mil
é o teto de benefícios do INSS
PONTOS DE VISTA
“O brasileiro seria imprevidente se tivesse expectativa de renda baixa na velhice. Nas condições atuais, a poupança que faz é suficiente, pois a taxa de reposição das aposentadorias (em relação ao salário da ativa) é de cerca de 80%.”
Ricardo Brito
PROFESSOR DO INSPER
“A evidência é de que o ‘bicho-homem’ é mais parecido do que se imagina. Sob as mesmas regras, as pessoas tendem a se comportar de forma semelhante. Se um chinês vivesse no Brasil, provavelmente pouparia menos.”
Samuel Pessoa
PESQUISADOR DO IBRE-FGV
“Hoje, a ideia das pessoas é: ‘minha aposentadoria está lá, garantida’. Com a capitalização, a cabeça das pessoas terá de funcionar de outra maneira. O desenho do sistema influencia na disposição em poupar.”
Hélio Zylberstajn
PROFESSOR DA FEA/USP E PESQUISADOR DA FIPE
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Brasil perde 'bônus demográfico' e vê taxa de poupança encolher
13/05/2019
Apesar de total de pessoas em atividade ter crescido, País viu índice de reservas cair de 23% para 15% em 40 anos
Os economistas dizem que explicar a queda da poupança do Brasil não é tarefa simples. Pela lógica, com o crescimento da população – e do total de cidadãos em idade economicamente ativa –, a taxa deveria ter aumentado de forma significativa, de acordo com Samuel Pessoa, economista e pesquisador do Ibre-FGV. No entanto, o economista diz que o Brasil desperdiçou o “bônus demográfico” e viu sua poupança cair em um terço desde os anos 1970. Na época, a taxa de reservas brasileira girava em torno de 23%; hoje, está abaixo de 15%.
A comparação com os anos 1970 faz sentido porque a época retrata uma realidade anterior à atual, em relação a três fatores: demografia (na época, a população era mais jovem), Previdência (o total de contribuintes era bem superior ao de beneficiários) e de contas públicas (o gasto primário da União girava em torno de 11%, metade do atual). O hipotético Estado de bem-estar social criado pela Constituição de 1988 deu garantias à população, estabelecendo uma série de “redes de segurança”, incluindo seguro-desemprego e Bolsa Família, argumenta estudo realizado por Pessoa.
Os benefícios instituídos pelo Estado reduziram a percepção de risco para o aposentado. O Brasil está hoje entre as dez que mais gastam com Previdência em uma lista de 101 países, segundo levantamento do pesquisador do Ibre-FGV. O custo dessa conta que não fecha, segundo o economista-chefe do Itaú Unibanco, Mário Mesquita, levou a um forte déficit da administração pública – principal responsável pela queda geral do índice da poupança. Ele pondera, porém, que as reservas privadas não subiram de patamar, contribuindo também para o problema. Para Pessoa, isso gera uma ciclo perverso: “Um país não cresce de forma sustentável sem poupar.”
A China é considerada por economistas uma base válida de comparação com o Brasil porque ajuda a derrubar uma noção equivocada: a de que o brasileiro não poupa porque ganha pouco. Hoje, a renda média de chineses e brasileiros ainda é semelhante. “O que muita gente chama de reforma da Previdência, eu vejo como uma mudança cultural”, diz Ricardo Brito, professor do Insper e autor de um estudo que compara os dois países. “Na China, quem se aposenta consegue, com o benefício público, um porcentual baixíssimo do que ganhava na ativa. Eles são obrigados a guardar dinheiro para a velhice”, explica o professor do Insper.
No Brasil, uma pesquisa feita pela FenaPrevi em 2018, mostrou que só 38% dos brasileiros dizem estar dispostos a separar parte da renda para uma reserva extra para a aposentadoria. Professor da USP, Hélio Zylberstajn, diz que a introdução do modelo de capitalização – um dos pilares do projeto do governo para a Previdência – poderá ajudar a mudar esse quadro. “Hoje, a ideia das pessoas é: ‘minha aposentadoria está lá, garantida’. Com a capitalização, a cabeça das pessoas terá de funcionar de outra maneira. O desenho do sistema influencia na disposição em poupar.”
Retrato
76%
dos brasileiros dizem depender ‘totalmente’ ou ‘muito’ do sistema público de Previdência
38%
é a fatia que diz estar disposta a separar uma parte do salário para uma poupança ‘extra’