Correio braziliense, n. 20459, 27/05/2019. Política, p. 4

 

The day after

Leonardo Cavalcanti

27/05/2019

 

 

Há algumas questões a serem postas na mesa dos estrategistas. Qual é o perfil do militante que saiu de casa para apoiar o capitão reformado? Qual será o impacto político no Congresso e no Supremo, alvos principais dos manifestantes? Qual a resposta que a oposição vai dar a partir de agora?

Era esperado que os apoiadores de Jair Bolsonaro fossem para as ruas. Os movimentos das redes ao longo da semana passada, monitorados pela consultoria Levels, a pedido do Correio, mostravam uma reação de governistas aos atos da oposição há 10 dias. Ontem, se as manifestações em favor do presidente não empolgaram, não dá para dizer que foram um fiasco. A partir daí há algumas questões a serem postas na mesa dos estrategistas da esquerda e da direita. A elas. Qual é o perfil do militante que saiu de casa para apoiar o capitão reformado? Qual será o impacto político no Congresso e no Supremo, alvos principais dos manifestantes? Qual a resposta que a oposição vai dar a partir de agora?

Tudo leva a crer, a partir dos dados da internet e das imagens de manifestantes nas ruas, que Bolsonaro não conseguiu furar a própria bolha — quem apareceu foi o eleitor-raiz-vibrador, em bom número, diga-se, afinal, esse grupo não é pequeno. Numa conta rápida, chega a 15% do eleitorado. São aqueles que aparecem nas pesquisas mantendo a confiança total no presidente, apesar do desencanto de parte da população, isso sem contar com o pessoal que é da oposição desde o ano passado. A dificuldade para o Planalto nos protestos de ontem está na capacidade de Bolsonaro em ampliar a quantidade de apoiadores, algo que pode fazer diferença no momento de crise aguda.

Fidelidade

Em entrevista publicada na edição de ontem do Correio, Paulo Kramer, professor do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB), mostrou a lógica das ações do presidente. “Bolsonaro se movimenta de maneira intuitiva, mas é possível ver que ele tem receio de decepcionar os eleitores mais fiéis e passe a ser visto como um líder fraco por fazer acordos com políticos tradicionais.” Não foi por acaso que o capitão reformado, mesmo desaconselhado pelos assessores na Esplanada, se pronunciou ontem sobre os atos pró-governo. “É uma manifestação com respeito a leis e instituições. Mas com firme propósito de dar um recado àqueles que teimam, com velhas práticas, não deixar que o povo se liberte.”

E, com tal frase do presidente, chegamos à segunda pergunta: qual será o impacto político no Congresso e no Supremo das manifestações? Antes da tentativa de resposta, é preciso lembrar que os principais caciques políticos, tanto do governo quanto da oposição, passaram os últimos dias tensos para saber quantas pessoas sairiam às ruas. É possível dizer que, no fim do dia de ontem, a partir de entrevistas feitas pela reportagem do Correio, os dois grupos pareciam aliviados. Se o Bolsonaro tirou gente de casa, também não bombou tanto assim. Dessa maneira, o presidente conseguiu manter a torcida acesa, mesmo com algumas defecções, como no caso de apoiadores dentro do funcionalismo, contrários à reforma da Previdência.

Jogo jogado

Na prática, os deputados do Centrão devem continuar a jogar o mesmo jogo, até porque a dificuldade do Palácio do Planalto em avançar nas reformas está na própria base, na inexperiência e estridência de parte dos integrantes do PSL, justamente aqueles que estimularam as manifestações. Um problema é que, sem apoios públicos como de ontem, Bolsonaro já atuava por conta própria, sem se preocupar em buscar aliados no Congresso, agora o presidente tende a ficar ainda mais descolado das negociações. Um dos argumentos da oposição era de que ele deveria sair da rede para o mundo real, o que ocorreu ontem. O discurso do capitão reformado ainda está na campanha, a tendência é ficar mais radicalizado, para desespero dos presidentes da Câmara, Rodrigo Maia, e do Senado, Davi Alcolumbre.

Por fim, as manifestações pró e contra Bolsonaro ganharão força. O movimento contra os cortes na Educação não pode ser desconsiderado pela força das imagens e da quantidade de cidades envolvidas. Da mesma maneira, os grupos apoiadores do presidente se animaram e podem marcar outros protestos contra o Congresso assim que a oposição agendar uma manifestação. O clima de campanha assim não vai ser interrompido nem tão cedo. Tais riscos eram claros desde o início da mobilização dos grupos pró-Bolsonaro, nem por isso foi avaliado. Ao contrário, o próprio presidente decidiu se pronunciar sobre os atos, criticando o Congresso e grupos supostamente contrários às reformas. A trégua da campanha está longe de ser proposta. Pior para todos.