O Estado de São Paulo, n. 45855, 05/05/2019. Política, p. A4

 

Decreto do governo obriga transparência para o lobby

Mariana Haubert

05/05/2019

 

 

Executivo. Ministro da Controladoria-Geral da União vai se reunir nesta semana com Bolsonaro para definir redação final; agentes públicos terão de divulgar agenda de trabalho

CGU. Wagner Rosário afirma que pretende usar decreto para sugerir mudanças a projeto em estudo no Congresso

O governo recorreu ao modelo chileno como inspiração para o decreto que irá editar com o objetivo de regulamentar o lobby no Brasil. Entre as medidas em estudo, estão a criação de uma central com todas as informações sobre a agenda de representantes do governo e a publicidade de indicações feitas por setores para cargos públicos. O ministro da Controladoria-Geral da União (CGU), Wagner Rosário, afirmou ao Estado que a intenção é publicar o texto em até 30 dias.

Nesta semana, ele se reunirá com o presidente Jair Bolsonaro para discutir a versão final. “Estamos tentando amarrar um decreto com regras mais claras sobre o que é a representação de interesses”, afirmou o ministro.

O País ainda não possui um marco legal sobre o assunto. No Congresso, a regulamentação da atividade de lobby é discutida há cerca de quatro décadas. Neste período, foram apresentados aproximadamente 30 projetos sobre a matéria.

O decreto do governo prevê um sistema unificado de informações sobre reuniões e audiências marcadas para os gabinetes e palácios da União, com dados detalhados sobre o motivo, hora, local, participantes, quem está sendo representado e qual é o assunto tratado. Além de agregar as agendas, o sistema apresentará mecanismos de busca e filtragens específicas pelos nomes dos lobistas e pelas instituições representadas.

Segundo o ministro, se o agente público receber durante uma audiência um pedido para nomeação de cargo na administração federal, ele deverá registrar a informação na agenda oficial. “Tem de ficar claro para a população quem influenciou nesta decisão.” Hoje, uma resolução da Comissão de Ética Pública da Presidência da República estipula regras para a divulgação da agenda de ministros e secretários, mas a norma não alcança o presidente. Sem a força do decreto, a resolução é ignorada pela maioria dos órgãos.

O sistema também irá distinguir o que é reunião governamental, que envolve apenas representantes do poder público, e audiências concedidas a setores de fora do governo. A estimativa do ministro da CGU é de que a central de informações seja concluída em seis meses. A ideia é adaptar o modelo existente no Chile. “Lá, por exemplo, só entra na agenda uma reunião que foi solicitada pelo lobista. Se a autoridade o convidar, não é publicado. Queremos publicar as duas informações aqui”, disse Rosário.

O ministro esteve no Chile em março, onde assinou termos de cooperação com o governo de Sebastián Piñera. Lá, uma plataforma administrada pelo Executivo apresenta a lista de pessoas físicas ou jurídicas inscritas nos registros de lobistas. Também é possível ter acesso a todas as audiências realizadas pelos governos centrais e municipais, presentes e doações recebidas, além de viagens realizadas por autoridades com financiamento privado.

Segundo Rosário, a inclusão das estatais no escopo do decreto ainda está sendo discutida no governo. A decisão passaria, no entanto, por uma análise de cada conselho administrativo. O ministro ressalta como um complicador o fato de essas empresas atuarem com informações estratégicas de mercado.

Congresso. O governo quer usar o decreto como base para sugerir alterações em um projeto de lei que regulamenta o lobby. Essa proposta apresentada em 2007 pelo deputado Carlos Zarattini (PT-SP) está na pauta do plenário da Câmara e, pelo menos no papel, tramita em regime de urgência.

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), afirmou ao Estado que sua intenção, “a principio”, é colocar o projeto que regulamenta o lobby em votação neste ano. Para Zarattini, seu projeto de lei não foi votado até hoje por causa dos “diferentes interesses” em dar mais transparência para a relação entre o setor público e privado. Ele não critica a proposta do decreto pelo governo federal, mas disse que seu alcance seria limitado. “O decreto só chegaria ao

Executivo Federal. Para alcançar o Legislativo, é preciso aprovar a lei.”

O ministro da CGU pretende participar de conversas com parlamentares nas próximas semanas para apresentar sugestões. Rosário afirmou que o projeto de lei está focado em definir o que é a atividade do profissional do lobby e deixa de lado avanços que precisariam ser feitos na transparência da relação entre o público e o privado. “Uma lei que diz que o profissional tem de ser correto, não serve para nada. O que serve são informações claras e acessíveis para o cidadão.”

O projeto estabelece que qualquer pessoa pode exercer a atividade de lobista, incluindo instituições e órgãos públicos, além de entidades representativas de interesses coletivos ou de setores econômicos e sociais. O texto defende que a representação de interesses nos processos de decisão política é atividade legítima que visa a contribuir para o equilíbrio do ambiente normativo e regulatório do País.

Os lobistas terão de se cadastrar nos órgãos em que atuarão e portar crachás. Fará parte do escopo da atividade apresentar sugestões de emendas, substitutivos, requerimentos no âmbito do processo legislativo ou regulatório. Eles também poderão fornecer relatórios e estudos que embasem alguma decisão. O projeto também trata das agendas oficiais de autoridades públicas, com a determinação de que encontros com lobistas sejam publicados.

Quarentena

O projeto de lei que tramita na Câmara dos Deputados diz que o presidente da República não poderá atuar como lobista num período de quatro anos após o término de seu mandato.

‘Regras claras’

“Queremos amarrar um decreto com regras claras sobre o que é representação de interesses.”

“Tem de ficar claro para a população quem influenciou nesta decisão.”

“As compras públicas não estão contempladas (no projeto no Congresso) e deveriam, porque há grupos que querem atuar nas duas esferas. Por exemplo, as firmas que vendem armas no País.”

Wagner Rosário

MINISTRO DA CGU

PARA LEMBRAR

Bancadas foram tema de série

No ano passado, o Estado publicou uma série de reportagens intitulada “Os Donos do Congresso”, que retratou a atuação dos lobbies mais poderosos no Legislativo. O Estado ouviu centenas de parlamentares, assessores e representantes dos quatro mais poderosos lobbies do Parlamento. Na configuração da Câmara naquele momento, por exemplo, esses grupos tinham 286 deputados – ou 29 votos a mais dos que a maioria absoluta (257) da Casa. A primeira reportagem, publicada no dia 22 de julho, mostrou que a bancada do funcionalismo público é considerada o lobby mais poderoso do País. Dos 513 deputados, na época, 132 eram servidores.Outro segmento abordado foi o do agronegócio. Na ocasião, o grupo era formado por 210 deputados, mas apenas 119 deles assumiam ter ligação com o setor. O levantamento também apontou 26 senadores da bancada. Essa articulação setorial opera na Frente Parlamentar Mista da Agropecuária (FPA), criada em 2015. A terceira reportagem mostrou a atuação da chamada bancada da bala, que, mesmo informal, é formada por parte da Frente Parlamentar da Segurança e recebe apoio da indústria de armas e de associações de atiradores civis. A última reportagem da série apontava a ascensão da bancada evangélica no Congresso, que na legislatura passada possuía ao menos 82 deputados e dois senadores, organizados na Frente Parlamentar Evangélica (FPE).