Correio braziliense, n. 20459, 27/05/2019. Mundo, p. 12

 

Quem vai ser o anti-Trump?

Silvio Queiroz

27/05/2019

 

 

Estados Unidos » Impedir a reeleição do presidente republicano é a missão para a qual mais de 20 políticos democratas se apresentaram, a um ano e meio da votação. Três deles largam na frente para as primárias, que começam em janeiro

A pouco menos de um ano e meio da eleição presidencial, já são mais de 20 os pré-candidatos oficialmente lançados, no Partido Democrata, para disputar a candidatura a ser o adversário de Donald Trump, em novembro de 2020. Enquantos os adversários se atiram à campanha para a temporada de primárias, que definirá o nome da oposição na disputa pela Casa Branca, o presidente, sem rivais no Partido Republicano, faz política doméstica e externa segundo os planos de reeleição. Mobiliza o próprio eleitorado e dedica-se à demolição sistemática dos possíveis oponentes.

Como enfrentar Trump nas urnas é a questão que mobiliza, no momento, os aspirantes a encabeçar a chapa democrata. E a última pesquisa sobre a corrida, recém-publicada pela Universidade Quinnipiac, dá pistas sobre os primeiros movimentos dos presidenciáveis. Com a ressalva de que restam mais de seis meses até o início das primárias, os números iniciais destacam três nomes, com credenciais bastante diferentes e abordagens distintas para o dilema colocado para a oposição.

Na liderança isolada, aparece o vice-presidente de Barack Obama, Joe Biden, com 38% das intenções de voto, o dobro do segundo colocado, o senador por Vermont Bernie Sanders. Ambos políticos veteranos, mais próximos dos 80 que dos 70 anos e com longa carreira no Congresso, eles representam polos opostos no partido. Correndo por fora, com 13%, outra senadora, Elizebeth Warren, alinhada à ala dita “progressista”, mas vinculada diretamente ao movimento feminista. Todos abaixo dos 10%, os demais concorrentes ainda lutam por espaço no noticiário e fatias no bolo das contribuições de campanha.

Último dos três primeiros colocados a lançar oficialmente a candidatura, Biden delineou uma estratégia clara de campanha: apresentar-se como o nome mais viável para o que defende como a prioridade número um para a oposição, ou seja, derrotar Trump. E, não por acaso, escolheu para a largada na longa maratona a cidade de Filadélfia, na Pensilvânia, um dos estados onde o magnata republicano se impôs a Hillary Clinton, em 2016, com a força do voto operário — historicamente, mais inclinado aos democratas.

Em seu discurso, o ex-vice-presidente e ex-senador apenas listou temas sobre os quais os concorrentes se estendem na apresentação de propostas, como saúde pública, educação e meio ambiente. “A única coisa, e a mais importante, que temos de fazer para atender a essas questões é derrotar Donald Trump”, proclamou, sob aplausos de um eleitorado ávido por encontrar nas urnas o nome de um democrata “de raiz”. “Se vocês querem saber qual é o primeiro item da minha proposta sobre a mudança climática, é esta: bater Trump.”

Os analistas, porém, fazem eco a algumas das reservas nas quais os rivais de Biden apostam para destroná-lo do favoritismo, expresso também na arrecadação de mais de US$ 6 milhões nas primeiras 24 horas de campanha. Uma delas, a idade, não parece tão animadora para os demais pré-candidatos — nem para o presidente. Uma pesquisa Gallup, no início do mês, mostrou que 63% dos americanos não se inclinam a eleger alguém com mais de 70 anos, uma “linha de corte” que não poupa nem sequer Elizabeth Warren, que chegará à eleição com 71. Biden, que terá 78 em novembro de 2020, se tornaria o americano mais velho a ser eleito para o primeiro mandato presidencial.

Céu e inferno

A trajetória política é talvez o aspecto mais paradoxal na ponderação sobre prós e contras do atual líder na corrida pela candidatura da oposição. Oito anos como vice de Barack Obama ajudam a explicar a popularidade de Biden entre o eleitorado negro, cujo entusiasmo faltou para Hillary Clinton, em 2016.  Mas é nas mais de três décadas como senador, entre 1972 e 2008, que os adversários veem seu calcanhar de Aquiles. Elizabeth Warren invoca o voto do veterano a favor de uma controversa lei de falências, em 2005. “Ele ficou do lado das operadoras de cartão de crédito!”, ataca a senadora. “Se você examinar o histórico dele no Congresso e comparar com o meu, acho que não há muita dúvida quanto a quem é o candidato mais progressista”, provoca Sanders.

É do campo do senador por Vermont, autoproclamado “socialista”, osso duro para Hillary nas primárias de três anos atrás, que parte outra linha de contestação ao favorito: sua semelhança política com a ex-secretária de Estado, bombardeada por Trump como exemplar típico da “elite de Washington”. Ambos exaltam a própria experiência, ambos apontam o “destempero” do presidente para exercer o cargo, ambos clamam pelo fim da “divisão política” no país. Norman Salomon, que acompanha Bernie Sanders desde a última campanha, define Biden como “o protótipo do zumbi político que simboliza o velho Partido Democrata”.

Frase

"Se vocês querem saber qual é o primeiro item da minha proposta sobre a mudança climática, é esta: bater Trump”

Joe Biden, pré-candidato da oposição democrata à Casa Branca

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Três opções para a oposição

27/05/2019

 

 

 

 

Democrata à moda antiga

Oito anos como vice-presidente de Barack Obama ajudaram o veterano senador por Delaware a tornar-se conhecido nacionalmente para o eleitorado democrata, em particular para setores cujo apoio pode ser decisivo em novembro de 2020, como negros e latinos. Mas, acima de tudo, Joe Biden se lançou à disputa pela candidatura do partido à Casa Branca exibindo a credencial mais valiosa para um político de 76 anos: fidelidade às raízes. Não por acaso, escolheu como ponto de partida de sua campanha a Pensilvânia, um dos estados de tradição industrial nos quais o partido perdeu para Donald Trump o eleitorado branco da classe operária, em 2016 — um movimento que se revelou fatal para Hillary Clinton. Em 1972, na votação em que Richard Nixon se reelegeu presidente impondo uma derrota acachapante ao democrata George McGovern, Biden tornou-se o mais jovem senador da história política do país, vitorioso dias antes de completar 30 anos. Desde então, construiu uma carreira sólida que o transformou em protagonista no debate de temas críticos, como defesa, relações exteriores e justiça.

Socialista à americana

Bernie Sanders saiu das primárias do Partido Democrata, há três anos, como a novidade do processo eleitoral, mesmo tendo, à época, 74 anos e tendo perdido a indicação presidencial para a ex-secretária de Estado Hillary Clinton. Seus comícios arrastaram multidões, com a notável predominância dos jovens — um entusiasmo que parecia reeditar a caminhada irresistível do então jovem senador Barack Obama em 2008, primeiro se impondo a Hillary e, depois, retomando a Casa Branca para os democratas, ao fim de oito anos de George W. Bush. Neste ano, novamente, Sanders se apresenta como o nome da esquerda do partido, um “socialista democrático”. Eleito senador pelo estado de Vermont, como candidato independente, o veterano político trava provavelmente sua última batalha por uma candidatura presidencial, e enfrenta os mesmos obstáculos do ciclo eleitoral de 2016. Além da idade avançada, há desconfianças quanto à sua capacidade de recuperar para o partido os eleitores perdidos no campo classificado pelos observadores como o “centro” do espectro.

Feminista aos costumes

É também da atual minoria oposicionista no Senado que vem o terceiro nome mais cotado, até aqui, para enfrentar Donald Trump nas urnas em 2020. A um mês de completar 70 anos, Elizabeth Warren desponta como a continuadora de Hillary Clinton em uma frente peculiar da disputa política nos EUA — a longa tradição feminista, que tem um de seus marcos iniciais com a luta pelo direito de voto, conquistado em 1917. Na última eleição presidencial, a senadora por Massachusetts esteve entre as primeiras personalidades democratas a apoiar a ex-secretária de Estado, embora tivesse afinidades políticas com a agenda de Bernie Sanders, e chegou a ser cotada como possível candidata a vice. Como representante de um estado com longa tradição “liberal” — termo que equivale a “esquerdista” no jargão político americano —, Elizabeth Warren se identifica com a ala progressista do partido. Nos últimos anos, destacou-se pela crítica cerrada ao governo Trump, com ênfase em temas como imigração e saúde pública.