O Estado de São Paulo, n.45860, 10/05/2019. Política, p. A8

 

Pasta de Guedes perde definição de política industrial

Daniel Weterman 

10/05/2019

 

 

 Recorte capturado

 

 

Comissão que analisa a reforma administrativa incluiu alterações em órgãos do governo que não estavam previstas, os chamados ‘jabutis’

Além de retirar o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) do Ministério da Justiça, a comissão que analisa a reforma administrativa no Congresso incluiu uma série de alterações em órgãos do governo que não estavam previstas – os chamados “jabutis”. Entre elas, está a transferência de todas as políticas de desenvolvimento da indústria, comércio e serviços do Ministério da Economia para o Ministério da Ciência e Tecnologia, que tem à frente o ministro Marcos Pontes. A inclusão do item foi antecipada pelo blog da coluna Direto da Fonte.

O relator da MP, senador Fernando Bezerra (MDB-PE), afirmou que a mudança foi um “erro material” e que apenas a Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), hoje sob o guarda-chuva do ministro Paulo Guedes, é que passaria para a pasta comandada por Pontes. Ele afirmou que o texto será alterado quando for discutido no plenário da Câmara.

O autor do pedido para a mudança na ABDI foi o deputado Hugo Motta (DEM-PB). O parlamentar afirmou ter se surpreendido com a redação do texto e pediu a alteração. “A política industrial, na nossa avaliação, deve continuar na Economia. A ABDI tem uma ligação mais voltada com projetos de tecnologia de informação”, disse. Para o parlamentar, o “superministério” da Economia ficou com muitas atribuições e fez com que a agência não funcionasse tão bem como poderia.

Índios. A comissão de deputados e senadores também aprovou a transferência da demarcação de terras indígenas para a Fundação Nacional do Índio (Funai), órgão que voltará ao Ministério da Justiça, pasta comandada por Sérgio Moro. O relator, porém, havia proposto que a demarcação continuasse com o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), vinculado ao Ministério da Agricultura, o que foi rejeitado pelo colegiado.

A Frente Parlamentar da Agropecuária – que reúne 270 parlamentares –, porém, já avisou que vai tentar reverter a mudança no plenário da Câmara.

Outro “jabuti” que entrou no relatório aprovado pela comissão restringe a atuação da Receita Federal em investigações. De acordo com o texto, a competência dos auditores do Fisco se limitará à investigação de crimes tributários ou relacionados ao controle aduaneiro. Essa orientação já vinha sendo difundida pelo próprio comando do órgão, conforme revelou o Estado.

O parecer, porém, foi além e previu que, fora crimes tributários ou aduaneiros, a Receita precisará de uma ordem judicial para compartilhar qualquer informação de indício de crime com órgãos ou autoridades.

A restrição incomodou auditores fiscais (mais informações nesta página), e gerou reações no PSL, partido do presidente Jair Bolsonaro. Para o líder da legenda no Senado, Major Olimpio (SP), “é um ‘jabuti’ que entrou de tal forma que está desmoronando todo o trabalho feito para a estruturação do País”.

Líder do governo no Senado, Bezerra argumentou que integrantes da Receita podem cometer “abuso de autoridade” se não houver uma limitação. “Nós não queremos impedir qualquer tipo de investigação. Prezamos pela transparência, pelo combate à corrupção, à lavagem de dinheiro, ao crime organizado”, disse.

Outro ponto alterado foi a atribuição da Secretaria de Governo, uma das pastas abrigadas no Palácio do Planalto, de monitorar o trabalho de ONGs. A medida havia gerado críticas de organizações, que viram risco de interferência e ameaça à autonomia das instituições. Na nova versão, pasta será responsável por acompanhar parcerias do governo com ONGs.

_____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Sindifisco vê represália em mudança de MP

Lorenna Rodrigues 

10/05/2019

 

 

O presidente do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais (Sindifisco), Kleber Cabral, disse ontem que a tentativa do Congresso de limitar a atuação da Receita Federal seria uma reação ao caso do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF). Em fevereiro passado, a Corte abriu inquérito para apurar, entre outros fatos, o vazamento de que Gilmar era alvo de uma fiscalização preliminar do Fisco.

“Sempre condenamos o vazamento porque é direito do contribuinte o sigilo e atrapalha o próprio trabalho de fiscalização você vazar e o contribuinte ficar sabendo. Mas era um trabalho preparatório, não tinha investigação aberta. Já nos disseram claramente: vocês chegaram no STF, vai ter reação. Não ia ficar barato”, disse Cabral, em entrevista ao Estadão/Broadcast. Procurado, o ministro Gilmar Mendes não se manifestou. Em fevereiro, o ministro disse ao Estado que a Receita “não pode ser convertida numa Gestapo”.

A alteração foi incluída na medida provisória da reforma administrativa – que ainda precisa passar em votação no plenário da Câmara e do Senado. Para Cabral, isso seria parte de um ataque à Receita por “poderosos afetados pelas investigações”. “Tem um grupo de parlamentares expressivo, cerca de 100, que uma parte já foi autuada e outra está sendo fiscalizada pela Receita, tanto na Lava Jato quanto em outros ilícitos. Há um grupo que realmente se interessa em restringir atribuições da Receita”, disse ele.

Pelo Twitter, o subsecretário de fiscalização da Receita, Iágaro Martins, afirmou que, pelo caráter interpretativo, a medida “tem o potencial de ser um torpedo nas ações criminais, como a Lava Jato e tantas outras em que auditores-fiscais identificam suspeitas de crimes”.

____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

STF valida indulto que beneficia condenados por corrupção

Rafael Moraes Moura 

10/05/2019

 

 

Julgamento. Sessão do STF que validou decreto de Temer

O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu ontem, por 7 votos a 4, validar o indulto de Natal concedido em dezembro de 2017 pelo então presidente Michel Temer que estendia o benefício a condenados por corrupção. Prevaleceu o entendimento de que a concessão do indulto é um ato privado do presidente da República, não cabendo ao Supremo definir ou rever as regras estabelecidas no decreto.

Com a decisão do STF, aqueles que cumpriam as condições na época em que o decreto foi editado, como ter cumprido ao menos um quinto da pena, podem requerer o benefício à Justiça. O decreto não beneficia o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), pois ele só começou a cumprir a sua pena por corrupção passiva e lavagem de dinheiro em 2018.

O julgamento havia sido interrompido em novembro do ano passado por pedido de vista (mais tempo para análise) do ministro Luiz Fux. À época, o procurador Deltan Dallagnol – coordenador da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba – disse que o indulto de Temer “perdoava 80% da pena dos corruptos, qualquer que fosse o seu tamanho”.

Ao editar o decreto, Temer ignorou solicitação da força-tarefa e recomendação do Ministério Público Federal, que pediam, entre outros pontos, que os condenados por crimes contra a administração pública – como corrupção – não fossem agraciados pelo indulto.

A Procuradoria-Geral da República (PGR), então, entrou com a ação contra o decreto, que estava suspenso parcialmente por decisão do ministro Luís Roberto Barroso. “O indulto não pode colocar cidadãos acima da lei. O exercício desvirtuado desse poder destrói o sistema de incentivos para observância da lei”, disse Fux, ao ler o seu voto e se aliar aos ministros Luís Roberto Barroso, Edson Fachin e Cármen Lúcia.

A favor do direito de o presidente da República editar o decreto como quiser se posicionaram os ministros Alexandre de Moraes, Rosa Weber, Ricardo Lewandowski, Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Celso de Mello e o presidente da Corte, ministro Dias Toffoli.

Para Lewandowski, o decreto natalino é um ato do presidente da República, definido pela Constituição Federal e “insindicável” (que não pode sofrer análise) por parte do Judiciário. “Não podemos ingressar no mérito se é bom ou ruim, se foi um absurdo ou não, essa é uma prerrogativa presidencial e temos de nos curvar a essa prerrogativa”, disse Lewandowski.

Tensão. O clima esquentou no julgamento quando Barroso questionou se o Supremo iria validar “o indulto coletivo concedido com o cumprimento de 1/5 da pena, independentemente de a pena ser de 4 ou 30 anos, inclusive pelos crimes de peculato, corrupção, tráfico de influência, lavagem de dinheiro e organização criminosa”.

Moraes rebateu o colega: “O Supremo Tribunal Federal está reconhecendo a constitucionalidade do presidente da República, independentemente de quem seja, editar um indulto que existe desde o início da Republica – e não ser substituído por um (ministro) relator do STF que fixa condições”.

Ao questionar os critérios definidos por Temer no indulto de 2017, o ministro Luiz Fux indagou os colegas: “Então esses absurdos vão valer?”. Marco Aurélio respondeu: “Absurdo na ótica de Vossa Excelência”.

Diante da polêmica, o então presidente Michel Temer não fez um novo decreto de indulto em 2018. Em fevereiro deste ano, o presidente Jair Bolsonaro decidiu conceder indulto humanitário a presos com doenças graves e terminais.