O Estado de São Paulo, n.45860, 10/05/2019. Política, p. A4

 

Governo não se empenha e comissão tira Coaf de Moro 

10/05/2019

 

 

Revés. O ministro Sérgio Moro (à esq.) em evento com o presidente do Coaf, Roberto Leonel

O governo lavou as mãos e permitiu que o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, sofresse ontem nova derrota no Congresso. Em um primeiro movimento, a comissão mista do Congresso que analisa a medida provisória da reforma administrativa tirou o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) da pasta de Moro e o devolveu para o Ministério da Economia. Logo depois, o titular da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, telefonou para líderes do PSL e do Novo, dando voz de comando para que eles aprovassem a MP no plenário da Câmara, mas, diante de outro revés, a votação foi adiada.

Embora o discurso do Palácio do Planalto tenha sido o de que a manutenção do Coaf na Justiça era prioritária para o combate à corrupção, na prática o governo não se empenhou para que o colegiado ficasse sob o guarda-chuva de Moro, ex-juiz da Lava Jato. Sem votos no Congresso, o Planalto preferiu fazer acordo com o Centrão – bloco que reúne aproximadamente 250 dos 513 deputados – e com a oposição, na tentativa de salvar o novo desenho da Esplanada dos Ministérios, previsto na MP 870, enviada pelo presidente Jair Bolsonaro em janeiro.

O problema é que, apesar do acerto, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), se irritou com uma questão de ordem apresentada em plenário pelo deputado Diego Garcia (Podemos-PR) e encerrou a sessão sem votar a MP, contrariando o Planalto.

Garcia chamou Maia de “desleal” e defendeu a manutenção do Coaf com Moro. “As medidas provisórias devem ser apreciadas seguindo a ordem de trancamento da pauta. Não pode o presidente (da Câmara) se valer desse momento. Isso é desleal com o Parlamento e com os parlamentares desta Casa”, disse Garcia, que está no segundo mandato.

Maia reagiu com nervosismo. “Nunca fui desleal e, agora, Vossa Excelência acabou de derrubar a MP 870. Vou ler todas as MPs e todas serão votadas antes da 870. Vossa Excelência será responsável pela retirada do Coaf do Ministério da Justiça”, afirmou. Há cinco MPs na “fila” para votação na Câmara que, pelo regimento da Casa, deveriam ser apreciadas antes. Porém, era possível inverter a pauta.

Prazo. A preocupação do Planalto é porque a MP 870 – que diminui o número de ministérios de 29 para 22 – caduca em 3 de junho e, se não for aprovada até lá, todas as fusões de pastas feitas até agora serão desmanchadas.

Apesar de o governo não ter agido para segurar o Coaf com Moro, Bolsonaro disse ontem esperar que a mudança seja revertida pelo Congresso. “Espero que o plenário da Câmara e do Senado mantenham o Coaf no Ministério da Justiça porque é um instrumento muito importante para o combate à corrupção e à lavagem de dinheiro”, afirmou o presidente em transmissão ao vivo pelo Facebook.

Além de decidir, por 14 votos a 11, devolver o Coaf à equipe econômica – como era em governos anteriores –, a comissão mista do Congresso também resolveu transferir o comando da Fundação Nacional do Índio (Funai), hoje com o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, para Moro.

O Coaf é considerado estratégico porque recebe informações sobre suspeitas de lavagem de dinheiro, ocultação de patrimônio e até financiamento de atividades criminosas ou terroristas. O colegiado teve participação em investigações como a do mensalão, no governo Lula, e da Lava Jato. Foi também o Coaf que identificou movimentações bancárias atípicas de R$ 1,2 milhão na conta de Fabrício Queiroz, ex-assessor do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), como revelou o Estado. O próprio Flávio foi alvo do órgão.

Para Moro, o governo falhou na articulação para aprovar a permanência do Coaf na Justiça. “Nós conversamos, dialogamos, tentamos explicar. Aparentemente, não fomos bem-sucedidos”, disse o ministro.

Nem mesmo concessões feitas pelo Planalto para conseguir aprovar a MP, como a recriação dos ministérios de Cidades e Integração Nacional, acalmaram o Centrão. À noite, o porta-voz da Presidência, general Rêgo Barros, anunciou que o ministro do Desenvolvimento Regional, Gustavo Canuto, será mantido na equipe, agora na Integração, caso a MP passe pelo Congresso, o que inviabiliza uma indicação política.

Poucas horas depois, deputados do PSL conversaram com Bolsonaro, no Planalto. Queriam saber se haveria alguma nova orientação para votar a MP. O presidente não fez qualquer apelo à bancada de seu partido para reverter a transferência do Coaf da Justiça para a Economia.

“Isso já estava precificado. Ele deixou o partido livre. Isso aqui não é uma monarquia. É uma democracia”, afirmou a líder do governo no Congresso, deputada Joice Hasselmann (SP). “Alguém, por acaso, reclama do Paulo Guedes?”, questionou ela.

Bolsonaro pediu apenas que os deputados não permitam que a MP fique sem validade. “Ele não mostrou nenhuma insatisfação”, comentou Filipe Barros (PR), vice-líder do PSL, ao lembrar que a bancada é favorável à manutenção do Coaf com Moro./  VERA ROSA, CAMILA TURTELLI, DANIEL WETERMAN, FELIPE FRAZÃO e BRENO PIRES